Por Vicente Lagos Isla| 27/07/2020
A recente prisão de Francisco Solar e Mónica Caballero traz à mente toda uma história de perseguição às ideias anarquistas. Neste processo, o aparelho repressivo do Estado desempenhou um papel fundamental, mas também a mídia dominante que criminalizou estas ideias e práticas, sem sequer tentar entender seus antecedentes e significado.
O anarquismo é uma filosofia política e um movimento cultural que busca o fim do modelo capitalista, assim como o fim do monopólio da força nas mãos do Estado. Opõe-se geralmente a qualquer autoridade imposta pela força e a um governo político entendido como uma forma de dominação sobre a população. Ele busca, em última instância, abolir o Estado e o sistema econômico capitalista.
Esta filosofia política tem uma longa história de séculos de pensamento e ação social, incluindo um papel proeminente nos primeiros movimentos de trabalhadores sociais no Chile e no mundo. Ainda hoje, um número não desprezível de pessoas, principalmente jovens, se identifica com ideias anarquistas. Eles fazem parte de toda uma geração que está extremamente decepcionada com os partidos políticos por trás do governo, bem como com as grandes empresas por trás do modelo econômico.
O anarquismo tem elevado entre seus valores a autonomia, a horizontalidade, a autogestão e o apoio mútuo entre os seres humanos. Durante a explosão social, o símbolo do A em um círculo, típico do anarquismo, podia ser visto em um número infinito de muros nas ruas.
Embora tenha sido um fenômeno político e cultural, como já foi explicado acima, a mídia dominante só se lembra dele quando há bombas envolvidas. Esta tradição midiática no Chile tem mais de 100 anos de idade. Um exemplo disso foi a repressão feroz contra os anarquistas em 1911, depois que uma bomba explodiu no convento dos Padres Carmelitas Descalços na Rua Independência, em Santiago. Nessa ocasião, e sem nenhuma evidência, o governo desencadeou a repressão contra os grupos anarquistas. Por outro lado, jornais como o El Mercurio nunca questionaram sua culpabilidade.
Nos últimos 10 anos houve 4 “casos bombas” no Chile, como foram chamados pela mídia. O primeiro foi em 2010, quando os 14 detentos foram libertados por falta de provas. O caso no primeiro governo Piñera que tinha Rodrigo Hinzpeter e o promotor Alejandro Peña questionado à sua frente atingiu um grau tão ridículo que chegou a ter como prova um cartaz da banda musical Guns N’ Roses. Este evento foi finalmente conhecido como a “Montagem do Caso Bombas”.
O segundo caso bombas foi em 2013 e foi transferido para Temuco, onde 12 pessoas foram presas, deixando 3 pessoas sob custódia, todas mulheres, que finalmente obtiveram uma sentença de remissão, ou seja, não cumpriram sua sentença na prisão, porque não representavam um perigo para a sociedade. Como o “caso bombas 1”, foram invadidas casas ocupadas que, segundo o Estado, eram centros do crime, mas que na realidade só podiam ser comprovados como centros sociais e culturais habitados por jovens.
O terceiro caso bombas foi em 2017, onde 3 pessoas foram presas, deixando apenas uma na prisão até hoje. Nos três casos em que dezenas de pessoas foram presas, apenas uma pessoa foi deixada na prisão, mostrando até que ponto o sistema de justiça chileno foi incapaz de provar os “crimes” dos anarquistas. Apesar de o Estado e a mídia terem enfatizado a natureza terrorista e violenta dos detentos, das dezenas de atentados a bomba ligados a esses casos, apenas um afetou civis no infeliz evento da Escola Militar em 2014. O resto afetou principalmente bancos e a gendarmeria ou prédios policiais.
Na verdade, as pessoas mais afetadas pelas bombas têm sido os próprios anarquistas. Por exemplo, com a morte de Mauricio Morales, um anarquista que morreu quando a bomba que ele carregava explodiu em 2009. Ou as lesões graves que em 2011 terminaram com a amputação de seu braço e cegueira parcial, bem como as queimaduras graves do anarquista Luciano Pitronello.
Em geral, os anarquistas não parecem ser um grande perigo para a sociedade chilena, como afirmam os governos e a mídia, ou pelo menos não são um perigo que se compare ao sistema que existe hoje no Chile. O que mantém a maioria sob condições de opressão política e econômica, condições que fizeram explodir a revolta social.
Nos últimos 10 anos, dezenas de jovens anarquistas sofreram algumas das mais longas prisões preventivas do sistema judicial chileno, sendo quase todos finalmente libertados por falta de provas. No entanto, vale a pena perguntar quantos empresários e políticos que foram realmente condenados por crimes de corrupção e conluio sofreram esses longos períodos de prisão preventiva? A resposta nos lembra de um modelo que protege os ricos e poderosos, ao mesmo tempo em que muitas vezes associa ao crime a manifestações de protesto e descontentamento social.
Hoje no Chile discute-se a necessidade de mudanças profundas no sistema, incluindo mudanças radicais em instituições como os carabineros. No entanto, o governo tem teimosamente recusado, e tem até procurado aperfeiçoar o sistema de inteligência a fim de implantar a polícia e até mesmo as forças armadas de forma desproporcional, no caso do projeto de infraestrutura crítica. Os partidos políticos não foram deixados para trás, aprovando leis repressivas controversas, como a lei anti-barricada. O governo está seguindo a lógica de politizar a segurança e a inteligência no Chile, forçando até mesmo as Forças Armadas a desempenhar um papel na segurança interna, como tem sido visto na explosão social e na pandemia. Tudo o que pode ser entendido como uma forma de deter uma eventual explosão social 2.0.
A recente prisão de Mónica e Francisco no que foi chamado pela mídia de “caso bombas 4”, não parece ser algo que saia do nada ou é uma coincidência. O governo está desencadeando a prisão de anarquistas num momento em que está encurralado e enfraquecido, com uma necessidade vital de construir um inimigo interno e se legitimar com base na repressão. Como Piñera demonstrou, ele não perde a oportunidade de inventar guerras e batalhas, neste caso contra um “inimigo” que ele sabe que será rapidamente criminalizado pela mídia chilena, tão acostumada a repetir o que as autoridades dizem, antes de investigar as causas profundas dos eventos sociais.
Tradução > Liberto
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