Durante a noite de sábado (01/08) e no início da manhã de domingo (02/08), episódios dolorosos de servilismo nauseante e racismo desprezível aconteceram em três comunas da Araucania. Os municípios de Curacautín, Victoria e Traiguén se encontravam ocupados por comuneirxs Mapuches como forma de pressão, em solidariedade com os presos políticos que estão em greve de fome há mais de 90 dias. Estas formas de luta se somam a uma série de outras ações de solidariedade e sabotagem, que desencadearam a mais dura repressão do Estado chileno, amparando grupos paramilitares e ultradireitistas ligados aos interesses do latifúndio e de diversas indústrias e associações de empregadores (silvicultura, agricultores, transportadores). Foram esses grupos, em evidente cumplicidade com o aparato tradicional de repressão estatal (polícia e militares), que organizaram desalojamentos violentos dos edifícios ocupados, chamando multidões servilistas que se agruparam cantando vários cantos racistas. Mulheres e crianças foram insultadas e espancadas, quase linchadas, e depois presas pela polícia. Alguns veículos da comunidade mobilizada também foram queimados, bem como uma rewe – um importante símbolo espiritual Mapuche – em Victoria. Imagens que inundaram de raiva e tristeza os corações daqueles que empatizam com todas as manifestações de luta contra a miséria do mundo capitalista.
Em 31 de julho, o recentemente nomeado Ministro do Interior Víctor Pérez, personagem sinistro da ala direita, um fervoroso pinochetista com laços estreitos com Paul Schäfer e a Colonia Dignidad (que, além de ser uma seita inspirada em ideias fascistas, funcionou como um centro de detenção e tortura durante a Ditadura), visitou precisamente a cidade de Temuco para dar um sinal de apoio a todos os grupos reacionários e anti-Mapuche que operam nos territórios em conflito e, como parece no último dia, para coordenar os horríveis ataques racistas que testemunhamos.
O governo liderado por Piñera, que vem passando por crises internas, vem optando há algum tempo por reforçar sua base de apoio mais conservadora e fascista, incapaz de recuperar qualquer sinal de apoio popular que o afastasse dos números históricos e sem precedentes de rejeição que ganhou por suas ações criminosas desde a revolta de 18 de outubro, incluindo o papel assassino que desempenharam no tratamento da pandemia de coronavírus. A nomeação de um extremista de direita como Víctor Pérez é um sinal claro desta deriva rumo a uma repressão totalmente desenfreada, que recorre à promoção de quadrilhas nacionalistas, que naturalmente incluirá entre suas fileiras os sempre desprezíveis pobres com vocação para vassalos, como vimos neste fim de semana.
Por outro lado, a esquerda em seu espectro mais amplo, que não conseguiu alcançar nenhuma liderança mínima da revolta proletária, uma revolta que transbordou os meios e fins de todo o aparato político, incluindo os supostos “críticos”, e que com muito esforço introduziu o slogan de uma “nova constituição”, plebiscito pactuado com sangue por não pode lidar com as exigências mapuches de território e autonomia (e, portanto, expulsão das indústrias capitalistas, florestais e agrícolas principalmente das zonas de conflito) sem trair sua existência ancorada na sociedade burguesa: política como uma esfera separada da sociedade, como a gestão do Estado sempre capitalista. Tenta simpatizar com sua luta, com suas exigências e se levanta como uma bandeira, querendo imitar a constituição do governo – obviamente – capitalista de Evo Morales e do MAS boliviano, e assim criar a figura de um estado plurinacional que finalmente integraria o povo mapuche. É claro que isto é um disparate. As comunidades Mapuche não são chilenas, e suas demandas visam deixar isso claro. Não é a participação em um Estado nacional que lhes é ainda mais estranha do que a todos nós que poderia de alguma forma resolver o conflito. Nem, obviamente, a constituição plurinacional boliviana: assim que os interesses dos capitalistas nacionais e internacionais entraram em conflito com os das diversas comunidades nativas daquele país, o Estado se apressou a tomar partido pela primeira; não podia ser de outra forma, o Estado É SEMPRE o instrumento da classe capitalista.
A luta do povo mapuche faz parte de uma história secular de resistência à imposição das relações capitalistas, que desde a época da conquista do continente americano pela coroa espanhola vêm se expandindo e criando raízes, massacrando as culturas originais, em um processo de despossessão e proletarização forçada, como aconteceu em todo o planeta. Os modos de vida desses povos, muitos deles sem hierarquias políticas definidas dentro deles, entraram em aberta contradição com o progresso da civilização do Capital, tendo que pagar por ele com sangue. E muito sangue tem sido derramado. Mas esta tarefa genocida foi aprofundada e levada a um paroxismo pelos estados independentes e republicanos. É o Estado chileno, e não a coroa espanhola, que através de seu exército realiza a “Pacificação da Araucania”, massacrando o povo mapuche e integrando-o em seu território, ao custo, é claro, de roubar suas terras e condená-lo à miséria.
É contra este Estado que as lutas das comunidades são dirigidas. O mesmo Estado contra o qual sempre nos erguemos, e neste século, com maior força desde 18 de outubro passado, em todo o território conhecido pelas castas dominantes como Chile. A expulsão dos interesses capitalistas do território mapuche ancestral não será alcançada através das rotas institucionais propostas pelo reformismo progressista. A percepção do isolamento desta luta das outras expressões do movimento proletário “chileno” deve ser dissolvida precisamente pelo reconhecimento como uma e a mesma luta, com todas as suas diferenças e contradições, que realizamos hoje, que devemos alimentar a acumulação de capital com nossas vidas.
Nas multitudinárias manifestações que aconteciam diariamente durante os dias de revolta, havia milhares de “bandeiras Mapuche” (uma bandeira que, aliás, só foi criada nos anos 90 por um grupo particularmente propenso à política institucional). As comunidades Mapuches não tinham uma bandeira nacional como tal, já que o próprio conceito de nação e seu fetichismo simbolizado por uma bandeira são típicos da burguesia moderna, reutilizando o simbolismo das sociedades de classe predecessoras. É agora que esta afirmação de solidariedade deve ser feita carne. Mas não apenas na participação necessária de atividades especificamente solidárias com esta luta, mas fundamentalmente na compreensão e na assunção de um antagonismo aberto e radical com a sociedade capitalista e todas as suas instituições, a fim de colocar de uma vez por todas a própria vida, o respeito por nossa história e nossa diversidade, no centro de nossas prioridades. Para criar uma verdadeira comunidade humana, rica, heterogênea e solidária.
Fonte: https://hacialavida.noblogs.org/contra-la-represion-estatal-y-parapolicial-en-el-wallmapu/
Tradução > Liberto
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Tânia Souza
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!