[Espanha] Aprendizagem em tempos de confinamento, uma perspectiva anarquista

Estes pensamentos que despejamos antes de sua leitura são o resultado de conversas e fugas que a vida cotidiana vem traçando no decorrer do confinamento que sofremos e, embora em graus diferentes, ainda sofremos. É, portanto, que se deve tomá-los desta forma, livres e improvisados como a própria natureza quando ela cresce exuberante e sem limites, mas não sem reflexão.

Pedagogia anarquista

Embora existam diversas abordagens ao longo da história, o discurso libertário enfatiza a capacidade dos indivíduos e comunidades de construir mecanismos de aprendizagem cooperativos, autônomos e transformadores para a sociedade como um todo, e para a classe trabalhadora em particular, sem que os meios e fins sejam dissociados. Nestes momentos de dificuldade e diante de situações futuras que se tornarão semelhantes à atual pandemia da Covid-19, a prática anarquista está retomando sua importância como ator social, substituindo os preceitos do capitalismo selvagem por valores que levam a um presente de equidade e coexistência sustentável.

Experiências de ensino e aprendizagem durante o confinamento

Muitos meios de comunicação têm se concentrado nas dificuldades das famílias com crianças de classes desfavorecidas para atender suas necessidades educacionais escolares enquanto trabalham à distância ou outras atividades. Sem minimizar todos esses detalhes que expressam outra situação de exploração e invasão do espaço familiar pela dinâmica perversa do trabalho, de nossa perspectiva a questão vai muito além: não pode haver aprendizagem significativa e relevante durante uma situação de confinamento porque, a rigor, a aprendizagem é uma experiência total que requer movimento, experimentação, relacionamento com iguais, liberdade para cometer erros e corrigir-se, desligando-se da atenção às instruções e atividades do currículo, e controle rígido da família para a formação de uma consciência autônoma, responsabilidade e maturidade. É necessário indicar aqui um detalhe interessante, as crianças espanholas têm sido aquelas que sofreram um confinamento mais prolongado e rigoroso de todo o Ocidente, com as sequelas que só agora começam a se manifestar em fenômenos como o medo crescente fora do espaço público, considerado como algo hostil e perigoso.

O tratamento institucional

O governo, erigido como o único órgão capaz de proporcionar uma solução eficaz para a crise da pandemia, desfrutou do quadro necessário para espalhar slogans patrióticos e militaristas entre a população às custas de um corpo social encurralado, indefeso e constrangido pelo medo que a violência policial tem demonstrado incessantemente sobre aqueles que, por uma razão ou outra, desobedeceram ao confinamento. A tão aclamada unidade nacional, aquela que mais uma vez exclui da conspiração política o mesmo povo de sempre, o mesmo ninguém, propõe ao descanso privilegiado ser benfeitor do tão querido sentimento de pertencer, retornar ao colo do pai protetor, restaurar a plena confiança que a instituição acreditava ter perdido nos últimos anos em sua forma mais cidadã e infantil: #euficoemcasa. Ninguém nos perguntou qual era a melhor maneira de enfrentar a pandemia ou o que seria uma decisão tão extrema como a paralisia de nossas vidas, fomos simplesmente submetidos ao confinamento, salvando-nos de nossa falta de responsabilidade e maturidade, uma afirmação tão frequentemente pregada nestes meses. É suficiente saber o que aconteceu nos chamados “lugares de morte” ou lares de idosos nos últimos meses para estar ciente do fracasso da gestão do Estado.

Dentro desta leitura, também observamos como os sentimentos e atitudes mais obscenos surgiram de várias formas durante o confinamento diário: os aplausos, que longe de provocar uma reflexão crítica sobre nosso status quo ou sobre a situação herdada de privatização que levou ao colapso da gestão pública, bem como à precarização dos profissionais de saúde, significou a distração necessária para diluir as proclamações mais reacionárias e simplistas em uma celebração branqueada e inócua; o medo e a rejeição das crianças, transformando-as em bodes expiatórios para a propagação do vírus, refugiando-se na natureza incontrolável de seus movimentos e anseios e sendo assim o primeiro setor da população a ser deslocado e encarcerado. Os mais jovens e menores sofreram e ainda sofrem a estigmatização de sua própria natureza que é a espontaneidade e liberdade de expressão, assim como a capacidade de autoconhecimento e empatia, inimigos da “nova normalidade”, das normas futuras do decoro e do bom comportamento cidadão que nos salvará da infecção.

O problema da vida confinada

Um dos efeitos mais devastadores do confinamento para a população infantil e juvenil tem sido a quebra das relações de parentesco necessárias (as referências básicas para a construção de uma personalidade saudável, fora do relacionamento/controle entre mãe e pai). No discurso progressista dominante, fala-se da escola como o espaço de socialização por excelência, ignorando que na realidade o que a população infantil e juvenil exige é o contato com seus amigos, já que a rua como espaço autônomo de socialização desapareceu há muito tempo com o desenvolvimento do urbanismo fascista moderno nas PAU, reforçado pelo discurso geral de individualização neoliberal. Este discurso de medo em relação aos espaços fora de casa e ao contato físico, difundido nos meios de comunicação de massa com a correspondente cenarização autoritária e militarista, inoculou um profundo sentimento de desproteção, com efeitos psicológicos imprevisíveis a médio e longo prazo para a construção da personalidade do sujeito na fase infantil e juvenil.

Nossa aposta é por uma educação da comunidade e para a comunidade

Agora, mais do que nunca, desde o ambiente anarquista, temos que resgatar o discurso e as práticas de uma educação popular da comunidade para a comunidade, onde o ensino-aprendizagem do que é relevante responde às necessidades de cuidado e emancipação da classe trabalhadora, sem distinção de sexo ou idade, e onde o ambiente cultural, físico e ambiental do bairro e do cotidiano fornece o conteúdo mínimo básico para uma experiência educacional significativa. A crise da Covid-19 virou a dinâmica do sistema escolar de cabeça para baixo ao mostrar sua incapacidade institucional de assumir as necessidades da normalidade: não é possível continuar com a dinâmica de um novo confinamento, o da sala de aula. A crise desafia a própria comunidade em muitos aspectos relacionados à parentalidade e ao aprendizado, sobre o porquê, para que finalidade a escola na situação atual. Neste contexto, os espaços públicos ao ar livre tornam-se o novo cenário privilegiado para uma nova sociabilidade e aprendizagem e abrem perspectivas interessantes para a experimentação em pedagogias e projetos críticos.  Em Madrid há experiências que podemos citar como exemplo do que estamos falando: “La Tribu”, “Saltamontes”, “Tartaruga”, por um lado; e dirigidas ao setor infantil; por outro lado, outras experiências como “La Prospe”, e a “Escuela Popular Parla” aberta ao bairro, mostrando o potencial educativo do ambiente social e físico imediato

Afinidade Libertária Parla

Fonte: https://fuenlabrada.cnt.es/wp-content/uploads/2020/06/fuenlabrada-libertaria-6-final.pdf

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

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