O ‘Acordo pela Paz Social e a Nova Constituição’ do Bloco no Poder sob a conjuntura do chamado à Greve Geral no contexto do Levante Popular.
Desde 18 de outubro na região metropolitana e desde 19 de outubro, do passado ano de 2019, no conjunto de regiões ao longo do território dominado pelo Estado do Chile, se gestou um Levante Popular nas ruas a partir do aumento de $30 no transporte do metrô na capital, situação que fez “explodir a panela de pressão” de injustiças, desigualdades, iniquidades, misérias, precarização e abusos que, desde o pós-ditadura se gerou por três décadas no país. Dito marco político, que teve como ponta de lança o estudantado secundário, foi crescendo cada vez mais como avalanche e somando a setores de trabalhadoras/es, habitantes, estudantes, desempregados, marginalizadas/os, mulheres e dissidências sexuais, indígenas e juventude popular; quer dizer, o conjunto da classe que vive do trabalho, entre os quais, claro, o Povo Organizado que vem lutando faz décadas. Este levante foi se ampliando em capacidade de convocatória, massividade nas ruas, combatividade, deliberação política em assembleias autoconvocadas e ampliação por todo o território, conseguindo pôr em questão a ordem social burguesa e a institucionalidade que a sustenta.
É neste contexto que a Mesa de Unidade Social (a CUT, a ANEF, a CONFUSAM, assim como outros setores sindicais e sociais) fazem um chamado à Greve Geral para a quinta-feira, 14 de novembro de 2019, o qual teve uma alta convocatória, conflitividade e combatividade nas ruas, assim como efetividade na hora de paralisar os caminhos aos setores produtivos, de comércio e serviços. Nesse contexto, com uma importante parte do território paralisado, sob toque de recolher e com um governo encurralado e impotente, partidos das Oposições (com uma parte da Frente Ampla) junto aos partidos do Oficialismo e o Governo de Sebastián Piñera convocam a uma reunião de emergência no mesmo dia, conseguindo assinar o ‘Acordo pela Paz Social e a Nova Constituição’ às três da madrugada da quinta-feira, 15 de novembro. Mas que implicações teve este acordo para o movimento popular?
Como Frente Anarquista Organizada [FAO], fazemos a leitura que dita assinatura foi um acordo do Bloco no Poder (governo e grande parte do parlamento) para frear o transbordamento do Movimento Popular ao Estado de Direito, à ordem social burguesa e ao status quo da sociedade capitalista-neoliberal. O acordo pela nova constituição foi uma “válvula de escape” para evacuar a fumaça das barricadas e com isso apagar o incêndio desatado por todo o país; assim como o acordo pela paz, foi um “cheque em branco” para a geração de novas leis repressivas e criminalizadoras do movimento popular e das/os lutadores sociais no Parlamento, uma das instituições burguesas com menos legitimidade social, junto ao Governo de Piñera e as FF.AA (Forças Armadas) e da Ordem. Da mesma forma, o mencionado acordo foi um “salva-vidas” que lançaram grande parte das oposições parlamentares a um governo com uma aprovação próxima a 6%(de longe a mais baixa do pós ditadura) cuja única resposta às demandas populares era (e é) seguir violando os direitos humanos com maior repressão, mortes, mutilações, torturas, feridas, violações e encarceramento.
Mas também é preciso assumir as falhas existentes desde o movimento popular e, em particular, desde o sindical. Nesse sentido, se a CUT e a Mesa de Unidade Social tivessem jogado para ampliar o chamado à Greve Geral de forma indefinida, é provável que em alguns dias mais o movimento popular teria sido capaz de derrubar o Governo empresarial de Piñera e seus séquitos, já que a efervescência e condições sociais da conjuntura o permitiam e exigiam. Isto inclusive poderia ter freado a assinatura do acordo e ter deixado em uma melhor situação a correlação de forças do movimento popular ante o Bloco no Poder e o conjunto do Bloco Dominante. Não obstante, isto não aconteceu e não podemos fazer política ficção ou avançar com anseios e sonhos. O certo é que os setores da casta política – mal chamados de oposição – preferiram jogar por uma saída política por cima, um acordo dentro da institucionalidade burguesa, às costas do povo levantado, arrogando-se a representatividade deste e buscando “separar águas” entre manifestantes pacíficos e violentos. Não resta dúvida de que a história lhes dará a conta.
Com o anterior, da mesma forma é necessário reconhecer que, embora desde 2005 se venha configurando um processo de reconstrução do tecido social, as forças políticas revolucionárias e anticapitalistas não vislumbrávamos um levante popular em um horizonte próximo nem estávamos preparadas para dar-lhe uma saída revolucionária com um programa unitário para nossa classe explorada e oprimida. O que mais se vislumbrava, e ainda se vislumbra nas ruas é uma raiva encarniçada antipolicial, a saída de Sebastián Piñera e em menor medida as demandas históricas pelo estabelecimento de direitos sociais. Ainda que no início a Assembleia Constituinte não era uma demanda central dos protestos, há que reconhecer que esta terminou posicionando-se, em grande parte dos conselhos e assembleias autoconvocadas, nas ruas e inclusive em parte da juventude combativa da denominada “primeira linha”. Nesse sentido, o que se pode tirar a limpo do Plebiscito, da convenção constitucional e do processo constituinte, é que permitiu reunir critérios de discussão e estender a deliberação política das diversas assembleias territoriais, estudantis, sindicais, feministas, socioambientais e indígenas, em torno a superar e mudar a atual Constituição política forjada a sangue, fogo e terror na ditadura e redigida entre quatro paredes a portas fechadas. Finalmente, há que mencionar que o acordo também gerou uma perda de massividade das convocatórias do Levante Popular; auxiliado, em seguida, pela repressão e criminalização com as novas leis como a “antibarricadas”, a “antisaques”, que ao fim e ao cabo eram leis que buscavam criminalizar os mecanismos de luta das/os trabalhadores e do povo levantado.
Plebiscito, Convenção Constitucional e processo constituinte.
Com ditos antecedentes, podemos afirmar que a convenção constitucional é um mecanismo legítimo para que o movimento popular avance no resguardo e conquistas de direitos sociais? Ou é um mecanismo acordado pelo Bloco no Poder que carece de legitimidade ao não levar em conta as assembleias autoconvocadas?
Tal como esboçávamos, nossa leitura é que a convenção constitucional acordada pelo Bloco no Poder, por setores que se arrogaram nossa representatividade, às costas do povo levantado, é um mecanismo que possui legalidade sob a institucionalidade burguesa, mas que carece de legitimidade social. Isto porque se materializará com travas institucionais presentes na atual constituição, como a regra do 2/3 para a aprovação das matérias a tratar, a impossibilidade de encaminhar TLC (tratados de livre comércio), as travas à participação de dirigentes sindicais e sociais como constituintes, a não permissão da participação de jovens menores de idade, entre outras. Mas ainda mais importante, porque não leva em conta as milhares de deliberações realizadas e acordos alcançados por nosso povo nos conselhos e assembleias autoconvocadas ao longo do território. Somos claros em propor que qualquer tentativa de levantar uma assembleia constituinte popular, soberana, livre, autoconvocada ou o epíteto que se queira colocar, deve ser uma necessidade que nasça no seio do movimento popular, em suas organizações próprias de classe, desde suas bases nos diversos territórios, reconhecendo os mecanismos de democracia direta que o povo gestou em suas deliberações, como são as assembleias com capacidade de consenso e/ou voto de mãos levantadas. Contudo, é necessário destacar que diferente dos processos eleitorais regulares da democracia representativa e burguesa que nos tutela, este processo constituinte, ainda sendo um acordo por cima do Bloco no Poder, é algo ao qual se viram obrigados a ceder, produto da pressão social e do transbordamento institucional que palpitava nas ruas do país, para evitar que derrubássemos o Governo de Piñera, que era a demanda central antes do 15N. E levando em conta o anterior, não é pouco que abrissem a porta a um processo que em mais de 200 anos de existência da república e do Estado do Chile nunca havia ocorrido. Finalmente, há que destacar que será o conjunto do povo organizado e levantado o que dará ou não legitimidade ao que resulte do processo ao calor das lutas e deliberações políticas que se forjem.
As tarefas desde o Anarquismo classista organizado.
Nesse sentido, entendemos que nosso papel como organização política e em geral como anarquistas organizadas/os não está em fazermos parte do Plebiscito, Convenção Constitucional e processo constituinte chamando a votar aprovação da convenção constitucional nem muito menos chamar a votar rechaço junto aos setores políticos ultradireitistas e conservadores do bloco dominante e da sociedade. Mas entendemos que como anarquistas não podemos ficar alheias/os aos processos sociais que nos envolvem como classe trabalhadora, e entendemos que nossa contribuição deve estar posicionada em torno a retomar o Levante Popular aos poucos dentro do contexto de pandemia que o país e o mundo vive; retomar as ruas e as assembleias sindicais, estudantis, territoriais, antipatriarcais e socioambientais, entre outras, que voltam a forjar agora que grande parte do país superou a etapa de confinamento em quarentena; estar agitando nas barricadas de autodefesa contra a forte repressão que vem para manter a massividade nas ruas de nosso povo manifestando-se; em não ceder nem um metro as ruas aos setores neofascistas agrupados em torno ao Rechaço, já que como movimento popular não podemos tolerar a intolerância do negacionismo pinochetista e ditatorial que calou profundo na burguesia e por que não dizê-lo, em setores da nossa mesma classe.
Nossa tarefa será estarmos alertas, em refletirmos em conjunto nas assembleias auto convocadas de deliberação popular sobre os alcances do processo constituinte para nossa gente, em seguir construindo nos espaços sociais onde temos presença na cotidianidade, em manter vivas as chamas das barricadas porque é ao calor da luta que temos nos reconhecido como iguais, como parte de um mesmo povo, de uma mesma classe que vive do trabalho.
Entendemos que há setores de nossa classe que depositaram sua confiança no Plebiscito, Convenção Constitucional e no processo constituinte, o qual, a nossos olhos, não os faz nem inimigos de classe nem tampouco traidoras/es. O importante, é apontar ao mesmo inimigo de classe – aos setores que querem manter tudo tal qual está – desde as assembleias e protesto popular nas ruas, tanto quem não faz parte do processo constituinte e quem sim faz parte.
Avançar em um programa comum para nossa classe, desde os setores sociais e políticos revolucionários que estabeleça a saída de Piñera e seu governo, a superação do neoliberalismo e a conquista de direitos sociais que nos foram arrebatados a sangue, fogo e terror na ditadura por parte da classe dominante, em unidade, desde as bases do mundo social; e assim, superar o atual período político aberto em 1973 com o golpe de estado cívico-militar contra a classe trabalhadora e o povo organizado.
Frente Anarquista Organizada [FAO]
Outubro, primavera de 2020.
PARA DERRUBAR O NEOLIBERALISMO E GARANTIR DIREITOS SOCIAIS
SEGUIR FIRMES NAS ASSEMBLEIAS, BARRICADAS E RUAS!
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
a luz do poente
escala a alta montanha;
no cume será a noite.
Alaor Chaves
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!