[Eslovênia] Iniciativa Anarquista Ljubljana: Isso é apenas o começo

Isso é apenas o começo

Meio ano após o primeiro choque autoritário, interrompido em certa medida pela resistência em massa auto-organizada do povo, o governo vê o ressurgimento da epidemia como uma oportunidade para tentar novamente o mesmo projeto. Embora ele tivesse todas as alavancas do poder em suas mãos por seis meses, ele não ampliou as capacidades médicas durante o intervalo epidemiológico entre as ondas, preferindo tomar sol enquanto voava em aeronaves militares e assumia as principais alavancas de poder. Em vez de destinar o dinheiro público para a proteção de longo prazo dos mais vulneráveis durante uma crise social em evolução, ele está sendo destinado a grandes negócios de armas. Em vez de permitir que as pessoas se organizem e atuem politicamente de forma livres, ele assedia, pune, ataca e intimida elas. Em vez de proteger os mais vulneráveis entre nós, incluindo os imigrantes, os sem-teto e os pobres, ele aprisiona as pessoas em acampamentos, caça-os como animais, persegue-os nas ruas das cidades e exclui eles do sistema de justiça. Tudo isso demonstra claramente que mesmo nas condições de uma epidemia, a coisa mais importante para o governo é manter e consolidar o seu próprio poder. Em vez de dar sua contribuição para conduzir a epidemia como uma sociedade com novos laços de cuidado, com solidariedade e comunhão, muitas vezes ele ativamente impede isso. Em vez de treinar e pagar bem novos trabalhadores da saúde, ele está expandindo seus poderes de polícia e pretende dar-los a pessoas que ontem eram apenas guardas ou soldados da cidade. Portanto ninguém deve estar surpresos que os números estão crescendo exponencialmente: o número de pessoas com necessidade de cuidados médicos, o número de mortes, o número de pessoas deixadas sem cuidados médicos emergenciais e regulares, o número de pessoas que têm perdido seus empregos, o número de pessoas que ficaram desabrigadas, o número de pessoas sancionadas por pobreza ou atividade política.


Como sociedade, nós respondemos com responsabilidade e com preocupação uns com os outros na primeira onda e limitamos as consequências da epidemia o máximo possível. Como sociedade, nós estamos agora nos acostumando com o fato dessa doença estar entre nós, a aceitamos e lutamos novamente para limitar suas consequências tanto quanto for possível. Mas nossas mãos estão frequentemente atadas, já que nós simplesmente temos que ir trabalhar nas fábricas, bares, armazéns, mercados, escolas, lojas, e muitas outras instituições e negócios se queremos ganhar a vida. Mas há um lugar, que eles pensam que nós não devemos ir: um protesto contra suas políticas autoritárias. O mesmo trabalhador, que foi a um armazém fechado e mal ventilado todos os dias para manter seu emprego mal remunerado, não tem permissão para tomar ar fresco na sexta-feira a noite para protestar. A mesma trabalhadora que tem que ir trabalhar em um hipermercado todos os dias, onde está em contato com centenas de clientes, não tem permissão para protestar com membros de sua família na noite de sexta-feira, mesmo se ela vestir a mesma máscara do trabalho, mesmo que ela fique longe das pessoas como no trabalho.

É claro que o abuso policial não tem nada a ver com cuidar de sua saúde, mas apenas com o medo das autoridades de uma ação política que não esteja sob seu controle. O fato de que as pessoas devem se unir por causa do trabalho, e ao mesmo tempo não se unir por causa de uma política perigosa do governo, confirma que a primeira lealdade deste governo também se aplica ao capital.

O abuso de poder compreensivelmente e justificadamente gera a resistência, que, enquanto permanecer uma expressão autêntica da rejeição da ditadura autoritária, pode colocar em risco até mesmo os planos do grupo mais agressivo e ganancioso no poder. Este último precisa, portanto, de uma cortina de fumaça para realizar seu projeto de aquisição de empresa, atrás da qual possa esconder seus reais interesses e movimentos. Essa cortina é tecida com medo, ansiedade, ódio, informações inverificáveis, medidas contraditórias, uma clara discrepância entre objetivos e métodos. No momento de uma epidemia, isso também significa destruir a possibilidade para uma discussão razoável dos níveis de ambas as ameaças e proteção contra o vírus. Para que a cortina seja o mais espessa possível, ela precisa tanto da mídia subordinada quanto da mídia que é a sua própria imagem no espelho e subordinada à oposição parlamentar. Suspeita, percepção, medo e insegurança universais individualizam as pessoas, separam-nas umas das outras, e impedem a possibilidade de reflexão e engajamento compartilhados. Alienadas umas das outras, as pessoas são presas fáceis para charlatães com suas manipulações, notícias falsas, trombetas da mídia de propaganda de sucesso, propaganda hostil e teorias da conspiração das mãos das pessoas que se entregam ao folclore patriótico, desprezam a ciência, e em uma simbiose com o governo, conduzem agressivamente seus evangelhos governamentais.

A resistência a um Estado autoritário e à pobreza é a expressão mais básica da humanidade. A onda de protestos que tem acontecido na Eslovênia há meses é completamente compreensível e justificada. Nesse momento, a responsabilidade por si e pelos outros significa não apenas o uso frequentemente de máscara e a desinfecção das mãos, mas também a rejeição do regime da covardia. O motivo da resposta agressiva das autoridades aos protestos na primavera e agora não está no medo da propagação da epidemia, mas no desejo do governo de manter o status quo social, um sistema de capitalismo global que produz miséria, conflito, guerra e pobreza em todos os lugares. Se as elites querem manter seu poder sobre o povo, elas devem buscar uma política cada vez mais autoritária em todos os lugares, e aqui a Eslovênia e seu grande líder local não tem nada de especial. Processos semelhantes progrediram muito mais em países muito maiores e mais importantes para o capitalismo, como Estados Unidos, Brasil, França, assim como no Chile, Rússia, Grécia, Belarus, Hungria e muitos outros.

A luta das pessoas ao redor do mundo para que sejam respeitadas suas necessidades e dignidade mais básicas também incentiva muitos oportunistas que querem construir suas carreiras políticas confortáveis sobre os ombros daqueles que mais arriscam. Aqui também, a oposição parlamentar está tentando usar o movimento de protesto para voltar ao poder, do qual ela sente tanta falta. Mas ninguém deve ter ilusões: Apesar dela poder ter uma face mais bela para alguns, a orientação fundamental do novo governo também irá significar a continuidade do governo atual. Pode-se esperar que continue com o regime de militarização e fechamento, a destruição acelerada da natureza e do meio ambiente, a redução de acesso ao sistema de saúde, e a subordinação aos centros de poder do capital.

Como parte dos oprimidos, perseguidos, apagados e explorados ao redor do mundo, não temos ilusões. A epidemia do coronavírus vai continuar por mais algum tempo. Com ou sem ela, o ataque a natureza, ao meio ambiente e ao povo vai continuar por mais algum tempo. Com ou sem ela, o ataque aos direitos dos trabalhadores e dos socialmente desfavorecidos vai continuar por mais algum tempo. Com ou sem ela, os regimes racistas de fronteira, as guerras e o lucro da guerra vão continuar por mais algum tempo. E ainda, apesar de tudo, nós devemos preservar nossa dignidade, preservar nossa voz e com ela a oportunidade de construir uma alternativa para esse sistema de destruição e morte. Não podemos construir o futuro por conta própria, presos em fronteiras de estados arbitrariamente delineadas, carregados de bagagem de identidade e transferindo, através das eleições, a responsabilidade e autoridade de nossas vidas para este ou aquele representante daquilo que nos destrói. Para nós, um futuro pelo qual vale a pena lutar é um futuro multifacetado, que não conhece fronteiras, patriarcado e exploração. Há um lugar nele para todos, exceto para aqueles que querem impor suas visões destrutivas e monolíticas sobre os outros.

Nenhum governo e nenhuma polícia tem o direito de determinar a maneira que seremos ouvidos. Qualquer governo, no entanto, que tome esse direito e o imponha com violência é uma ditadura. E isso quer sejamos uma sociedade no meio de uma guerra, uma pandemia, um desastre natural ou outra emergência. E a resistência a qualquer ditadura é justificada.

Estaremos aqui, mesmo quando as figuras políticas atuais já tiverem partido há muito tempo. Portanto, sejamos prudentes, determinados e compreensíveis mesmo nos tempos turbulentos em que a história nos colocou. Muitas pessoas não irão ao próximo protesto porque os dados sobre a propagação da epidemia são preocupantes. Outras não irão comparecer porque eles não podem pagar multas ou outras formas de intimidação policial. A terceira parte vai aos protestos com preocupações sobre se isso é o certo a se fazer ou não. Muitos irão ao protesto apesar de suas preocupações precisamente porque o governo está pedindo para que eles não compareçam.

Todas essas diferentes decisões precisam ser entendidas e tomadas. O que quer que se escolha como indivíduo, como grupo ou coletivo. Não existe apenas uma forma determinada de se comportar com responsabilidade. Qualquer um que vá ao protesto deve tomar cuidado tanto com a proteção contra o vírus quanto com a polícia. Tanto para eles próprios quanto para os outros. Ele deve assumir a responsabilidade pelo seu comportamento, não transferi-la para os supostos líderes ou organizadores, não importa o quão alto eles falem. Quem não for ao protesto deve encontrar outras formas de apoiar os esforços urgentes e legítimos para conter essa onda autoritária Mesmo sozinho ou em um grupo pequeno. Em sua comunidade, vila, em qualquer outro lugar que não seja na internet. Isso não acabará tão rápido, e teremos que aprender a ser tão evasivos quanto a água e tão repulsivos quanto um espinho na quinta potência. Não vamos esperar, vamos começar agora! Graffiti, cartazes, adesivos, agitação no trabalho e em casa, grupos solidários contra a repressão, apoio financeiro e psicológico, visitas aos idosos, greve e sabotagem. Cada ação desse tipo de rebelião é um passo para a preservação da humanidade, do amor, da paixão, da camaradagem, e é a melhor garantia para conter os agentes da separação e da morte.

Nos próximos dias e meses, a solidariedade será a palavra central. Com os doentes, com os despedidos, com os desabrigados, com os alvos da repressão, com os prisioneiros. Não vamos aceitar a repressão, o silêncio, o toque de recolher e outras medidas autocráticas sob o pretexto de serem medidas urgentes para controlar a epidemia, que apenas consolidam o poder do capital e aumentam o controle sobre o povo. Sejamos também inventivos para encontrar maneiras de estarmos juntos em tempos que somos entregues ao individualismo. Qualquer governo autoritário odeia ao máximo a iniciativa coletiva autônoma e livre, o que incomoda seus representantes. Se um punhado de nós resistir um dia por semana, seremos chatos, mas administráveis. No entanto, se nossa desobediência encontrar diversas maneiras de ocupar as ruas, de se organizar nos locais de trabalho, nas escolas, e atrás dos muros das instituições, então isso pode criar uma força social que as autoridades não poderão ignorar por muito tempo. Se isso aparecer uma vez durante o dia e se inflamar uma segunda vez à noite, se mudar sua aparência, face e forma, nem mesmo forças armadas darão as caras.

Nós não pretendemos desistir de nosso futuro!
Vamos cuidar uns dos outros, na rua, no trabalho e em casa!
Que o fim da epidemia seja o prenúncio de uma nova sociedade!
Vamos nos encontrar!

Anarchist Initiative Ljubljana (Iniciativa Anarquista Ljubljana)

15 de Outubro de 2020

Fonte: http://komunal.org/teksti/592-to-je-sele-zacetek

Tradução > Brulego

agência de notícias anarquistas-ana

pássaro pousado
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Millôr Fernandes