[Espanha] Por quê defender, de novo, a Filosofia nas aulas?

Faz dias por iniciativa do grupo CNT Irakaskuntza difundimos, depois de um debate interno, o comunicado da REF (Rede Espanhola de Filosofia) ante a eliminação da Ética e da História da Filosofia nas aulas (comunicado que pode ser consultado em sua página web). Sirva este texto para justificar esse apoio ou ao menos, o que não é pouco, para deixar por aqui uma reflexão sobre o tema.

Voltando à pergunta do título, por quê desde um sindicato anarcossindicalista como é a CNT defendemos a Filosofia e a Ética? Em quê contribui concretamente para a nossa luta diária no sindicato a defesa de uma matéria? Por que, insisto, tem tanta importância para nós a Filosofia? Talvez desde uma organização que se propõe a uma transformação radical da sociedade poderíamos ser mais corajosos e ousados, alguém poderia pensar, propondo grandes mudanças revolucionárias na forma em que é proposta a educação, pondo em questão seus objetivos reais, metodologias, etc. Poderíamos, sim, e é, de fato, algo sobre o qual debatemos geralmente no grupo, mas nesta ocasião escolhemos nos posicionar a favor de algo muito mais humilde, de um pequeno objetivo que cremos importante: defender que a Ética e a Filosofia tenham o lugar que tinham antes da Lei Wert.

Desde a CNT Irakaskuntza decidimos defender a Filosofia precisamente porque nessas aulas se abre um espaço para a reflexão, para a dúvida, para o diálogo fundamentado e o pensamento crítico. “Sempre que ensines, mostra ao mesmo tempo a duvidar do que ensinas”, como diria Ortega e Gasset (para deixar falar a um dos autores tratados nas aulas do Bacharelado). Pois bem, o quê melhor que as matérias de Filosofia para seguir o conselho de Ortega? É possível, acaso, ensinar Filosofia sem ensinar a refletir sobre ela mesma, sem que a Filosofia se converta, um pouco, em um mais humilde filosofar? Temos a sorte (nem tudo está perdido!) de contar com professorado e pessoal educativo empenhados na educação e que, entendendo que o pensamento crítico e a dúvida são condições fundamentais de todo conhecimento, tratam dia a dia de lavrar esse espírito em suas aulas. Ademais, complementam isso com tudo o que tem suas matérias de enriquecedor e com tudo o que nos oferecem desde seus diferentes âmbitos. E, no entanto, creio que é totalmente necessário defender o que a Filosofia oferece especificamente.

Brevemente, nas aulas de Filosofia a dúvida e a reflexão não são só algo que pode se fomentar por parte de alguns professores comprometidos com isso, mas que faz parte da própria disciplina que se ensina! Duvidar sobre o ensinado não depende do bom trabalho do professor ou professora, é, também, parte indispensável e iniludível da Filosofia. Os próprios conteúdos fazem duvidar deles mesmos, a razão se volta contra si mesma e a crítica se torna autocrítica, pois, como ensinar, por exemplo, os argumentos contra a democracia que elabora Platão e ao mesmo tempo crer na defesa desta que fazem os sofistas? São os próprios conteúdos, independentemente do mensageiro de turno, os que entram em contradição entre eles, o que implica, de fato, um posicionamento crítico. Por muito que nos empenhemos em defender um autor ou corrente filosófica concreta, nada nos impede ver todo um universo de diferentes perspectivas filosóficas que se apresentaram durante a história e que seguem apresentando-se e prestando-se a discussão. Será trabalho do alunado, portanto, tirar suas próprias conclusões.

Enfim, a ninguém escapa a estas alturas que, assim como no resto dos setores, vamos para um modelo que prioriza a economia e a rentabilidade, deixando de lado o cuidado da vida e de outros aspectos que nos oferecem algo como seres humanos. As políticas atuais nos fazem avançar para um paradigma no qual a educação é reduzida a seu trabalho como reprodutora de força de trabalho. Ensinamos coisas, para que a juventude se adapte ao mercado laboral. E sejamos honestos, a Filosofia, segundo este modelo, não produz nada. A racionalidade capitalista se impõe e tudo o que escapa a sua lógica é visto como desnecessário, um luxo supérfluo que não serve para nada. Assim, o ser humano fica diminuído, empobrecido e reduzido a sua função de trabalhador e consumidor. Só aquilo que serve a este duplo fim de produzir e consumir é visto positivamente, só aquilo é digno de ser desenvolvido, trabalhado e ensinado.

Frente a este cenário, temos que estabelecer prioridades. Não acreditemos em seu dogma unilateral, defendamos tudo aquilo que cremos bom e necessário para uma vida digna e feliz e uma sociedade desejável, ainda que não seja compatível com a “necessidade” de que a roda da economia capitalista siga girando. E, precisamente, não é a Filosofia algo que deveríamos defender por seu valor para o ser humano? Alguém é capaz, acaso, de imaginar uma sociedade na qual queria viver e na qual não existisse o pensamento filosófico e crítico? Pois não nos enganemos, não crer no discurso hegemônico e declarar-nos “antissistema” não é prova nenhuma de nosso espírito crítico, como mostra o variado e extravagante leque de grandes Verdades às quais nossa sociedade se aferra nos últimos tempos, desde o terraplanismo até insanidades sobre a pandemia que não vou comentar aqui. Nosso status quo perde credibilidade, se quebram os valores aos quais nos aferrávamos (“o sagrado é profanado”, como escreveu Marx e, na linha deste, Bauman) e em vez de aproveitar a ocasião para tomar perspectiva, nos lançamos o mais rápido possível nos braços de novas Verdades e respostas (não é este o contexto que aproveitou a extrema direita para pôr sobre a mesa algumas simples soluções e um ou outro bode expiatório?). É por isto que devemos defender a Filosofia desde a CNT Irakaskuntza e desde onde possamos, pois –ainda admitindo que seja custoso – temos que nos acostumar a viver na dúvida, na crítica e na análise, na argumentação e na busca da verdade, e não instalados na Verdade absoluta. Demasiado dano fizeram as análises simples e as ortodoxias…

Definitivamente, a luta é a de sempre, a que tantos companheiros estão levando a cabo na CNT e em outros muitos coletivos: a defesa da vida frente a imposição totalitária da economia. Esta vez será a Filosofia a que sucumbirá frente a lógica capitalista, mas que surpresas trará a próxima reforma educativa? Qual será o próximo a cair? Defendamos desta vez que o pensamento crítico tenha seu lugar nas aulas, façamos um espaço, em nosso sindicato e em nossas escolas para a Filosofia.

Fonte: http://www.cnt-sindikatua.org/es/noticias/por-que-defender-de-nuevo-la-filosofia-en-las-aulas

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

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Alaor Chaves