Dean Spade escolhe cinco livros que exploram como os projetos de apoio mútuo têm feito parte de todos os movimentos sociais poderosos.
O novo livro de Dean Spade Apoio Mútuo: Construindo Solidariedade Durante esta Crise (e na Próxima) oferece uma compreensão teórica do apoio mútuo e ferramentas práticas para sustentar esta prática crucial. Spade define apoio mútuo como “coordenação coletiva para atender às necessidades de uns e dos outros, geralmente a partir de uma consciência de que os sistemas que temos em vigor não vão atendê-las. Esses sistemas, na verdade, muitas vezes criaram a própria crise”. Spade explora como os projetos de apoio mútuo têm feito parte de todos os movimentos sociais poderosos, citando exemplos como o Boicote aos Ônibus em Montgomery na década de 1950, os programas de sobrevivência do Partido dos Panteras Negras, que forneciam pequenos almoços e clínicas médicas gratuitas nas décadas de 1960 e 70, e a partilha de recursos e habilidades que surgiu nos acampamentos Occupy a partir de 2011. No momento contemporâneo de aumento do fosso de riqueza, uma pandemia global, aumento de tempestades, incêndios e outras crises resultantes das mudanças climáticas, bem como uma miríade de outras desigualdades sociais, Spade demonstra como e porquê o apoio mútuo é essencial para atender às necessidades das pessoas e construir grandes movimentos transformadores que cheguem às raízes das causas destas crises.
Aqui, Spade seleciona cinco livros que moldaram o seu pensamento sobre o apoio mútuo.
Harsha Walia, Undoing Border Imperialism (AK Press 2013)
Walia é uma ativista brilhante e acadêmica independente, cujo livro se baseia nos seus muitos anos de trabalho pela justiça para migrantes, inclusive na organização No One Is Illegal, que possui seções autônomas em todo o Canadá. Este livro fornece um importante relato teórico do imperialismo de fronteira como um processo de construção do estado que inclui tanto a destituição de pessoas das suas terras quanto a criminalização e racialização das e dos trabalhadores migrantes para justificar a mercantilização do seu trabalho. Desta forma, o livro orienta os leitores a pensar sobre o que às vezes é entendido de forma restrita como “política de imigração” no contexto do colonialismo e do capitalismo global. Walia também dá relatos detalhados do trabalho de No One Is Illegal (NOII), incluindo a explicação de como o trabalho de abolição das fronteiras da NOII está vinculado ao trabalho de apoio mútuo, que inclui “redigir propostas legais, coordenar delegações de grupos a escritórios de imigração, fornecer cuidados infantis, mobilizando apoio judiciário, arrecadando fundos, realizando conferências de imprensa, realizando recados, organizando ações públicas e oferecendo apoio emocional.” (102) Ela descreve como o trabalho de apoio mútuo da NOII se esforça para operar como “solidariedade e não caridade” (103), “respondendo às realidades vividas” (102) dos migrantes e construindo poder e impulso por meio de campanhas de defesa de pessoas e grupos específicos contra a deportação. Quando volto a ler este livro, coisa que faço com frequência, gosto de ver vídeo de 2.000 pessoas a assumir o Terminal Internacional do Aeroporto de Vancouver para impedir a deportação de Laibar Singh, em dezembro de 2007. Lembra-me o que pode ser possível com poder suficiente das pessoas e como o apoio mútuo é uma forma de construir esse poder.
Alondra Nelson, Corpo e Alma: A Luta dos Black Panthers Contra a Discriminação Médica (Minnesota of University Press, 2011)
Os programas de “servir o povo” do Black Panther Party (BPP) são o exemplo mais famoso de apoio mútuo nos movimentos dos Estados Unidos. O livro de Nelson fornece um rico relato dos programas de saúde do BPP. Ela demonstra como estes programas cresceram a partir do estudo do trabalho de Frantz Fanon, Che Guevara e Mao Zedong, como esses programas se relacionavam com as crenças do BPP sobre autodefesa armada, como eram vigiados e criminalizados pela polícia e pelo FBI, como eles interagiram com profissionais médicos e procuraram desprofissionalizar a medicina, e como o Partido lutou com questões sobre se aceitava ou não financiamento do governo para estes programas. O Corpo e Alma também fornece informações sobre as operações diárias dos programas de “servir o povo” e como eles se relacionavam com a estrutura hierárquica do Partido. Este livro expõe as questões complexas que o BPP enfrentou e que ainda enfrentam as pessoas que fazem apoio mútuo hoje, enquanto experimentam maneiras de construir autonomia e bem-estar num contexto brutal de violência e desigualdade. Nelson faz um excelente trabalho deixando o leitor entrar nos debates e dilemas que os líderes do partido enfrentaram ao praticar e teorizar o apoio mútuo.
The Young Lords: A Reader ed. Darrell Enck-Wanzer (NYU Press, 2010)
Eu aprendi sobre os Young Lords através do maravilhoso documentário de Iris Morales, !Palante, Siempre Palante!. Quando o Projeto de Lei de Sylvia Rivera estava a começar, todo o nosso coletivo assistiu àquele filme em conjunto para aprender mais sobre Sylvia, que fazia parte dos Young Lords, e ficamos profundamente inspirados e inspiradas por como o filme teorizou a conexão entre servir diretamente o povo e combater as lutas de raiz contra o racismo, colonialismo e capitalismo. O Young Lords Reader acrescenta ainda mais profundidade a este relato, fornecendo os escritos do jornal Young Lords, Palante, bem como discursos e imagens dos seus trabalhos. Todos os materiais neste livro foram elaborados para atingir um público de colegas dos autores – principalmente jovens porto-riquenhos e pessoas em movimentos aliados e conectados pela justiça racial e descolonização e contra a guerra e o patriarcado. A escrita está cheia da urgência e energia da época e descreve os fundamentos teóricos e trabalho prático dos Young Lords, incluindo intervenções de apoio mútuo ousadas, como o sequestro de 1970 da unidade móvel de raios-x da cidade e a tomada do Hospital Lincoln. O livro também inclui discussões que estavam em andamento nos Young Lords sobre sexismo e racismo anti-negro na comunidade porto-riquenha. Mostra como os Young Lords se engajaram na educação política dentro da organização e dos seus constituintes para construir maior solidariedade. Como o Corpo e Alma, também fornece um relato útil da estrutura interna dos Young Lords que nos pode ajudar a entender porquê muitas organizações de esquerda mudaram para estruturas horizontais e coletivas a partir da década de 1970, cientes de como as estruturas hierárquicas fizeram os Panthers e os Young Lords vulneráveis à infiltração do governo e dificultam a abordagem da dinâmica do poder interno.
A Revolução Não Será Financiada: Além do Complexo Industrial Sem Fins Lucrativos ed. INCITE! (South End Press, 2009, republicado pela Duke University Press, 2017)
Quando o Projeto de Lei Sylvia Rivera começou em 2002, nós propusemo-nos a construir uma estrutura coletiva baseada em abordagens feministas de mulheres racializadas. Rejeitamos o modelo hierárquico da maioria das organizações de serviços jurídicos com advogados brancos dominando a liderança e serviços despolitizados desconectados dos movimentos populares. Ficamos entusiasmadas em enviar um membro coletivo para o INCITE! de 2004. Conferência que também foi intitulada A Revolução Não Será Financiada (RWNBF), porque estávamos ansiosas para aprender com outras pessoas que também estavam a tentar fazer o trabalho de linha de frente e rejeitaram o modelo corporativo em uso pela maioria das organizações sem fins lucrativos. Assim que ficaram disponíveis, encomendei as gravações de áudio da conferência em CD e ouvi com avidez, e li e reli o livro que surgiu em 2009 desde a sua publicação. RWNBF é uma antologia que apresenta principalmente ativistas populares refletindo sobre como o setor sem fins lucrativos se desenvolveu para conter e controlar o trabalho do movimento social, como movimentos específicos (especialmente o movimento feminista anti-violência) se tornaram mais conservadores por causa disso e como várias organizações estão a resistir a essas dinâmicas. Para mim, deu um nome ao que vi em como as lutas de libertação homossexual se conservaram após a década de 1970, com organizações sem fins lucrativos lideradas por brancos e patrocinadas por corporações emergentes que passaram a concentrar-se no casamento, no serviço militar e em proteções legais vazias, em vez de na violência policial, na pobreza homossexual e trans e no antimilitarismo. Também me ajudou a entender porquê as organizações de serviços jurídicos contra a pobreza não pareciam construídas para erradicar a pobreza, mas, em vez disso, ser uma extensão dos vários sistemas que gerenciam e controlam os pobres. É uma coleção notável, repleta de pequenos ensaios, que será atraente para qualquer pessoa que esteja a tentar descobrir como as mudanças transformadoras acontecem e porque é que os movimentos sociais mudaram tanto entre os anos 70 e 2000.
A Anarquia Funciona: Exemplos de ideias anarquistas na prática, por Peter Gelderloos (2014)
Na verdade, não li este livro até 2019, mas as ideias de Peter Gelderloos têm me influenciado desde que li pela primeira vez Como a Não-Violência Protege o Estado em 2008. Toda a escrita de Gelderloos é profundamente pesquisada e cheia de exemplos práticos e tangíveis que a tornam maravilhosa para grupos de leitura e salas de aula comunitárias. A Anarquia Funciona aborda as difíceis questões sobre como pode ser um mundo baseado no apoio mútuo, ao invés da violência do estado. Como as decisões seriam tomadas e aplicadas? Porque é que as pessoas trabalhariam se não fosse por salários? Como as pessoas terão atendimento médico e quem cuidará dos idosos e das pessoas com deficiência? O que impedirá as pessoas de destruir o meio ambiente? Como as reparações por danos passados serão resolvidas? E se algumas pessoas estiverem a praticar essas ideais mas o seu vizinho autoritário quiser assumir? Como tal sociedade se defenderia? Espero que o meu livro sobre apoio mútuo levante estas questões para as e os leitores e recomendo Gelderloos como uma fonte de respostas fascinantes e, a meu ver, confiáveis. A Anarquia Funciona fornece exemplos concretos de lutas contra o capitalismo, contra a escravidão, contra a supremacia branca, contra o colonialismo e contra o patriarcado em todo o mundo do que pode significar viver mais livremente do que podemos atualmente imaginar.
Eu lecionei um curso de apoio mútuo em 2019 na Universidade de Chicago para o qual desenvolvi perguntas de leitura e exercícios de ensino relacionados com estes livros e outros. Eles podem ser úteis para as pessoas que usam o guia de ensino que fiz para o Apoio Mútuo em grupos de leitura ou salas de aula.
Fonte: https://www.versobooks.com/lists/4876-5-book-plan-mutual-aid
Tradução > Ananás
agência de notícias anarquistas-ana
árvore morta
no galho seco
uma orquídea
Alexandre Brito
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!