Nutriram as filas do chamado Batalhão Lincoln, integrado por 2.800 estadunidenses. Apenas superavam a centena e lutavam na Espanha por alguns direitos civis e uma justiça social que lhes recusavam em seu próprio país.
Por Juan Losa | 30/03/2021
Apenas alcançavam a centena. Sua presença naquela Espanha que, agora, boceja e bate, como disse o poeta, resultava um pouco menos que exótica. Abasteciam as fileiras do chamado Batalhão Lincoln, integrado por 2.800 estadunidenses. Um viveiro de antifascistas vindos de uma jovem nação que contava entre suas fileiras com ao menos uma centena de afroamericanos. O triste paradoxo é que lutavam na Espanha por alguns direitos civis e uma justiça social que lhes recusavam em seu próprio país.
A história destes milicianos negros [e da única mulher negra no Batalhão Lincoln, Salaria Kea¹] é a história de um esquecimento. Também de um compromisso inquebrável com a liberdade, conscientes de que derrotar o fascismo seria a primeira de muitas outras batalhas pendentes. A disputa espanhola foi, nesse sentido, a primeira parte de uma mesma revolução que décadas mais tarde, nos anos de 1960, alcançaria seus momentos culminantes nos EUA com o movimento pelos direitos civis.
A literatura, os quadrinhos e os documentários revisitam a jornada destes brigadistas negros que uniram suas forças junto a outros 50.000 voluntários chegados de 54 países. Um desembarque vindo de terras remotas com o objetivo de frear o avanço fascista encarnado pelos golpistas de Franco e seus aliados; a Itália de Mussolini e a Alemanha de Hitler. Não cabia meio termo, as frentes estavam nítidas e era necessário tomar partido.
“Para eles, é uma única luta que vem da escravidão e que segue até nossos dias, como bem sabemos e vemos nas notícias. Naquele momento, quando estoura a Guerra Civil, os afroamericanos, em especial de Chicago e Nova York, entenderam que lutar na Espanha era um modo de combater o racismo que havia em seu próprio país”, explica Alfonso Domingo, responsável junto a Jordi Torrent pelo documentário Heróis Invisíveis, filme que contribui a recompor um relato esquecido.
Heróis Invisíveis nos fala daqueles voluntários vindos de muito longe para lutar pela liberdade e escrever a história de uma aliança legendária, que uniu às pessoas excluídas de um mundo ainda não globalizado, mas que já gerava injustiças e servidões. O documentário conta com um protagonista de exceção, James Yates, quem ao final de sua vida escreveu um livro, De Mississipi a Madri (La Oficina e BAAM), no qual relata as peripécias de um afroamericano nascido no sul dos Estados Unidos que emigra para o norte de seu país, e que mais tarde recairá como voluntário na Espanha.
Aquele livro, que encontrou em Nova York a fotógrafa e escritora Mireia Sentís, fundadora da Biblioteca Afro Americana Madri (BAAM), foi a origem e a inspiração de Heróis Invisíveis. Sentís, Domingo e Torrent se encontraram com frases como esta: “Pela primeira vez na Espanha, como homem negro me senti livre”. Uma confissão, a cargo do próprio Yates, que diz muito da importância que teve a disputa espanhola em sua vida.
“Ele estava lutando por que queria – Aponta Domingo – e o fazia junto à pessoas a quem chamava camarada e junto a um povo irmão, podia comer em qualquer lugar, entrar onde queria, tinha um tratamento de igualdade, algo que ele não tinha vivido nos Estados Unidos e que conseguiu viver na Espanha pela primeira vez durante a Guerra. Mas quando regressou a seu país, o inferno continuava ali…”. Não foi em vão, e assim como lembrou Domingo, Yates sofreu em primeira mão o racismo nos EUA assim que voltou.
“Rir para não chorar”
Outra figura chave junto a Yates é a do poeta, narrador, dramaturgo e correspondente de guerra estadunidense Langston Hughes (1902-1967), cujas crônicas e impressões de sua passagem pela Espanha permitem conhecer em primeira mão a vida daquelas pessoas nas frentes republicanas. Escritos que se demarcam na capacidade da comunidade afroamericana de sublimar sua dor através da música.
“Os horrores das trincheiras, a miséria e a dor de uma sociedade esfarrapada, ao mesmo tempo e que cenas da vida cotidiana, não isentas de humor, em que suas personagens eram capazes de ouvir música e rir, com esse mesmo riso que sempre acompanhava Hughes, inclusive em seus piores momentos, seguindo o tema largamente adotado pela população negra de rir para não chorar”, escreveu a tradutora Maribel Cruzado no prólogo de Escritos sobre Espanha, que recompila pela primeira vez a obra periodística e poética de Langston Hughes inspirada na Guerra Civil.
Junto a Yates e Hughes, emergem outros nomes como o da enfermeira Salarea Kea, nascida no Harlem, que encontrou o amor de sua vida – um soldado irlandês – durante seu desempenho no campo de batalha, ou de Oliver Law, que se converteria no primeiro comandante negro de um batalhão formado em sua maioria por brancos. Também o nome do cantor e ator Paul Robeson, militante do Partido Comunista, que presenteou com sua voz aos soldados no front.
A História em Quadrinhos A Brigada Lincoln (Evolution, Panini Comics) recuperou precisamente a façanha de Oliver Law, um dos primeiros voluntários dos Estados Unidos a se alistar como combatente em defesa da República espanhola, que terminou por se converter, graças à sua experiência militar e suas qualidades de liderança, em capitão de uma companhia de metralhadoras.
A jornada de Law foi registrada com a maestria da mão de Pablo Durá, Carles Esquembre e Ester Salguero, responsáveis por um projeto que recupera e homenageia a figura deste homem e de tantos outros que deram a sua vida pela democracia em um país de que pouco ou nada sabia. Law morreu em 10 de julho de 1937 durante o ataque ao chamado Morro do Mosquito, Villaviciosa de Odón. Sua vida, como a dos demais afroamericanos que jogaram a vida na Espanha, merece ser relembrada.
Fonte: https://www.publico.es/culturas/misisipi-madrid-brigadistas-negros-lucharon-franco.html
Tradução > Caninana
[1] Nota da Tradutora: Referências sobre a participação de Salaria Kea na Revolução Espanhola: https://en.wikipedia.org/wiki/Salaria_Kea; https://www.blackpast.org/african-american-history/african-american-anti-fascists-in-the-spanish-civil-war/
agência de notícias anarquistas-ana
flor amarela,
no vaso, vê o mundo
pela janela
Carlos Seabra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!