Em resposta às últimas manifestações pacíficas de dissidência em fins de 2020 e começos de 2021, o regime anunciou a ampliação da normativa sobre medidas de segurança, proibindo as concentrações nos bairros de Havana onde habitualmente vive e trabalha a poderosa elite cubana: as zonas de ministérios do Estado e edifícios governamentais, assim como de lojas para turistas.
Ainda que a história oficial fixa o início da Revolução Cubana com a entrada triunfal dos Barbudos em La Habana em 1º de janeiro de 1959, não é até 16 de abril de 1961 que Fidel Castro declara o caráter socialista dessa Revolução. Mas a realidade da vida cotidiana das trabalhadoras e dos trabalhadores cubanos tem desmentido, desde então, o pretenso objetivo emancipador dessa revolução. Não apenas pelo socialismo castrista ser uma simples expressão caribenha do socialismo soviético – na realidade capitalismo de Estado – senão também por ser uma desculpa dialética de Fidel Castro e da burocracia castrista para se apoderar e se manter no Poder.
Para além dos discursos e proclamações, a realidade é que essa Revolução não tentou cumprir em nenhum momento a promessa de erradicar a exploração capitalista, nem suprimir as diferenças de classe. Por isso, em Cuba, turistas e pessoas cubanas com dólares podem desfrutar de tudo, enquanto a maioria vive na escassez, e algumas pessoas até na miséria, desde os primeiros tempos da Revolução até agora, como puderam comprovar todas e todos que viajam para Cuba¹ ao longo destes 62 anos de Revolução.
Uma realidade agravada durante o “Período Especial” – provocado pela derrubada da União Soviética – onde as pessoas cubanas não poderiam entrar, e ainda menos comprar, nas Diplotiendas [ou “Diplomercados”, que são as lojas especiais para membros de embaixadas e diplomacias]. Essa prática de apartheid, que chegou a alcançar mercados, hotéis, hospitais e centros de recreação, além do apartheid político. Uma prática autoritária constante da Revolução que impediu todas as mudanças propiciadas – desde o interior como do exterior dela – para democratizá-la e tornar possível um socialismo verdadeiramente emancipador. Daí que as únicas mudanças produzidas foram somente as necessárias para que tudo siga sendo o mesmo e sem alterar a tradicional relação entre a elite e a sociedade.
Limites e direção das mudanças
Não é de se surpreender que as mudanças – que começam a se produzir na década de 1990 pela queda do campo socialista e ainda mais desde que Fidel deixou, em 2006, a direção do Estado a seu irmão Raúl – tem se concentrado na esfera econômica para abrir maiores espaços ao mercado na alocação de recursos. Mas somente para eliminar as excessivas proibições que saturam a vida cotidiana e a administração na Cuba “socialista”, obrigando a maior parte da população a se refugiar em um sem número de práticas sociais de sobrevivência e simulação. Sobretudo durante os anos do Período Especial; ainda que o triunfo de Chávez na Venezuela incitou as autoridades cubanas a voltar a privilegiar o modelo centralizado e estatizado.
Uma volta ao centralismo e à ladainha do socialismo estatista que entra de novo em crise em julho de 2006 com a virtual desaparição de Fidel da cena – por graves problemas de saúde – e sua substituição provisória por seu irmão Raúl, consciente da crítica situação econômica e de apatia social reinantes em Cuba, apesar dos alegres subsídios venezuelanos. Uma situação difícil de manter, que o obrigou a apelar à mudança, e convocar em 2007 um “debate popular” para fixar os Alinhamentos da Política Econômica e Social de Cuba. Um debate intranscendente, mas necessário, para justificar o alcance e ritmo das novas mudanças que Raúl anunciou em seu discurso de posse: “Em dezembro falei do excesso de proibições e regulações, e nas próximas semanas começaremos a eliminar as mais simples”.
Efetivamente, em março se eliminaram as proibições mais “simples” e absurdas para que as pessoas cubanas pudessem se hospedar em qualquer hotel de seu país, alugar um carro ou uma moto de turismo e passar suas férias em um estabelecimento turístico da ilha, incluído Varadero (em função de seus recursos), assim como vender uma propriedade sem autorização prévia. Mas não é até 2011 que as autoridades decidem dar um novo impulso à atividade por conta própria, aprovando 181 atividades, e dois anos depois, 201 ofícios mais, além de autorizar as pessoas nascidas em cuba a sair legalmente do país por dois anos sem perder o direito de residência. Um reformismo gradual que alcançou um novo marco com as novas medidas migratórias, de 2016 e 2018, facilitando as visitas temporárias de pessoas cubanas que saíram ilegalmente do país antes de 2013.
Marcos reformistas e de abertura, aos quais há de se adicionar o novo plano de medidas econômicas anunciados pelo atual Presidente da República, Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez, apoiado por Raúl, tanto que o presidente do PCC desde que lhe cedeu a Presidência do Estado em 10 de outubro de 2019.
Um Plano que, além da “unificação monetária e cambiária”, é de eliminar a lista de atividades permitidas no setor privado, deixando vedadas a somente 124 ocupações, se aplicará “sobre a base de garantir a todas pessoas cubanas maior igualdade de oportunidades, direitos e justiça social, a qual não será possível mediante o igualitarismo, senão promovendo o interesse e a motivação pelo trabalho”.
A deriva da Revolução para o capitalismo privado
Diante desse balanço dos limites e da direção em que as mudanças em Cuba tem ido, como não concluir que a Revolução socialista cubana é cada vez menos socialista (capitalismo de Estado) e cada vez mais capitalismo privado?
Uma deriva decidida por essa direção frente às propostas e tentativas – do interior como do exterior do movimento revolucionário – para democratizar e orientar o proclamado socialismo dessa Revolução até objetivos realmente emancipadores. Propostas e tentativas rechaçadas e reprimidas com igual ou maior zelo do que o posto em rechaçar e reprimir as da direita exilada em Miami para voltar a instalar em Cuba a democracia burguesa.
Uma deriva que o novo Plano de Diaz-Canel pretende justificar com a invocação da “eficiência econômica” e a “eliminação de subsídios excessivos e gratuidades indevidas” para poder justificar cinicamente a “transformação das entradas” e celebrar em “família” o novo ano e o 62º aniversário da Revolução em função das potencialidades de cada bolso: uns em palacetes e outros em barracos, como em qualquer país capitalista.
As perspectivas
Apesar dos frequentes retrocessos na História e de que nada permite assegurar se ela tem um sentido, o devir dela parece ir até horizontes cada vez mais democráticos e emancipadores; mas, em Cuba, nada indica que as perspectivas imediatas sejam essas.
Seja por efeito das mudanças produzidas durante os 62 anos da Revolução ou pela repressão (em alguns casos extrema) da dissidência e o êxodo massivo provocado pela imperiosa necessidade para maior parte do povo cubano de buscar como sobreviver em um país onde tudo depende do Estado, em Cuba não se pode articular uma oposição capaz de ser uma alternativa real ao regime. E ainda mais nesses momentos com um espectro político tão fragmentado e polarizado.
Por isso, ainda que em um tal contexto se produzam explosões sociais e haja muita frustração e descontentamento, o “cada um na sua” impede as oposições que se manifestam serem perspectivas realmente emancipadoras para a sociedade cubana. Tal é o caso do Movimento de San Isidro e as mobilizações para exigir diálogo com as autoridades, como também o da última protagonizada por 300 pessoas cubanas – de diferentes estratos profissionais e ideológicos residentes em Cuba ou no exterior – enviando uma “Carta aberta ao presidente Joseph R. Biden, Jr.” para lhe pedir para pôr fim ao bloqueio de Cuba. Uma carta, publicada por La Joven Cuba, em que, apesar de reconhecer que “EUA não é único responsável dos problemas que enfrenta o país” e que ainda se está longe de “uma Cuba totalmente democrática”, não se diz claramente (ainda que algumas das pessoas que assinaram não reconheçam no particular) que é o bloqueio interno que impede solucionar esses problemas e conseguir esse objetivo. Além de que nenhuma dessas iniciativas questiona a deriva do capitalismo de Estado imperante em Cuba até o capitalismo privado. Deriva que, além de ser promovida pelo setor empresarial da Revolução, é a principal reclamação da Oposição direitista de Miami.
Daí que, por muito ruído midiático que se faça em torno de tais iniciativas, não seja a partir delas que se abrirão perspectivas emancipadoras ou sequer democratizadoras para o povo cubano. Não apenas por não ser a deriva até o capitalismo privado, senão também por ser esta deriva compatível com a manutenção da ditadura. Pois, ainda que se diga frequentemente que o capitalismo rima com democracia, a verdade é que há muitos exemplos de que rima muito bem com ditaduras de todo tipo.
Diante de tal evidência, a única perspectiva é a do status quo revolucionário autoritário, do governo de Partido único, com extensão da economia empresarial a todos os setores da atividade econômica (salvo os 124 proibidos), em um processo gradual controlado pela elite que não parou de controlar o governo e o partido durante os 62 anos da pretensa “Revolução cubana”.
É claro que ser consciente disso não impede de seguir desejando uma “sociedade onde todos assuntos públicos sejam resolvidos mediante a auto-organização de quem convive, trabalha, cria e ama, em Cuba e no planeta”, como desejam as pessoas libertárias cubanas². Uma sociedade “onde não exista o trabalho assalariado, a imposição da autoridade, o culto da personalidade, as diversas violências diretas, estruturais nem simbólicas, a hipercompetitividade, o burocratismo, as decisões em mãos de uma elite, a concentração da riqueza e a apropriação desigual do conhecimento”, como o que desejamos e pela qual lutamos todas as pessoas libertárias do planeta. Pois, apesar de que “a atual deterioração organizativa da classe trabalhadora e dos segmentos mais precarizados da sociedade cubana” e do mundo tornam irreal um tal desejo de um futuro imediato, a história dos povos não parou de demonstrar que nada está escrito definitivamente para sempre e que, por conseguinte, não é utópico desejá-lo. Além de ser cada vez mais necessário avançar até ela – por razões de justiça social e de sobrevivência da humanidade diante as atuais ameaças sanitárias e ambientais – em todos os países do planeta perante o catastrófico fiasco do capitalismo privado e de Estado.
Março de 2021.
Octavio Alberola
[1] https://www.fifthestate.org/archive/383-summer-2010/cuba-state-private-c…
[2] https://www.portaloaca.com/opinion/15348-sobre-el-comunicado-del-taller-…
Tradução > Caninana
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