[Espanha] ‘Las Marías’: a cor é política na ditadura cinza

As duas irmãs Fandiño, que sofreram represálias pela Guerra Civil, desafiavam a cada tarde uma sociedade opressora vestidas com suas melhores roupas. Um livro e uma obra de teatro reivindicam a sua valentia.

Por Rocío García | 21/04/2021

Dava as duas da tarde em ponto e as duas irmãs se jogavam nas ruas de Santiago de Compostella. Nunca sem se maquiar, com as bocas bem pintadas de vermelho e vestidas com cores alegres. Sempre de salto alto. Era seu grito rebelde e valente pela dignidade que a Guerra Civil lhes tinha arrebatado. Maruja e Coralia Fandiño, sofreram represálias pela ditadura por ser irmãs de três dirigentes da anarquista Confederação Nacional do Trabalho (CNT) durante o conflito, são um dos exemplos dos danos colaterais dessa luta fratricida, que foi deixando no caminho tantos inocentes.

Uma obra de teatro e um livro reivindicam hoje a trágica vida destas duas costureiras, conhecidas como Las Marías. A diretora do Teatro Espanhol, Natalia Menéndez, dirige Las dos en punto (As duas em ponto), obra que estreia amanhã (22/04/2021) nas Naves del Matadero (Madri), baseada no livro de Esther Carrodeguas, escrito em galego, que em 2015 ganhou o prêmio Abrente de Textos Teatrais, em Rivadávia. A estreia coincide com a publicação do livro em castelhano por Invasoras, com o mesmo título.

As atrizes Mona Martínez e Carmen Barrantes dão vida a estas duas mulheres, sobre um palco giratório por onde caminham incansáveis, muito juntas e sempre com um guarda-chuva colorido no braço. A obra, dividida em três atos, viaja ao longo de 30 anos, que vão desde os cinquenta até os oitenta do século passado.

Peculiares, insolentes e rebeldes, as duas irmãs se negaram a ser esquecidas ou apagadas do mapa por uma cidade cinza, que no pós-guerra lhes deu as costas e as deixou na miséria. Caminhavam a cada dia por essas ruas molhadas e tristes, orgulhosas e desafiadoras, mostrando seus desejos, sua vontade de viver, e também seus medos. “Foram zombadas, violentadas, insultadas, silenciadas, foram vermelhas, foram putas, foram nada”, assegura Esther Carrodeguas (Rianxo, 1979), que se empenhou em buscar a verdade do que escondiam as coloridas e alegres estátuas instaladas na Alameda, hoje convertidas em uma das atrações turísticas de Santiago de Compostella. E o que encontrou foi duas mulheres, Maruja (1898-1980) e Coralia (1914-1983) — uma terceira, Sarita, morreu no início da guerra – filhas de uma família operária, o pai sapateiro e a mãe costureira, e que a guerra quebrou em mil pedaços. Sem trabalho nem renda, foram vítimas da fome e do esquecimento por parte da sociedade e das instituições.

Natalia Menéndez encontrou neste texto a desculpa perfeita para se indagar sobre algo que a obsessiona há tempos, como são os danos colaterais às vítimas inocentes das guerras. “É algo que me corta o coração e me invade uma tremenda tristeza. Las dos em punto reflete bem o que levo tempos querendo tratar. São os resultados dos danos provocados nas guerras a inocentes civis, que parece que não contam. É uma maneira de devolver a dignidade a todas estas pessoas esquecidas”, reflete Menéndez.

É verdade que grande parte da cidade de Santiago de Compostella mostrou um enorme desprezo por estas duas mulheres, reprimidas por uma educação patriarcal, que sonhavam em conhecer o mar e que se apaixonavam a cada momento, mas houve outra, adverte Carrodeguas, que as ajudou em silêncio. “Lhes deixavam comida, dinheiro e inclusive batom nas lojas por onde elas passavam diariamente”, diz a autora, para quem a obra que estreia no Matadero supõe um grito que transcende o caso destas duas irmãs anônimas.

“Nunca fizeram luto. Nunca se deixaram dobrar pela cor cinza. Encontraram a maneira de se vestir como ninguém se vestia até então, fazendo o que ninguém se atrevia. Sua vitória foi esse passeio diário cheio de colorido. Sempre lutei contra a ideia de que esta é uma história local. Las dos en punto é uma história universal sobre a violência social, econômica e institucional. É uma obra sobre a dignidade e o medo da liberdade, aqui e em todo mundo”, adiciona uma emocionada Carrodeguas.

Fonte: https://elpais.com/cultura/2021-04-21/las-marias-el-color-es-politica-en-la-gris-dictadura.html?utm_source=Twitter&ssm=TW_CM_CUL#Echobox=1618988068

Tradução > Caninana

agência de notícias anarquistas-ana

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