Nos últimos dias, voltou à tona a discussão sobre o “bem-estar das vidraças de grandes corporações financeiras”.
Circulam muitos discursos denunciando “infiltrados” no ato #3JForaBolsonaro, que seriam responsáveis por quebrar as tão caras vidraças de banco e pixar muros com o propósito de “ferir a imagem do protesto pacífico”.
Sabemos que a polícia tem o costume de colocar agentes infiltrados (P2) em manifestações e atividades políticas, chegando a levar pessoas detidas de forma totalmente ilegal, como mais uma vez fizeram no dia 3.
Também sabemos que enquanto manifestantes quebram vidraças, Bolsonaro e a polícia quebram pessoas, mais de 500 mil por COVID e outros tantos milhares nas periferias, nas aldeias indígenas e nas comunidades quilombolas.
É preocupante ver pessoas e organizações de esquerda reproduzindo o discurso conservador de que as ações diretas “estragam o ato”, “deslegitimam a luta” ou “atraem a repressão” e que, por isso, quem usa essas táticas só poderia ser um “infiltrado” de extrema direita.
A ideia de que no meio dos “bons” manifestantes existem maus elementos escondidos não é nova, sendo o discurso preferido da direita pra deslegitimar os movimentos sociais. É a mesma justificativa que a polícia sempre usa para criminalizar, agredir e monitorar manifestantes, principalmente quando são pessoas negras e/ou pobres. Foi exatamente esse o argumento do chefe da Abin (Agência Brasileira de Informação), Alexandre Ramagem, que disse que “Tumulto e quebradeira [foram] promovidos por criminosos disfarçados de ‘manifestantes'”¹.
Nos impressiona ver esse discurso sendo vinculado por camaradas.
Há 500 anos que os de baixo resistem nessas terras com o uso de muitas formas de ação direta, sabotando e se rebelando contra um sistema que domina e explora. Tática legítima de luta, a ação direta é comum em inúmeras revoltas ao redor do globo: dos carros queimando em Paris às estátuas derrubadas no Chile, o povo se insurge e se levanta com energia e radicalidade para exigir seus direitos… mas se as ações radicais praticadas lá fora recebem aqui os aplausos de um amplo grupo, as mesmíssimas ações (e inclusive as bem mais tímidas) são condenadas dentro da própria esquerda que deveria apoiá-las com entusiasmo.
O que está em jogo, então, não é se aquela pessoa envolvida numa ação direta era ou não um “infiltrado” (e sim, existem infiltrados nos atos!), mas o discurso que se levanta por trás disso.
Fechar uma rua em si é uma ação direta. Como ocupar um terreno, travar vias com pessoas ou barricadas, destruir objetos que representam os poderem que nos oprimem, pixar muros e várias outras práticas que quebram com o funcionamento “normal” da cidade, fazem pressão política e mostram a urgência das demandas populares.
E vamos dizer o óbvio: não foi a ação direta que inventou a repressão policial violenta. Quem fez isso foi o Estado.
Se queremos construir mobilizações fortes, que juntem diferentes povos, movimentos, coletivos e pessoas, e consigam derrubar o genocida que está no poder, precisamos derrubar também as estantes, as prateleiras, as vidraças – e não colaborar para a criminalização de quem está na rua com a gente. Precisamos respeitar a diversidade de táticas de revolta, mesmo quando existem discordâncias entre nós. Agredir, entregar ou denunciar pessoas que estão lutando ao nosso lado para o Estado a fim de proteger vidraça de banco não é nem nunca foi uma forma de fortalecer o poder popular. É um pacifismo que não condiz com o atual cenário de guerra. Não proteja o banco, proteja quem está ao seu lado!
Nosso objetivo não é construir uma imagem fofinha e palatável ao olhar da grande mídia, estamos furiosxs!
E pneus em chamas vestem melhor as ruas do que a simpatia da burguesia.
Passe Livre São Paulo
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Pedro Xisto
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!