Escrito por Lucas Sansón em 21 de julho, 2021
Esta história começou em San Antonio de los Baños. No domingo 11 de julho, as ruas da cidade acordaram ao grito de “Libertad” (Liberdade). Dias de apagões seguidos foram a gota d’água para aqueles que saíram para protestar contra a situação precária do país.
Os vídeos das manifestações me fizeram saltar por toda a casa. Eu queria estar lá, eu queria experimentar algo assim. Os tremores secundários em Palma Soriano, Alquízar e tantas outras cidades do país me fizeram pensar que logo Havana também se levantaria.
Desta vez eu tinha que estar à altura da ocasião, não podia ficar em casa como no dia 27 de novembro. Eu não me perdoaria se o medo me vencesse de novo. “Nós não temos medo, não temos medo”. Eu me vi em cada uma das pessoas que saíram para protestar.
No exato momento em que tive a confirmação das mobilizações em Havana, me vesti e quis ir para lá, mas minha mãe estava lá para me impedir. Eu ainda me lembro dela chorando. “Sinto muito, mamãe”.
Um carro e em pouco tempo eu estava na Havana Velha. Nenhum dos meus amigos queria se juntar a mim: alguns tinham medo da repressão, outros não estavam dispostos a pagar o preço de fazer suas famílias sofrerem. Eu não os questiono, eu até os entendo. Eu também estava com medo na época e ainda estou.
No caminho para lá, vi caminhões cheios de tropas conhecidos como “boinas negras”. A cidade estava sob cerco. Eu não sabia para que lado caminhar, mas desci. Acabei indo parar no Hotel Packard. O Prado estava vazio. Uma avó gritava com seu neto para sair de lá, para ir para casa, que esses valentões só espancariam os mais jovens.
Quatro jovens passaram na direção oposta, sem dizer uma palavra, balançando uma bandeira M-26-7 pró-governamental. Eles eram tudo o que eu não esperava ver. Um deles eu conhecia, éramos colegas de classe na pré-universidade. Trocamos olhares por alguns segundos. Nunca pensei que o Paseo del Prado pudesse ficar assustador.
Naquele momento um amigo me ligou para me dizer que Díaz-Canel tinha ido à televisão nacional para chamar seus seguidores para enfrentar os protestos e que ele estava encorajando uma guerra civil. “Saia daí, vá para casa”, me disse.
Eu fumei um cigarro. Eu não podia acreditar que Havana não iria se mobilizar. Durante alguns minutos fiquei muito desapontado. Eu andei para trás ao longo de uma rua paralela. Peguei meu ritmo e encontrei uma mobilização impressionante de cubanos que, como em San Antonio de los Baños, estavam gritando “Libertad” (Liberdade).
Pela primeira vez na minha vida, senti-me livre. Também aqui eles gritavam que não tínhamos medo, agora eu poderia dizê-lo também. Há uma coisa que o 11 de julho deixou muito claro para mim: nunca mais quero sentir que não sou livre. Entretanto, escrevo isto usando um pseudônimo. O caminho para a liberdade é um caminho difícil.
A história deixa de ser idílica. Querendo chegar ao Malecón, acabamos engarrafados no Parque Máximo Gómez. Alguns queriam continuar ao longo do Túnel de la Bahía, outros ao longo do Malecón e alguns de volta ao Prado até o Capitólio. Nesta indecisão, a marcha deixou de ser um núcleo compacto. Muitos subiram até a fonte do parque, e até tomaram banho. O cordão policial estava começando a se aproximar. Eles estavam nos cercando. Continuei pensando que fomos tão longe quanto eles queriam que fôssemos. Estou convencido de que muitos policiais com roupas civis entraram em nossa mobilização. Sem perceber, eles nos levaram até esse ponto.
As tropas especiais começaram a nos atacar. Os manifestantes os enfrentaram e evitaram várias detenções, mas a violência estava aumentando. Há um grito que ficou na minha memória: “Levantem suas mãos, os violentos são eles”. Quase todos nós estávamos de mãos no ar. Eles não se importavam, ainda batiam e prendiam.
Quando a massa se dispersou, eu me vi sozinho no meio do parque entre a polícia, “vespas pretas” e homens com paus batendo no chão. O uniforme preto das tropas especiais sempre provocou em mim uma forte imagem visual.
Um capanga veio em minha direção. Eu comecei a correr. Quase colidi com uma boina preta, mas consegui evitá-la, apesar de ter uma boa pancada nas costelas. Estou muito orgulhoso de meu hematoma. Pouco me aconteceu em comparação com os outros que foram reprimidos.
Eu olhei em direção à fonte. As pessoas de lá não eram as mesmas. As Brigadas de Resposta Rápida tinham chegado. Em poucos minutos, e com golpes, eles tomaram a fonte. Ainda não entendo porque algo tão comum como uma fonte era um alvo estratégico para eles.
O parque de repente estava cheio de bandeirinhas. Nossa manifestação tinha se tornado um Primeiro de Maio, com os mesmos velhos slogans, os mesmos velhos gritos, as mesmas bandeiras de sempre.
Saí com meus amigos restantes. Distingui entre as pessoas violentas alguns dos meus colegas da faculdade e meu vizinho do outro lado da rua. Não é meu vizinho, não poderia ser. Na véspera tínhamos nos encontrado em nossas varandas e, enquanto fumávamos, tínhamos nos saudado com nosso afeto habitual. Eu olhei para ele e virei minha cabeça para longe. Eu jamais voltaria a olhar para ele.
Caminhei um quarteirão com raiva. Eu parei, respirei fundo e acendi um cigarro. Um homem, eu acho que um manifestante, me pediu um fósforo. Ele acendeu seu cigarro e me disse: “Viva Cuba libre, irmão”!
*O autor decidiu proteger sua identidade com um pseudônimo para evitar represálias na universidade.
Tradução > Liberto
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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2021/07/15/eua-consideracoes-sobre-a-rebeliao-em-cuba/
agência de notícias anarquistas-ana
cuco dá horas
mas não conta
porque demoras
Carlos Seabra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!