Por Montserrat Álvarez | 20/07/2021
Para a geração de meus anciãos, Cuba foi a mais bela revolução do século XX, a possibilidade de um sonho há muito acalentado em uma ilha que, apesar de ser dominada pela política externa dos Estados Unidos com seu jogo sujo de sanções e bloqueios – que soube enfrentar com coragem – demonstrou ao mundo que quebrar os limites de ferro impostos por Washington a qualquer tentativa de mudança social na América Latina não era impossível. Cuba foi uma alegria compartilhada, um símbolo brilhante, uma experiência da qual todos os povos oprimidos puderam aprender grandes lições, um exemplo para todo o continente. Tendo posto um fim à tirania de uma ditadura corrupta, Cuba foi a aurora da liberdade, a prova de que uma sociedade mais humana era possível, que as promessas de justiça social não eram enganosas quando apoiadas pela luta heroica da guerrilha. A revolução cubana não foi uma vulgar batalha pelo poder político, mas a luta por uma vida que vale a pena viver, por uma vida com saúde, com educação, com arte, com trabalho, por uma vida verdadeiramente humana, uma vida “com todos e para o bem de todos”, como José Martí teria desejado.
“Há um governo de homens jovens e honestos, o país tem fé neles, vai haver eleições”, anunciou Fidel ao entrar em Havana de madrugada em 1959. Mas muito cedo, as reformas da Constituição de Cuba de 1940 deram início a uma mudança no sentido da captura pessoal do Estado. Os destinos sinistros do ostracismo, da prisão e do paredão começaram a alcançar, tocar e agarrar os próprios revolucionários não-conformistas.
A domesticação continuou durante décadas com o controle da imprensa, censura dos intelectuais, “reeducação” de elementos dissidentes e “contrarrevolucionários”, e vigilância recíproca da população pela população. Quando a ajuda soviética entrou em cena para combater o embargo americano, a mudança para o populismo repressivo estava completa, com o exército e o Partido Comunista finalmente transformados em instrumentos da ditadura muito pessoal de Castro, e com a burguesia restaurada na própria burocracia de Castro, que se tornou o gerente do capitalismo de Estado.
Uma intervenção militar americana em Cuba não pode, de forma alguma, ser tolerada. Nem em nenhum outro lugar do mundo: basta olhar para a história recente para se opor a ela. Mas dizer que o que existe hoje em Cuba é o socialismo não faz nenhum favor ao socialismo. E mesmo que o partido – o único – que por mandato constitucional dirige o Estado e a sociedade em Cuba seja chamado de Partido Comunista, ele também não faz jus ao seu nome. Infelizmente, não se pode dizer que este seja ou tenha sido um caso isolado.
Questões deste tipo estão longe de ser patrimônio da direita; o oposto é verdadeiro. Gracchus Baboeuf apontou o estabelecimento de poderes ilimitados para “defender a revolução” como uma das causas fundamentais da degeneração do projeto da Revolução Francesa de 1789. A mesma objeção foi levantada por Rosa Luxemburgo a Lênin. Que o que acabou se impondo depois da Revolução Russa de 1917 não foi nada mais que capitalismo de Estado, escreveu Kropotkin.
Todas estas perguntas se aplicam a Cuba. Onde o autoritarismo do regime é um reflexo do capitalismo de Estado, porque o poder político repousa sobre o poder econômico. Onde os meios de produção são de propriedade da burguesia estatal, não dos trabalhadores. A quem os sindicatos, cooptados pelo Estado, não representam, mas, juntamente com a polícia e os Comitês de Defesa da Revolução (CDR), controlam. Eles controlam porque a economia capitalista – seja ela privada ou estatal – exige sua exploração.
Estas semanas, enquanto os oportunistas da direita aproveitam a onda de protestos contra o governo cubano que sacudiu as ruas de Havana, San Antonio de los Baños e várias outras cidades com as exigências de um povo farto da fome, das dificuldades e do desemprego, e enquanto a “esquerda” burguesa em todo o mundo defende esse governo e sua burocracia parasitária privilegiada, é agradável lembrar que na esquerda – sem aspas – existe uma tradição crítica – mesmo que não represente a “esquerda” oficial e majoritária e não seja bem conhecida – que nunca renunciou a pensar em seus próprios termos sobre as degenerações oligárquicas e capitalistas dos processos que outrora foram revolucionários, que enfrentou repetidamente, sem desviar os olhos, os despojos de sua própria história, e que sempre chamou de sonhos quebrados, as ilusões perdidas, as esperanças traídas por seu próprio nome.
Tradução > Liberto
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Nenpuku Sato
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!