Isaac Puente foi o médico mais destacado do movimento revolucionário espanhol até a data de seu fuzilamento, em 1º de setembro de 1936.
Por Eduardo Pérez | 02/05/2021
Isaac Puente chegou ao local da Confederação Nacional do Trabalho na rua Zapatería de Vitoria-Gasteiz uma quarta-feira de 1923, “semeando o terror, pois por causa do chapéu pensaram que ele era um policial”, segundo relatou Daniel Orille, um dos iniciadores do sindicato vitoriano.
Desta forma tão peculiar, Puente começaria sua jornada como médico mais destacado do movimento revolucionário espanhol até a data de seu fuzilamento, em 1º de setembro de 1936. Partícipe de mil e uma revoltas e detenções, Puente é principalmente conhecido como autor do folheto “El comunismo libertário”, de 1933, que serviria como base da apresentação da CNT prévia ao estouro da Guerra Civil. Segundo este médico vasco, “o comunismo implica, melhor que a comunidade de bens, a existência de uma coletividade que atenda primordialmente a administrar a economia de modo que fiquem satisfeitas as necessidades de todos os seus componentes. E para que este comunismo seja libertário não há de conter um acúmulo de força ou de autoridade que seja uma ameaça para a liberdade individual”.
Menos conhecida é sua faceta como revolucionário no âmbito da medicina, tema que Puente abordou habitualmente na imprensa, tanto na mais ‘política’ como na especializada. Este médico que desempenhava seu trabalho no meio rural alavés, como era habitual na esquerda, e especificamente no anarquismo da época, estava atento às novas correntes que surgiam e, em seu âmbito profissional, contribuiu para popularizar algumas como o neo-maltusianismo ou a eugenia (ideias que, apesar de suas posteriores aplicações e perspectivas reacionárias, também foram valorizadas desde pontos de vista progressistas), assim como o direito ao aborto ou o naturismo.
Puente, sem renunciar a sua defesa da ciência, advertia dos perigos do exagero das virtudes de seu grêmio: “Em medicina, o mito propagado e aceito como axioma é crer que, sem a intervenção dos médicos, a mortalidade seria enorme e as enfermidades teriam uma duração maior ou um fim grave. Graças à medicina não desaparecemos como espécie. Médicos e profanos tem esperanças de que as enfermidades retrocedam ante os tratamentos e que tudo é resultado da ação vigilante do médico”.
No entanto, em sua opinião, “a verdade é que todas as enfermidades podem evoluir para a cura sem a intervenção do médico, e que em muitas enfermidades, em quase todas as infecciosas, pode se prescindir de todo tratamento. A realidade é que o médico não faz muitas vezes mais que dar a sensação de que faz algo, e as enfermidades evoluem apesar dele e acima do poder restrito dos remédios que maneja”.
Como anarquista, Puente traçava um paralelo entre o poder da medicina e o poder do Estado: “Os políticos praticam a fraude de que se desvelam por nossa vida ordenada e feliz. Graças a seus sacrifícios e a sua direção se sustentam as sociedades e não comemos uns aos outros. A Guarda Civil e a política, os Tribunais de Justiça e os presídios contêm a criminalidade em limites discretos. Sem eles, todos transgrediríamos as normas de convivência e nos dedicaríamos ao saque, ao crime e à pilhagem. A verdade é que se não há mais delitos que os que se registram é porque não se sente a necessidade de cometê-los. O homem de bons sentimentos não matará ainda que lhe ofereçam a impunidade, e ao contrário o perverso mata apesar de todas as coações”.
O médico alavés não mordia a língua para concluir que “a medicina, a educação e a política, e seus respectivos profissionais ou práticas, não resolvem os problemas que a natureza iria solucionar por si mesma, mas que complicam as coisas para tornarem-se imprescindíveis e tornar o indivíduo e a sociedade dependentes deles”.
A cirurgia selvagem e os médicos mercenários
Nesta linha, Isaac Puente era um feroz crítico de certas práticas médicas habituais tanto em sua época como hoje, quase um século depois. A respeito do encarniçamento médico, afirmava sua convicção de que “disputar violentamente uma vida à morte que, ao fim, será sua fácil presa, é empresa triste e equivocada”.
De seus ataques não se livrava a expansão da cirurgia, que para o profissional vasco não era senão um indicador do “atraso da medicina”, “uma arte parasitária que cresce a expensas daqueles enfermos que a medicina desaloja” e condenada a desaparecer se esta última avançava. A cirugia, com “origem em práticas de crueldade, selvagerismo e superstição”, “nem sequer merece o nome de ciência” e “desumanizou a medicina”, pois “sobre a mesa de operações o enfermo se converte em um animal viviseccionável” por parte do cirurgião, que antes da operação parece “um membro da Klu-Klux-Klan” e depois dela “um açougueiro de etiqueta”.
Além disso, em seus escritos Puente demolia a indústria sanitária de sua época, assim como o papel dos profissionais dentro da mesma. “O médico se converte assim em servidor mercenário do Estado, em funcionário do Corpo de Prisões, em inspetor encarregado de fazer a vista grossa, ou em parasita das pragas sociais, da tuberculose, da loucura ou da prostituição”, assinalava.
Não obstante, o médico revolucionário não perdia de vista que a progressiva proletarização dos médicos tornava possível sua participação no movimento obreiro. Puente, desta forma, foi um dos impulsionadores dos sindicatos de Saúde dentro da CNT.
Saúde e liberdade
A participação dos médicos no sindicalismo, na opinião de Puente, não devia ter como fim exclusivo suas reivindicações laborais. Ao estar a saúde conectada com a sociedade, seu grêmio devia lutar por melhorar ambas: “O direito do homem a um mínimo de bem estar e a condições de alimentação, moradia, trabalho e educação compatíveis com a saúde, pudesse com justo título e plena razão, figurar entre nossas aspirações de classe. Seria impedir que a medicina e a saúde fossem uma farsa a mais, das muitas com que se engana o povo”.
Punha o exemplo da tuberculose, fomentada por “má alimentação, moradia insana, sem luz nem ar, um trabalho extenuante”. Por isso, “seria mais eficaz que uma Revolução Científica (a conquista de um meio curativo e imunizante), uma Revolução Social que desse a emancipação econômica ao trabalhador”.
Apesar de sua ênfase nos fatores sociais, Puente não os identificava como origem de todos os males, mas que também prestava grande atenção à conduta pessoal. Daí sua conexão com o naturismo, que o levava a recomendar um modo de vida saudável, com vegetarianismo, combate ao uso de tóxicos, sol, ar livre e exercício físico. Daí uma das frases mais reconhecíveis do médico anarquista: “A saúde, como a liberdade, há de consegui-la cada qual”.
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!