[Espanha] Mujeres Libres

Por Josep L. Barone | 04/10/2021

Em 6 de junho de 1937 Federica Montseny fazia uma palestra no Teatro Apolo de Valência que tinha por título “Mi experiencia en el Ministerio de Sanidad y Asistencia Social” (Minha experiência no Ministério da Saúde e Assistência Social). Montseny militava na CNT, foi a primeira mulher a ocupar um ministério, o primeiro Ministério da Saúde na história da Espanha. Foi nomeada pelo Governo de Francisco Largo Caballero em Valência. De sua equipe de governo, a subsecretária era a pediatra valenciana Mercedes Maestre e a professora e médica Amparo Poch era a diretora geral de assistência social. As três mulheres trabalharam nas duríssimas condições impostas pela guerra, na acolhida de crianças refugiadas, na criação de comedores para mulheres gestantes e liberadores de prostituição, trataram de integrar as pessoas com necessidades especiais no âmbito laboral e elaborar o primeiro projeto de lei do aborto na Espanha, que não chegou a ser aprovado. Foi, no entanto, o governo da Generalidade da Catalunha presidido por Josep Terradellas, que, por iniciativa do então diretor geral de saúde, o também médico anarquista Félix Martí Ibáñez, aprovou em 9 de janeiro de 1937, o decreto de legalização do aborto.

Antes destes acontecimentos, desde as últimas décadas do século XIX os movimentos emancipadores tinham arraigado com força na sociedade espanhola. Uma série de associações e ativistas libertários lutaram pela emancipação dos obreiros e das mulheres em particular. A Revista Blanca (Madrid, 1898-1905; Barcelona, 1923-1936), fundada pelos pais de Federica Montseny, chegou a alcançar tiragens de 8.000 exemplares; Generación Consciente, revista mensal publicada em Alcoy entre 1923 e 1928, conseguiu também amplíssima difusão entre as classes obreiras, e teve que transformar-se em Estudios, Revista eclética (Valência, 1928-39), para evitar problemas com a justiça e a censura. Em todas elas se debatia a liberdade das mulheres, o problema da prostituição, o incremento descontrolado da população (neomalthusianismo), a sexualidade ou o controle da natalidade. Outra destas publicações foi Mujeres libres, fundada por Amparo Poch, Lucía Sánchez Saornil e Mercedes Comaposada. A revista era porta-voz da Federação de Mujeres Libres, que lutavam em prol da liberação da mulher obreira, uma revista para as mulheres, escrita exclusivamente por mulheres, que foi publicada entre 1936 e 1938.

Tudo isto expressa a ampla tradição do movimento libertário na luta pela liberação das mulheres e a conquista de seus plenos direitos – isto que agora chamamos feminismo – um movimento que não só aspirava a igualdade, mas a revolução social nos costumes e valores.

É imensa a riqueza cultural e política da sociedade espanhola desde finais do século XIX até a ditadura franquista. O que acabo de mencionar fazia parte de amplos movimentos de transformação social que iam desde uma nova escola, o nudismo, o vegetarianismo, a liberdade sexual, o controle de natalidade… Um feminismo que punha o foco na revolução social, na transformação da moral, da família e valores, na revolução sexual e o questionamento dos papeis de gênero. É bem merecida a romântica homenagem que o cineasta britânico Ken Loach fez às jovens milicianas em seu filme “Tierra y Libertad” (1995).

Sem dúvida, a aprovação do sufrágio feminino no Parlamento espanhol merece reconhecimento como avanço social e como símbolo. No entanto, a conquista do sufrágio feminino de modo algum foi o começo do movimento feminista na Espanha, antes foi a consequência. Votar é condição sine qua non, mas não suficiente para a democracia social. Obviamente, o franquismo apagou da memória coletiva a imensa riqueza cultural e política que as classes trabalhadoras espanholas ofereceram à cultura europeia no começo do século XX. Costuma-se dizer que a história, a escrevem os vencedores e isto explica a falta de memória e a visão seletiva de nosso passado promovida pela transição. É imprescindível reconhecer a grande contribuição de muitas mulheres libertárias espanholas em um tempo tremendamente difícil. Uma contribuição geralmente admirada em outros países europeus e que mereceria maior reconhecimento e respeito.

Fonte: https://www.eldiario.es/comunitat-valenciana/opinion/mujeres-libres_129_8363818.html

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

esse canto
é azul, azul, azul
quase branco

Claudio Daniel