Em uma época não muito futurística, em um mundo não muito estranho, houve uma onda global de um gás patógeno circulante que se transmitia de pessoa a pessoa, pela respiração, e que, apesar de ser letal apenas para duas a três em cada cem pessoas que entravam em contato com ele, matou um número de pessoas que saltou aos olhos da população pois, devido à sua alta transmissibilidade, muita gente entrou em contato com ele. A partir de então, mesmo o número dos que morriam de fome naquele mundo sendo muito maior do que o número dos que morriam do gás, não se falava mais em outra coisa.
Apesar de ser de conhecimento de especialistas em artefatos de guerra de que havia laboratórios de alta tecnologia em alguns países que se dedicavam à produção de gases daquele tipo para fins bélicos, a origem de tamanha situação foi atribuída oficialmente a um suposto e trivial incidente gastronômico: segundo as autoridades, um certo povo de hábitos alimentares “primitivos” teria gerado as condições para a assimilação do gás pelo aparelho respiratório humano (visto que o mesmo, até então, só era elaborado nos sistemas respiratórios de animais de outras espécies), pelo costume desse povo de compartilharem a mesa com animais oriundos de suas florestas.
O mais curioso, é que pouco antes da coisa toda estourar, um grupo de manda chuvas proprietários das grandes indústrias especializadas em produzirem antídotos para gases patógenos (indústrias estas, obviamente, que mantinham fortes conexões com os laboratórios produtores de gases patógenos: afinal, não se pode vender soluções sem que antes haja o problema) organizou um encontro entre eles para matutarem sobre como poderiam assegurar seus negócios caso o patógeno escapasse da esfera dos animais instintivos e “saltasse” repentinamente para a esfera dos animais manobrados por suas mídias. Mas é claro, segundo eles e suas gigantescas empresas de mídias contratadas, tudo não passou de uma mera coincidência. E os animais manobrados acreditaram.
Após um período de cerca de um ano de muitas mortes pelo gás patógeno, e de muitos investigadores independentes das grandes indústrias de antídotos que propuseram soluções não tão lucrativas para as indústrias terem tido, “casualmente”, suas reputações assassinadas pelos representantes da dogmática “Igreja da Sapiência” (segundo a qual a sapiência da palavra dos seus líderes da “investigação natural” é uma verdade única e indiscutível), instaurada neste período pelo poder de concertação social via mídia do grupo de manda chuvas proprietários das grandes indústrias de antídotos contra gases patógenos, estas apresentaram ao mundo alguns produtos experimentais supostamente neutralizadores dos efeitos do gás, produtos estes, obviamente, muito mais caros do que os que os investigadores independentes cujas reputações foram “casualmente” assassinadas já haviam experimentado na prática com razoável sucesso em vários lugares e, como “cereja do bolo”, exigiram aos governos do mundo, como condição indiscutível para a venda desses produtos, uma “blindagem” total contra quaisquer prováveis buscas por responsabilização de seus empreendimentos por parte dos clientes, ante os prováveis inúmeros casos de resultados indesejados que produtos ainda experimentais certamente iriam desencadear. A massa da população mundial, pensando não haver outra saída, posto que as alternativas apresentadas anteriormente pelos investigadores independentes haviam sido pretensamente “deslegitimadas” pela dominante “Igreja da Sapiência” à qual a maioria dos cidadãos que queriam parecer serem seres “iluminados” se vincularam imediatamente sem pensar duas vezes sequer, e com o horizonte cognitivo reduzido a quase nada pelo terror das mortes produzidas pelo gás, aderiu de forma tão irracional ao uso dos produtos experimentais, que passou inclusive a hostilizar e segregar a minoria mais alerta que passou a questionar se não seria algo irresponsável somar ao risco das mortes pelo gás também o risco de mortes e danos ainda desconhecidos possivelmente provocados pelos produtos experimentais.
Bem, o fato é que, menos de um ano após os produtos experimentais terem sido inseridos em uma grande massa populacional ao redor do mundo, e após um breve lapso de tempo em que o número de adoecimentos pelo gás reduziu de forma aparente, justamente nos lugares em que a maioria dos cidadãos já havia sido submetida ao experimento verificou-se um novo crescimento ainda mais assustador dos índices de adoecimento provocados pelo gás patógeno.
Porém, os manda chuvas proprietários das grandes indústrias de antídotos contra gases, após terem embolsado trilhões em dinheiro de impostos dos cidadãos com as vendas de seus “ouros de tolos”, puseram em ação os líderes mundiais da Igreja da Sapiência (da qual eram os maiores “contribuintes” para o seu “dízimo”) de modo que estes, associados aos governos compradores dos produtos experimentais (que haviam assinado os referidos contratos comerciais espúrios com isenção total de responsabilidades para os manda chuvas e, portanto, tornaram-se a partir daí cúmplices destes) passaram a atribuir as causas deste fenômeno (ou seja, a evidente ineficácia do experimento) a qualquer outra coisa que pudesse mobilizar o medo – e a consequente raiva, devido à frustração enorme – da população para longe dos verdadeiros (i)responsáveis por esta escandalosa situação, ou seja: atribuíram a culpa por toda esta lambança àqueles que, num exercício de suspeita saudável, decidiram não se submeterem irrefletidamente ao experimento. E a massa da população mundial engoliu essa história!
Então, os manda chuvas proprietários das grandes indústrias de antídotos contra gases, livres do risco de terem que enfrentar a ira do povo, visto que este foi facilmente manobrado para se dividir e lutar contra si mesmo, logo propuseram outra “solução” experimental para a situação: aumentar a quantidade de produtos experimentais inseridos na população (não se pode acusá-los de não terem senso de humor): afinal, nada melhor do que vender repetidas vezes o mesmo produto, para os mesmos clientes. E a massa populacional atordoada pelo medo aderiu à ideia sem pensar duas vezes (não se pode dizer que não foram avisados).
Moral da história: nesse mundo, e nessa época, é mais “crível” que um vírus “salte” repentinamente de uma espécie animal para outra, do que um “racional” supere seus primitivos instintos de rebanho seguidor irrefletido de “pastores autorizados”.
Ecce Homo.
Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira
agência de notícias anarquistas-ana
Pelas vigas da ponte,
Os raios de sol
Na névoa da tarde.
Hokushi
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!