[EUA] Ajuda Mútua Abolicionista e Decolonial – Uma entrevista com o 815 Mutual Aid Network

A rede 815 Mutual Aid é um coletivo de Rockford, em Illinois, que trabalha para lidar com a crise COVID-19 através de ajuda mútua. De acordo com a página deles no Facebook, o grupo é anticapitalista e foca na organização influenciada pela tradição de feministas negras. O coletivo oferece comida, medicamentos, educação política e outros suportes; e agora lança uma newsletter. Recentemente, eles trabalharam para melhorar as condições de presos na prisão Winnebago County Jail, coletando donativos, distribuindo comida e ajudando na recuperação pós tornado. O jornal The Commoner teve o privilégio de conversar com algumas das pessoas do coletivo. Alguns dos tópicos abordados incluem os motivos para a formação do grupo, os problemas de organização durante a pandemia e o trabalho feito com os presidiários. Você pode visitar a página deles no Facebook e no Twitter.

Como surgiu a 815 Mutual Aid Network?

Atticus: Nos formamos enquanto tentávamos fazer ajuda mútua a partir de uma visão política explicitamente anarquista, abolicionista e anti-colonial em Rockford, já que muitos dos grupos de ajuda mútua formados em nossa área eram liberais.

Franklin: Até onde sabemos, nós estávamos antecipando o  fracasso do Estado em atender as necessidades da população que ainda estavam por vir.

Qual papel vocês esperam desempenhar no movimento anarquista?

Atticus e Franklin: Não somos um projeto explicitamente anarquista, embora tenhamos membros anarquistas. Tentamos ter alguns valores anarquistas tais como organização horizontal, descentralização e políticas anti-opressivas. A nossa política enquadra-se nas questões decoloniais e de libertação negra, o que é diferente de grande parte do movimento oriundo do anarquismo europeu.

O que pensam da atual onda de grupos de ajuda mútua no panorama da Covid? Acham que terá um efeito positivo sobre o movimento anarquista? 

Franklin: A ajuda mútua, não sendo exclusiva dos anarquistas, ajudará a empoderar uma variedade de comunidades. É ótimo ver as pessoas a organizarem-se sob o seu próprio poder. Os efeitos que ela tem sobre o movimento anarquista estarão fortemente relacionados com a qualidade das relações que construímos.

Atticus: É importante para nós que a ajuda mútua não seja cooptada pelas organizações sem fins lucrativos. A ajuda mútua é um conceito revolucionário. Trata-se de construir novas relações sociais fora do capitalismo e de desafiar o poder. Não se trata de caridade.

Chewy: Quando vi aparecerem diferentes redes de ajuda mútua, pensei para mim mesmo: SIM! Tenho dificuldade em compreender porque é que o governo torna tão difícil para as pessoas obter ajuda, fora da covardia. Há imigrantes, deficientes, pessoas LGBTQ, e pessoas encarceradas que enfrentavam dificuldades antes da Covid e enfrentarão dificuldades depois da Covid e estas pessoas precisam de ajuda mútua. Aprecio aqueles que vêem a necessidade de ajuda mútua devido à Covid, só espero e rezo para que essa ajuda continue depois. Vejo isto como um ponto positivo para o movimento anarquista porque ajuda as pessoas a afastarem-se desta necessidade de confiar no governo para necessidades que não estão garantidas de serem satisfeitas.

Vocês se apresentam como “coletivo decolonial anárquico”, o que significa isto para vocês? Acham que o movimento anarquista poderia suportar ser mais decolonial?

Atticus: Basicamente significa que temos uma orientação e valores anárquicos ou anarquistas, mas não somos anarquistas, pois alguns dos nossos membros podem não se identificar explicitamente assim, embora alguns de nós o sejam. Em termos decoloniais, tentamos enquadrar a nossa política radical de uma forma que centralize as pessoas negras, pardas e indígenas e suas histórias de libertação, especialmente no que diz respeito à terra. No movimento anarquista nos Estados Unidos, muitas das influências ideológicas provêm do anarquismo europeu, sendo assim muito colonial e reducionista de classes. É imperativo que os anarquistas se afastem do reducionismo de classes e dos teóricos europeus como a única possibilidade de política radical. Descentralizar os  movimentos anarquistas da branquitude é vital. Um bom texto para ler sobre isto é The Progressive Plantation de Lorenzo Kom’boa Ervin, que influenciou profundamente o nosso coletivo. A maioria de nós teve experiências anteriores com espaços radicais brancos tóxicos, de maneira que nos esforçamos para que a 815 Mutual Aid Network não seja assim.

Como é que se organizam, quem toma as decisões? 

Atticus: Tomamos decisões coletivamente nas nossas reuniões. Damos ênfase à autocrítica e à auto-reflexão, a fim de desenvolver uma política em constantes mudança e prestação de contas. As pessoas organizam-se e fazem tarefas com a sua livre associação. Não existe um líder no sentido tradicional. No entanto, encorajamos as pessoas no nosso coletivo a assumirem a liderança dos seus próprios projetos e iniciativas.

Como é que interagem com as suas comunidades e que problemas específicos é que elas enfrentam? 

Chewy: Antes da segunda onda do Covid, criamos lojas de distribuição de alimentos e vestuário gratuito em parques nos bairros mais desfavorecidos das nossas comunidades. Também criamos educação política de grupo com distanciamento social, em parques, e mascarados. Reparamos que muitos dos problemas que a nossa comunidade enfrenta começam com o nosso governo local. Não há uma tonelada de recursos para os cuidados infantis, centros comunitários ou programas pós-escolares para os adolescentes de Rockford. Reparamos que com muitos edifícios do Governo fechados, as pessoas contam com a ajuda do nosso coletivo  para o pagamento das contas, alimentação e vestuário de Inverno. Estas são necessidades básicas com as quais vemos pessoas a se debaterem.

Quais são alguns dos maiores problemas que enfrentaram enquanto grupo, e o que fazem ou fizeram para os ultrapassar?

Franklin: As finanças e outros projetos precedentes têm sido a parte mais restritiva da organização. Os outros projetos arrefeceram, permitindo-nos regressar à nossa prática normal, embora devêssemos tentar evitar futuras interrupções à medida que a situação aqui se agrava com a Covid e a possibilidade de agitação civil ainda paira. Quanto às finanças, temos tido sorte com as recentes doações, mas ainda estamos a trabalhar na criação de um modelo mais sustentável fora do sistema colonial.

Como têm sido as suas interações com o governo local/estatal?

Franklin: Zaps telefônicos. Caso contrário, preferimos não interagir ou trabalhar com os governos coloniais.

Se tivesse algum conselho para as pessoas que tentam fazer uma organização como a sua, qual seria?

Atticus: Começar com um pequeno grupo de confiança, responsabilizar-se uns aos outros e construir um conjunto coletivo de valores. Servir o povo, fazer educação política e ajudar a catalisar um movimento autônomo maior.

Vocês notaram que estão lutando contra o tratamento dos prisioneiros na prisão do condado de Winnebago? Como estão abordando esta questão; e como é que os seus métodos diferem das organizações regulares?

Atticus: Organizamos ao lado de prisioneiros e familiares de prisioneiros na prisão. Prestamos apoio a eles através do nosso commissary fund (conta da qual um preso pode retirar dinheiro). Enviamos informações para a cadeia pelos correios. Somos diferentes porque, como organização abolicionista, não nos vemos como salvadores de pessoas na prisão, como é o caso de algumas organizações sem fins lucrativos que trabalham com pessoas encarceradas.

Chewy: Também esperamos encontrar maneiras de educar os presos na cadeia Winnebago County Jail. Reconhecemos que muitos deles não estão recebendo representação legal adequada nem acesso a livros físicos. Com a pandemia causando tantas circunstâncias imprevistas, também tentamos nos manter atualizados sobre os procedimentos em vigor, para manter os prisioneiros seguros. Temos utilizado zaps para tentar pressionar as autoridades da cidade e do condado a criar melhores condições na prisão.

Vocês mencionaram que seus membros trabalhavam anteriormente com grupos que não são especificamente anárquicos, como o Partido dos Panteras Negras. Você diria então que é importante ser mais flexível nos grupos com os quais se trabalha, mesmo que a ideologia deles não se encaixe inteiramente com as suas?

Franklin: Não posso falar pelos outros, mas não comecei onde estou agora politicamente. Parte desse processo de crescimento foi interagir com pessoas fora da minha linha de pensamento. Se não trabalhássemos além das fronteiras ideológicas, como alcançaríamos uma comunidade maior?

Atticus: Construímos com as pessoas. Embora no nosso coletivo coloquemos ênfase na visão política compartilhada, isso não restringe nosso trabalho no terreno.

Vocês planejam coordenar e/ou juntar-se a outros grupos ou organizações?

Atticus e Franklin: Já colaboramos com outros grupos, embora nada formalmente. Gostaríamos de colaborar com grupos mais revolucionários na construção de redes de ajuda mútua duradouras.

Chewy: Devido ao vírus, sinto que somos limitados, mas as conexões que fizemos durante o verão provaram ser úteis. Todos nós reconhecemos que a necessidade de táticas diferentes, pensamentos diferentes, ao mesmo tempo em que trabalhamos em direção a um objetivo comum, é crítica para o movimento de ajuda mútua.

Fonte: https://www.thecommoner.org.uk/decolonial-abolitionist-mutual-aid-an-interview-with/

Tradução > A Estrela

agência de notícias anarquistas-ana

No parque vazio
duas árvores se abraçam
em prantos de chuva

Eugénia Tabosa