Por Philippe Pernot
Utopias anarquistas continuam vivas, não apenas em Chiapas ou Rojava, mas também no coração da Europa capitalista. Na Alemanha, a repressão policial e a gentrificação afetaram decisivamente os refúgios anarquistas tradicionais como Berlim, com vários espaços livres fechados desde o início da pandemia.
Mas uma nova forma de protesto está desabrochando: eco-anarquistas estão pegando ritmo na Alemanha. A bandeira preta e verde está mais forte do que nunca e desfruta surpreendentemente de ampla simpatia do público.
A Dannenröder Forest, apelidada “Danni,” a oitenta quilômetros de Frankfurt, está sob ataque. Uma rodovia está sendo construída, cortando pela floresta como uma ferida aberta; é um campo de batalha, uma testemunha da destruição ambiental e da resistência. Centenas de ativistas ocuparam a rota dos planos da rodovia A49 entre outubro de 2019 e dezembro de 2020.
Foram inspirados pelos protestos na Hambacher Forst, conhecida como “Hambi”, a ocupação alemã mais divulgada pela mídia, com um crescimento claro e orgânico a cada protesto. Da imaginação dos manifestantes, nasceram cem casas nas árvores, vários enormes tripés de madeira e uma constelação densa de circuitos e trilhas, criando um ecossistema único de resistência.
Organizada em bairros, a vida lá era utópica. Todas as decisões eram feitas de maneira descentralizada e unânime, deixando espaço para ativistas viverem sem limitações ou hierarquias. Slogans anarcofeministas, antirracistas e anticapitalistas celebrando a vida na floresta ecoavam entre as fogueiras.
Mas a repressão estava a caminho. Em dezembro, aproximadamente 3,000 policiais com canhões de água, liderados por comandos especiais, invadiram a floresta. Depois de destruir todas as barricadas e casas nas árvores, abriram caminho para o desmatamento.
Cortando pela floresta densa, a futura rodovia é severamente protegida por arames farpados e massivas patrulhas policiais. Ainda assim, a resistência eco-anarquista não fora desmobilizada. Centenas de ativistas se reuniram em abril de 2021 para um acampamento ambientalista para reinventar o protesto. Agora, ocupam legalmente estruturas em vilas e pretendem construir um movimento resiliente baseado em ações diretas descentralizadas.
Ocupações em florestas (Waldbesetzungen) têm sete vidas; de alguma forma, serem expulsos pela polícia os fortalecem. Os ativistas se dispersam pelo país, compartilham suas experiências e conhecimentos e criam novas áreas de protesto.
Uma rede orgânica de resistência está sendo tecida por toda a Alemanha e, às vezes, as linhas de ação individual se interseccionam e criam nós. Acampamentos ambientalistas são exatamente isso — nós que conectam todas as lutas.
O primeiro deles começou em Augsburg, uma cidade conservadora da Bavária. Dezenas de ambientalistas do grupo Fridays for Future (FFF) decidiram que manifestações semanais não eram suficientes. No verão passado, ocuparam a praça central da cidade. Construíram uma utopia de madeira no meio do distrito de compras, um equivalente eco-anarquista ao Occupy Wall Street.
Como na Danni, vivem sem autoridade, cozinham com comida encontrada nas lixeiras e são apoiados por uma rede de habitantes solidários. Do FFF à eco-anarquia, foram radicalizados pelos contos de ativistas viajantes da Danni e da Hambi. Em troca, fomentaram a resistência eco-anarquista no sul da Alemanha.
A família intencional das Waldbesetzungen e dos acampamentos ambientalistas estão crescendo continuamente. Praças centrais estão ocupadas em outras seis cidades alemãs, assim como uma dezena de florestas e prados.
A Altdorfer Waldbesetzung, conhecida como Alti, é a mais nova. Desde janeiro de 2021, a floresta, próxima da cidade turística de Ravensburg, ecoa o som de marretas, música e contos de fogueira. Protestando a expansão da mineração de cascalho destinada à exportação para a Áustria, de dez a trinta ativistas moram juntos, construindo dúzias de casas em árvores em vários bairros, seguindo o modelo das outras ocupações em florestas.
A jovem utopia anarquista é fortemente apoiada pelos habitantes locais, que cozinham duas refeições diárias para os ativistas, doam materiais de construção e se reúnem para visitar a ocupação nos finais de semana. Dado que a temporada de desmatamento começa em outubro, a Alti tem mais alguns meses para se preparar para o ataque policial pendente. No meio tempo, ações com faixas, manifestações e trotes contra políticos conservadores acontecem diariamente.
A utopia eco-anarquista existe e resiste e está crescendo continuamente como uma alternativa ao Partido Verde, que está se tornando o novo tradicional da Alemanha e pode até liderar o governo com as próximas eleições.
Lutas feministas, antirracistas e anticapitalistas estão se desenvolvendo em conjunto nas florestas porque todas as formas de opressão são interligadas. Preto é o novo verde.
Em tempos de greenwashing, capitalismo verde e ecofascismo, as Waldbesetzungen eco-anarquistas e os acampamentos ambientalistas oferecem uma fagulha de esperança bonita e combativa.
>> Philippe Pernot é fotojornalista com base na Alemanha, cujo trabalho foca em anarquia, resistência ecológica e a interconexão entre as lutas feministas, anticapitalistas e antirracistas. Depois de estudar na França, trabalhou no Líbano por um ano, cobrindo a situação palestina e aqueles abandonados pelo estado libanês. Co-publicou um relatório sobre um projeto de gasoduto de LNG no Quebec e uma zine sobre um shopping sendo construído em sua vila nativa no sul da França.
Fonte: Fifth Estate # 409, Summer, 2021
Tradução > Sky
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!