Por Ania Aizman
No outono de 2019, lecionei uma disciplina na University of Michigan: “Art and Anarchism: from Tolstoy to Pussy Riot.” [Arte e Anarquismo: de Tolstoi a Pussy Riot] O currículo em Ann Arbor, no Michigan, tinha foco no anarquismo russo, histórico e contemporâneo, e foi feito para ser tão acessível quanto possível até para aqueles estudantes com pouco conhecimento sobre arte, Rússia ou história, quem dirá sobre anarquismo.
A disciplina ofereceu opções criativas para todas as atividades avaliativas, estressando que o interesse genuíno era mais importante que completar as leituras. A discussão era facilitada com o pressuposto de que uma porção dos alunos não estavam preparados para a aula e precisávamos ler algumas passagens específicas do texto para que todos conseguissem acompanhá-la.
Estudantes deram retorno às minhas pequenas exposições sobre o contexto histórico e conexões aos eventos dos dias de hoje. Eles gostaram das apresentações de fotografias e linhas do tempo e apreciaram as histórias sobre as vidas de revolucionários reais e ficcionais. Discutimos as grandes questões: o que é a revolução e ela é possível? Como você pode mudar o mundo? Quais são as questões encaradas pela sua geração?
Minha esperança era que, como uma disciplina “fácil de passar”, daria espaço aos alunos para que conectassem seus interesses ao assunto. Não fui decepcionada. Exploraram a língua internacional Esperanto historicamente defendida por muitos anarquistas, anarquismo na Argentina e México, educação anarquista, software anarquista, entre outros assuntos relevantes. Criaram projetos finais belíssimos incluindo zines (sobre quadrinhos anarquistas, justiça reprodutiva etc.), um evento de arte performática, um programa de entrevistas e composições musicais originais.
A primeira metade da disciplina foi quase inteiramente dedicada à história radical da Rússia, tentando compreender as ideias de Bakunin e Kropotkin em seus contextos históricos. Consideramos movimentos sociais que os influenciaram, como a Comuna de Paris de 1871 e a social democracia alemã do final do século XIX e começo do século XX, bem como movimentos nacionalistas de independência.
Lemos sobre as muitas organizações e indivíduos envolvidos no movimento revolucionário russo dos anos 1860s a 1917, inspirados pelas filosofias de Bakunin e Kropotkin. Essa parte da aula usou partes do livro que estou escrevendo sobre o anarquismo russo e sua influência na arte. A segunda metade da ementa foi um pouco além, seguindo a emigração de anarquistas falantes de russo e iídiche para os Estados Unidos, e então analisando movimentos radicais anarquistas e de influência anarquista em outras partes do mundo. Os estudantes aprenderam sobre as contínuas discussões e, às vezes, debates ferrenhos que anarquistas tiveram com outros radicais.
Ann Arbor, no Michigan, onde a universidade é localizada, é lar da Joseph A. Labadie Collection, um arquivo que atrai pesquisadores como eu de todas as partes do mundo. Inclui materiais sobre anarquismo, movimentos antiguerra e pacifistas, ateísmo e pensamento livre, liberdades e direitos civis, ecologia, trabalho e direito do trabalho, feminismo, movimentos LGBTQ, prisões e encarcerados, a nova esquerda, a Revolução Espanhola e a Guerra Civil, e protestos da juventude e de estudantes.
A curadora do arquivo Julie Herrada forneceu às aulas pôsteres, cartas, fotografias e artefatos pessoais de movimentos sociais. Os estudantes puderam visitar as exibições da coleção antes do Covid e viram desenhos de eventos como a Comuna de Paris, o livro de canções sobre a Primeira Guerra Mundial, fotos dos protestos estudantis mundiais de 1968, pôsteres de feiras do livro anarquistas, e até o passaporte da Emma Goldman.
Para ter a mesma profundidade na parte da ementa que não era sobre anarquismo russo, que fugia da minha área, tivemos palestrantes convidados. Margaret Killjoy, cuja história de ficção científica “The Fortunate Death of Jonathan Sandelson” pudemos ler na aula, participou via Skype e falou sobre anarquismo, identidade trans e música.
Daniel Kahn, um músico Klezmer, visitou a aula e tocou músicas anarquistas iídiches, bem como algumas dos músicos Wobbly e contadores de histórias Utah Phillips e Ani DiFranco.
A perspectiva irreverente dos anarquistas locais que estão envolvidos na organização da abolição das prisões, proteções aos trabalhadores e greves de aluguéis durante a emergência do COVID-19 também se tornou parte da minha aula.
Um painel punk de anarquistas visitou para falar sobre a comunidade anarquista contemporânea da área de Detroit-Ann Arbor-Ypsilanti. Eles discutiram a cultura faça-você-mesmo e façamos-todos-juntos, a vida comunitária na Trumbullplex e o espaço de performances em Detroit, e se organizar contra o fascismo. Via Skype, o pesquisador e ativista maoli Kehaulani Kauanui falou sobre direitos indígenas e anarquismo.
Os estudantes amaram esses eventos que os expuseram aos fascinantes, diversos e vibrantes movimentos de justiça social atuais. Lecionar nessa disciplina me levou a refletir no quão pouco as pessoas mais jovens sabem sobre anarquismo, mas oferecem percepções valiosas sobre sua vontade de aprender.
Até o final do semestre, muitos dos estudantes desenvolveram questões de pesquisa dentro do ou adjacente ao tópico do anarquismo. Conduziram suas pesquisas sem os estresses de um artigo final, criando bibliografias anotadas de literatura crítica/histórica abordando as questões de pesquisa. Essa foi outra maneira de encorajar investigações históricas. Dois estudantes continuaram a trabalhar comigo em um curso independente de estudos que exploram mais do assunto. Vários ainda estão em contato.
Em geral, essa foi uma experiência valiosa em conectar eventos locais e recentes à história global de movimentos sociais, permitindo aos estudantes que fossem criativos com suas questões de pesquisa e atividades avaliativas, e desafiando e questionando nossas ideias como um grupo, baseando-se no diálogo com uma filosofia política pouco compreendida.
>> Ania Aizman está escrevendo um livro sobre anarquismo na cultura russa baseada no levantamento de arquivos históricos e histórias orais com artistas, escritores e ativistas para encontrar ligações perdidas entre os movimentos anarquistas do século XIX, culturas periféricas soviéticas e coletivos contemporâneos.
Fonte: Fifth Estate # 409, Summer, 2021
Tradução > Sky
agência de notícias anarquistas-ana
na primavera
com os galhos entrelaçados—
árvores gêmeas
Geralda Caetano Gonçalves
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!