Resenha do livro editado por Livros del Zorro Rojo a 90 anos de sua publicação. Em tempos nos quais as palavras são descaracterizadas, este material para grandes e pequenos dá conta de uma época e expõe com amor os valores libertários.
Por Martín Tesouro
Por decisão do autor, o artigo contém linguagem inclusiva.
A 90 anos de sua publicação original, La anarquía explicada a los niños (1931) é reeditada em Buenos Aires por Livros del Zorro Rojo, com ilustrações de Fábrica de Estampas. A obra de José Antonio Emmanuel foi uma contribuição valiosa para escapar da escola controlada pela Igreja e o Estado, instituições contrárias à liberdade, interessadas em fomentar um nacionalismo cego, um claustro estéril contaminado de crenças culposas.
O autor, José Antonio Emmanuel, pseudônimo de José Ruiz Rodríguez, foi um pedagogo malaguenho, alinhado a Ferrer Guardia e a Pestalozzi. Impulsionou as escolas para os filhos de obreiros, crianças desamparadas que até então estavam excluídas do sistema educativo. Fundou a Biblioteca Internacional Anarquista (BIA), que editou e publicou onze títulos em dois anos com a finalidade de difundir os ideais libertários para a emancipação popular mediante a organização do proletariado, a ação sindical, a liberação da mulher, o conceito da infância como estágio fundamental para iniciar a construção de um sistema cujos valores se edifiquem sobre o humanismo, a paz e a ciência. Perde-se o rastro deste mestre emancipador que dedicou sua vida à luta contra o obscurantismo e a exploração. Pode ter permanecido oculto até sua morte ou abandonado a Espanha para escapar da ditadura liderada pelo tirano Francisco Franco.
La anarquía explicada a los niños é uma apologia da didática libertária. Através de suas páginas podemos encontrar o lugar de primazia atribuído à educação na difusão das ideias e da transformação do mundo, e a seus protagonistas, as crianças. A resenha cita Eliseo Reclus, “débeis e pequenos as crianças são, por isso mesmo, sagradas”, e dedica o trabalho “aos Filhos do Proletariado Espanhol”. A obra foi publicada em 1931, ano da fundação da Segunda República Espanhola, processo que mobilizou um desenvolvimento revolucionário nas políticas educativas que tiveram como destinatárias as massas analfabetas, tais como a criação de cinco mil escolas e a extirpação da ingerência religiosa nos assuntos didáticos. É um documento de época que expõe os ideais que mobilizaram o anarquismo espanhol após a ditadura de Primo de Rivera.
O “folheto”, como o denomina Emmanuel, está estruturado em três segmentos. No primeiro se encontram os conceitos chaves: O que é a anarquia e quais são os inimigos do povo? Define a doutrina como o caminho para a liberdade da humanidade e expõe o capitalismo, o militarismo e o clericalismo como os agentes imediatos a combater para erigir um mundo no qual a norma seja a solidariedade e a ciência. “A anarquia quer que investigues a origem de todas as desigualdades, o porquê de todas as injustiças”.
No segundo capítulo, “Como chegar à Anarquia?”, se postula que o caminho se traça ao longo da vida com três instituições: a Escola Racionalista, o Sindicato e o Ateneu Cultural. Deste modo a obra propõe à criança uma vida na qual sempre estará integrada, uma realização em comunidade. Com referências a três livros que propõe como guias e condutores, imprescindíveis em qualquer biblioteca obreira, A dor universal (Faure), A conquista do pão (Kropotkin) e A montanha (Reclus), reivindicando as conquistas de Ferrer, posiciona a educação desde a primeira infância como a ferramenta principal para alcançar a liberação. “Se não libertais na escola, dará trabalho libertá-los quando forem maiores. A escola os ensinará a serem rebeldes”. A terceira divisão, “Como fazer-nos dignos da anarquia?”, expõe os dez postulados ácratas que dignificam a vida: ajuda, apoia, copia o belo, trabalha, estuda, ama, protege, cultiva, não tenhas escravos, trabalha. “Levanta teus olhos para a beleza da vida”. Com o desenvolvimento simples destes preceitos amorosos e antagônicos do individualismo capitalista, Emmanuel convida à militância do anarquismo desde a infância. “Abre as portas de todas as jaulas, serra as grades de todos os cárceres. Seja livre e puro”.
As ilustrações nos transportam ao mundo em ebulição que disputou o poder com esperança e valentia sem se distanciar jamais da beleza e do amor. Fábrica de Estampas é o coletivo de gravuras fundado por Delfina Estrada e Victoria Volpini em 2011. Desde sua oficina no bairro portenho de Coghlan desenvolvem a difusão da arte da gravura e da estampa.
É difícil que a nostalgia não se faça presente ao apreciar a distância entre a esperança libertária de 1931 e o lugar que tem suas ideias na atualidade. A retrospectiva nos mostra a esperança, a fé revolucionária, a noção de que o império do obscurantismo e da ignorância chegavam ao fim para abrir passagem a um caminho no qual a humanidade conquistaria sua realização mediante o exercício do saber, da vida em comunidade; o egoísmo seria um obstáculo do passado, sucumbiria nas mãos obreiras, nas consciências dessas infâncias liberadas das cruzes e das culpas. Visto a quase um século de distância e com a maquinaria midiática disposta a corromper a história e as palavras, refúgio popular sempre, nos deixa muito próxima à possibilidade de nos orgulharmos daquele carinho com o qual deram a vida pelo futuro sonhado.
Fonte: https://www.agenciapacourondo.com.ar/cultura/pedagogia-libertaria-la-anarquia-explicada-los-ninos
Tradução > Sol de Abril
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