Uma carta aberta de matemáticos russos ao Comitê Executivo do IMU referente ao matemático e preso político Azat Miftakhov
101 matemáticos russos enviaram a seguinte carta ao International Mathematical Union Executive Committee [Comitê Executivo Internacional da Sociedade de Matemática] a respeito do caso de nosso colega Azat Miftakhov. Matemáticos russos podem continuar a assinar esta carta ao preencherem o formulário online.
Caros membros do International Mathematical Union (IMU) Executive Committee,
No verão de 2022, matemáticos do mundo todo estão convocados para marcar as conquistas de nossos colegas e da disciplina em geral durante o International Congress of Mathematicians [Congresso Internacional de Matemáticos], agendado para acontecer em São Petersburgo, na Rússia. Esse evento é de máxima importância para a comunidade matemática mundial. A liberdade de associação, de cooperação científica aberta entre comunidades acadêmicas de diferentes nações, e a neutralidade política são todos valores fundamentais que o Congresso assegura a todos os matemáticos, o que constitui o motivo pelo qual louvamos a decisão de realizá-lo na Rússia e tornar possível que centenas de nossos colegas participem. Ainda assim, um matemático russo foi desprovido dessa oportunidade pelas autoridades russas por motivações políticas — em contraste aos próprios valores em que a IMU se apoia.
Estamos nos referindo a Azat Miftakhov, estudante da pós-graduação da Faculty of Mechanics and Mathematics of Moscow State University [Faculdade de Mecânica e Matemática da Universidade Estadual de Moscou] e ativista anarquista, que está encarcerado injustamente pelas autoridades russas desde 1º de fevereiro de 2019. Acusado de quebrar uma janela de uma filial do partido governante da Rússia, foi detido inicialmente com acusações de tentativa de ataque terrorista. Graças à reação imediata da sociedade civil e da comunidade matemática global, essa acusação foi retirada pelos promotores, mas Miftakhov foi então acusado de cometer “vandalismo” e sentenciado a seis anos em prisão federal — o que está servindo no presente momento. Agora, está sendo forçado a trabalhar em uma madeireira, apesar das suas condições de saúde, e teve seu acesso negado às publicações recentes sobre matemática na língua inglesa.
Os fatos não deixam dúvidas sobre as motivações políticas por trás de seu processo. Foi noticiado escrupulosamente que Azat e outros detidos foram torturados no intuito de forçar confissões (incluindo ameaças de penetração com uma chave de fenda); autoridades pressionaram a família de Azat no curso de procedimentos criminais. O indiciamento inteiro é baseado apenas no depoimento de uma “testemunha secreta”, falhando a se colocar sob escrutínio público. Além disso, houve uma aparente campanha de difamação contra Miftakhov na mídia chauvinista, uma parte dela controlada pelo Estado, que envolveu o uso de difamações homofóbicas contra ele e o compartilhamento de informações privadas que não poderiam ser obtidas de maneira legal, como fotos íntimas vazadas de Azat ou gravações de conversas telefônicas com sua mãe.
O caso de Miftakhov não é de forma alguma atípico: desde 31 de janeiro de 2018, quando ocorreu o crime com o qual Azat foi acusado, o Federal Security Service [Serviço de Segurança Federal] da Rússia (também conhecido como FSB) dobrou as ações punitivas em pessoas com convicções de cunho anarquista na Rússia. Todavia, a comunidade acadêmica em geral tem desde então se tornado o alvo de uma crescente pressão, ou até abertamente de repressão, por parte das autoridades russas. Há uma longa lista de cientistas russos detidos pelo FSB, alegadamente por traição ou espionagem, incluindo Valery Mitko, Valery Golubkin, Viktor Kudryavtsev, e muitos outros. A repressão contra estudiosos russos não é limitada às ciências naturais, com o sociólogo e reitor de uma das maiores universidades não-estatais da Rússia Sergei Zuev entre as vítimas mais recentes.
Após ser endossado pela American Mathematical Society [Sociedade Americana de Matemática (EUA)], London Mathematical Society [Sociedade de Matemática de Londres], Mathematical Society of France [Sociedade de Matemática da França], Italian Mathematical Union [Sociedade Italiana de Matemática], Brazilian Society of Mathematics [Sociedade Brasileira de Matemática], e por 54 membros da Russian Academy of Sciences [Academia Russa de Ciências], pode-se afirmar que há ampla evidência de que a comunidade matemática internacional está de fato gravemente preocupada com a situação. Uma petição para a conscientização sobre o caso Miftakhov foi assinado por mais de 300 matemáticos e apoiado pelas Sociedades de Matemática da Espanha, França e Ucrânia. Afinal, a International Mathematical Union [Sociedade Internacional de Matemática] entrou em contato com o governo russo para que permitisse que Miftakhov terminasse seus estudos da pós-graduação na França, onde foi-lhe oferecida uma posição na Fondation Mathématique Jacques Hadamard [Fundação de Matemática Jacques Hadamard] e no Laboratoire de Mathématiques d’Orsay [Laboratório de Matemática de Orsay].
Sem um posicionamento constante e ativo no assunto, o chamado pela soltura de Miftakhov cairia por terra e resultaria em nenhuma ação por parte do governo russo, como ocorreu com o dos 54 acadêmicos russos. Apenas deixar que o agente do FSB Dmitry Derevyashkin fosse listado como co-organizador do International Mathematical Congress (ICM) e permitir que o primeiro-ministro da Rússia Mikhail Mishustin se autopromovesse pela conta oficial do Twitter do ICM enquanto Azat se mantém encarcerado e forçado a trabalhar em uma madeireira ao invés de fazer suas pesquisas matemáticas é um ato que vai contra os valores de neutralidade política e solidariedade profissional sobre os quais a IMU é construída. Concordamos que boicotar eventos científicos é inaceitável, mas a colaboração contínua com as mesmas pessoas e organizações que perpetuam a perseguição política de cientistas em nosso país também o é. Esse é o motivo pelo qual apoiamos a ideia expressada por Ahmed Abbes e Cédric Villani e chamamos a IMU para fazer algo que um dia teve coragem de fazer em resposta à repressão contra outros companheiros matemáticos — isto é, que adie o International Congress of Mathematicians para o momento em que Azat for solto ou em que seu caso for revisado em um processo que respeite seus direitos constitucionais. Além disso, acreditamos que o Congresso, acontecendo na Rússia, deve incluir um painel transversal sobre matemáticos em perigo, como aqueles perseguidos com bases políticas por regimes autoritários, o que seria aberto ao público e amplamente coberto por jornalistas independentes.
Espera-se que a sentença de Azat termine em 5 de dezembro de 2023, o que torna completamente possível preservar a mensagem de que o ICM é para todos, não apenas para aqueles com sorte de não ser arbitrariamente perseguidos por um governo autoritário. A relutância ao agir seria uma cicatriz sobre o nome imaculado da IMU como uma organização profissional comprometida com os valores de liberdade científica e de neutralidade política.
Assinada por 101 matemáticos russos, incluindo 24 assinantes anônimos para sua segurança e proteção.
Tradução > Sky
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!