Kropotkin e uma palavra entre política e natureza

Por Leonardo Nascimento

Indagada sobre o que andava fazendo para se entreter durante a pandemia, a célebre cantora e multiartista Patti Smith contou, numa entrevista publicada em 19 de junho do ano passado no jornal espanhol El País, que, entre outras coisas, estava às voltas com a leitura de Piotr Kropotkin (1842–1921), pois havia se interessado pelo anarquismo. Pouco antes, no dia 9 daquele mesmo mês, Patti publicara em seu perfil no Instagram (@thisispattismith) uma foto do livro The prince of evolution (2011), de Lee Alan Dugatkin. Na legenda, explicou que se tratava de uma obra de introdução ao pensamento do cientista e revolucionário russo, e apresentou detalhes de sua biografia: “Nascido na nobreza, Kropotkin tirou todos os mantos e passou a vida trabalhando e expondo os princípios científicos e as verdades do Apoio Mútuo. Quando palavras não foram suficientes, ele voltou-se para a ação; como um cientista ambiental e anarquista benevolente […]”, escreveu a cantora.

Figurando como um dos mais influentes nomes na história das lutas libertárias, Kropotkin vem pouco a pouco chamando a atenção de outros públicos, a despeito do constante apagamento das contribuições anarquistas ao pensamento político e científico. Ainda que seja difícil assegurar todas as razões por trás desse renovado interesse, seus livros voltam a circular, sobretudo como consequência do fortalecimento das experiências autonomistas e anarquistas no século XXI, da reavaliação de suas teses por historiadores/as e filósofos/as da ciência, dos recentes eventos e publicações motivados pelo centenário de sua morte (em fevereiro deste ano) e, principalmente, da enorme difusão de práticas de “apoio mútuo” no decorrer da pandemia de covid-19, como bem observou a escritora e historiadora Rebecca Solnit em sua coluna no The Guardian, em 14 de maio de 2020. [nota 1]

Em seu texto, a colunista lembrou que a ideia de “apoio mútuo” é uma referência direta a Kropotkin e sua obra Apoio mútuo: Um fator de evolução, publicada em 1902. Nela, o naturalista russo propôs uma releitura da teoria da evolução de Charles Darwin (1809–1882), defendendo que a “cooperação” é um fator tão ou mais determinante para a sobrevivência das espécies, e, portanto, deveria ser considerada como um princípio fundamental da evolução, ao invés de só olharmos para as práticas de “competição”.

Rebecca Solnit argumentou que em momentos de crises profundas é comum reaparecem clichês sobre a brutalidade da natureza humana. Dessa perspectiva, o melhor que se poderia esperar das pessoas em meio a uma pandemia seria a indiferença egoísta; na pior das hipóteses, elas se voltariam para a violência de todos contra todos. Mas, como ela destacou, diversos estudos demonstram que não é assim que a maioria das pessoas se comporta diante de grandes desastres coletivos, ainda que obviamente existam pessoas egoístas e destrutivas (e estas muitas vezes ocupam posições de poder, já que vivemos em sistemas políticos que recompensam esse tipo de personalidade e esses princípios).

Para tratar do crescimento das ações de apoio mútuo diante da pandemia global, Solnit elencou diversos atos e projetos descentralizados de solidariedade e reciprocidade, que, àquela altura, espalhavam-se por todos os lados como resposta à catástrofe viral e política. Se o que se via nos noticiários eram imagens sombrias de grupos anti-vacina em frenesi, oportunistas estocando álcool em gel para revender a preços exorbitantes ou mesmo pessoas armadas exigindo o fim do isolamento social, a escritora defendeu que as ações de apoio mútuo então em voga deveriam ser examinadas com atenção e tomadas como base para a construção de um futuro pós-capitalista. Afinal, por que deveríamos sonhar com o retorno a um mundo que já havia se transformado em um verdadeiro desastre bem antes da pandemia?

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http://suplementopernambuco.com.br/resenhas/2809-kropotkin-e-uma-palavra-entre-pol%C3%ADtica-e-natureza.html?fbclid=IwAR2Yhv5XqRlwUZpMZ0oQz1Lyu0a-Sa8-aawvptF3NeQK68e-gHnijqSVTX8

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