[Espanha] Reforma Laboral 2021: uma vigarice a favor da patronal

“Vamos revogar a reforma trabalhista apesar de toda a resistência”! – Yolanda Díaz, Ministra do Trabalho, em 23/10/2021, na cerimônia de encerramento do Congresso das CCOO [Comissões Obreiras].     

 

O acordo governamental concluído entre PSOE e UP no final de 2019 declarou expressamente em sua seção 1.3: “vamos revogar a reforma trabalhista”. Mas, na enésima das traições do PSOE aos trabalhadores, nesta ocasião secundada pela UP, ela optou por realizar um retoque meramente cosmético da reforma de 2012. Entretanto, e dado que para tais iniquidades tem cobertura total da mídia, desde a extrema direita até a mídia “progressiva” que a apoia (Público, eldiario.es, etc.), o governo optou por lançar uma campanha de fakes que procura apresentar as mudanças na atual legislação trabalhista como uma mudança de paradigma nas relações trabalhistas e o principal mentor da fraude (Yolanda Díaz) como uma espécie de heroína.

Não deve ser surpresa que o CEOE tenha saudado a reforma trabalhista recém-acordada porque – em sua opinião – ela “consolida o modelo trabalhista atual”, mantendo “intactos os mecanismos de flexibilidade interna que garantem a adaptabilidade das empresas”.

1. AS SUPOSTAS MUDANÇAS NA NATUREZA TEMPORÁRIA DOS CONTRATOS

Em termos gerais, pode-se dizer que existem quatro tipos principais de contrato de trabalho na Espanha: permanente, temporário, treinamento e estágio. A ideia de que o governo está tentando “vender” é que a possibilidade de firmar contratos que não sejam permanentes será severamente restringida após a reforma trabalhista. Segundo esta história, a natureza indefinida da relação de trabalho se tornará a regra, com poucas exceções. Mas, no final das contas, não é este o caso.

Na realidade, o que o governo fez para conseguir as assinaturas dos empregadores foi simplesmente eliminar a modalidade “trabalho ou serviço” e manter o contrato temporário devido a circunstâncias de produção (devido a uma acumulação de tarefas ou um excesso de pedidos) com algumas pequenas modificações, já que dois subtipos foram introduzidos. Agora as empresas poderão recorrer a esta modalidade temporária, primeiramente, quando houver um “aumento ocasional e imprevisível e flutuações que, mesmo sendo atividade normal da empresa, geram um descompasso temporário entre o emprego estável disponível e o necessário”, com duração máxima de 6 meses, prorrogável por mais 6 meses se o acordo de negociação coletiva assim o permitir. Em segundo lugar, este tipo de contrato temporário também pode ser assinado para lidar com situações ocasionais, mesmo que sejam previsíveis, com uma duração máxima de 90 dias no ano civil.

Em resumo, eles reformulam o contrato temporário para acumulação de tarefas ou pedidos em excesso para deixá-lo praticamente inalterado.

A novidade de criar um tipo específico de contrato temporário é reduzida a apenas 90 dias para ser aplaudida porque implica algum progresso na legislação? De acordo com o relatório Custos Econômicos e Sociais da Instabilidade do Emprego, produzido pelo Escritório Econômico Confederal das CCOO, os 4,4 milhões de empregados temporários são divididos entre mais de 20,3 milhões de contratos por ano (4,61 contratos por pessoa com um contrato temporário por ano em média), o que nos dá uma duração média de contratos temporários de menos de 80 dias.

Portanto, se levarmos em conta que a grande maioria dos contratos temporários dura menos do que os 90 dias que foram estabelecidos como duração máxima desses contratos, o impacto da regulamentação sobre o mercado de trabalho será mínimo. Além disso, nos casos em que a duração prevista é superior a 90 dias, o que poderia significar a antecipação da rescisão da relação de trabalho, como forma de evitar a conversão do contrato em contrato por tempo indeterminado, com o qual a reforma apenas ajudaria a promover a já muito alta taxa de rotação de empregos que caracteriza o mercado de trabalho na Espanha.

Finalmente, se considerarmos também que a essência da reforma trabalhista do PP (o custo do despedimento) permanece intocada, a consequência da eventual conversão de um contrato temporário em permanente não seria tão grave para o empregador, pois o despedimento de um trabalhador permanente que está trabalhando há 120 dias, por exemplo, implica apenas na necessidade de pagar seu salário de 11 dias, o que significa um custo extra de menos de 10% ao longo da duração do contrato.

2. ALGUMA COISA MUDA NOS CONTRATOS DE ESTÁGIO?

A regulamentação dos contratos de estágio permanece inalterada. A regra permanece: deve ser concluído dentro de cinco anos após a conclusão dos estudos. A única inovação é que, sob a legislação atual, este tipo de contrato pode ser celebrado com pessoas deficientes por até sete anos após a obtenção do diploma acadêmico que dá origem ao estágio, duração que é reduzida para seis anos na proposta governamental.

3. O CONTRATO DE TREINAMENTO PARECE ESTAR MUDANDO… E PIORANDO

Enquanto até agora era possível utilizar este tipo de contrato para contratar jovens entre 16 e 25 anos que não possuem as qualificações necessárias para um contrato de estágio, na reforma governamental esta possibilidade é reduzida como regra (há exceções) para jovens entre 16 e 21 anos.

Em resumo, dado que o contrato de treinamento é temporário e restringe os direitos dos trabalhadores sob um contrato regular, é positivo que a idade máxima em que este tipo de contrato pode ser celebrado seja reduzida de 25 para 21 anos, e que sua duração normal seja reduzida de três para dois anos; mas é negativo que a duração mínima seja reduzida do atual um ano para seis meses e que o tempo mínimo a ser gasto em treinamento durante o primeiro ano seja reduzido de 25% para 15%.

 4. CONTRATO INDEFINIDO: REFORMULAÇÃO DAS MODALIDADES, PUBLICIDADE E NADA MAIS

Com relação ao contrato permanente, a claque midiática do Governo está tentando nos vender a ideia de que, a partir da nova redação do ET, como regra, os contratos serão permanentes e que os contratos temporários serão apenas aqueles que se enquadram expressamente em uma das modalidades de contratos temporários, e que, em particular, os contratos assinados para cobrir empregos sazonais (catering, campanhas de Natal, etc.) se tornarão permanentes. Entretanto, deve ser dito que, em termos legais, este já é o caso, de modo que a suposta inovação seria uma espécie de descoberta de pólvora.

O novo contrato proposto pelo Governo cobriria essas duas modalidades, podendo ser concluído “para a execução de trabalhos de natureza sazonal ou ligados a atividades produtivas sazonais, para a execução de trabalhos que não sejam de tal natureza, mas com datas de chamada certas, mas indeterminadas”, bem como para a realização de trabalhos que consistem na prestação de serviços no âmbito da execução de contratos comerciais ou administrativos que, sendo previsíveis, fazem parte da atividade ordinária da empresa”, esta última circunstância incluindo contratos, que ainda são um subtipo contratual no caso de contratos permanentes com “datas de convocação certas mas indeterminadas”.

5. ALGUMA COISA VAI MUDAR NA SUBCONTRATAÇÃO?

As empresas podem solicitar os serviços de outras empresas para realizar parte da atividade que compõe o processo de produção, confiando tarefas a uma empresa externa, que é chamada de subcontratação ou terceirização. Mais uma vez, os interesses comerciais prevaleceram: está estabelecido que a referência para os trabalhadores subcontratados é o acordo setorial para a atividade em questão, mas se a empresa da qual eles dependem tem seu próprio acordo, este é o que se aplicaria. Entretanto, dado que a prevalência do acordo setorial foi acordada em relação aos salários, na prática estes continuariam a ser fixados pelo setor. A empresa não seria capaz de minimizar os salários, embora não seja o caso para outras condições de trabalho (dias úteis, horas de trabalho, remuneração ou pagamento de horas extras, etc.).

6. NÃO SE RESTABELECEM AS ANTERIORES INDENIZAÇÕES PELAS DEMISSÕES E NENHUM RETORNO DE SALÁRIOS DE TRAMITAÇÃO.

Isto é algo que já sabíamos desde o início das negociações, pois nunca esteve em cima da mesa para restaurar as indenizações que foram cortadas pela reforma trabalhista do PP de 2012. Lembramos que, até 2012, a indenização por demissão injusta totalizou 45 dias de salário por ano trabalhado com um máximo de 42 pagamentos mensais, e que a empresa, mesmo quando optou pela indenização em vez de readmissão, teve que pagar o salário de tramitação em qualquer caso. Com a reforma trabalhista de 2012, essas indenizações foram reduzidas para 33 dias de salário por ano, com um teto de 24 pagamentos mensais, e o salário de tramitação desapareceu quando a empresa optou pela indenização por demissão.

Bem, parece que para o governo de coalizão de “esquerda”, o grande corte nos custos de demissão das empresas não faz parte dos aspectos “mais prejudiciais” da reforma trabalhista anterior. A demissão segue sendo tão barato quanto era sob o PP, algo que eles nem ousaram levantar no início das negociações com os empregadores.

Acrescente-se a isto o fato de que a abolição dos salários de tramitação deu origem a uma greve geral em 20 de junho de 2002, quando o PP fez uma primeira tentativa fracassada de introduzi-la pela primeira vez em nossa legislação, e a duas greves gerais em 2012 (as de 29 de março e 14 de novembro), ambas contra a reforma trabalhista da qual esta abolição foi um componente essencial. Agora, entretanto, CCOO e UGT parecem aceitar o que ontem consideraram inadmissível, e a esquerda política santifica este aspecto essencial da reforma trabalhista do PP, revelando até que ponto todas estas organizações que vivem do sistema pseudo-democrático corrupto se degeneraram.

7. A DEMISSÃO CONTINUARÁ A SER NÃO APENAS BARATA, MAS TAMBÉM MUITO FÁCIL DE JUSTIFICAR.

Também não estão sendo revogadas as enormes facilidades de demissão coletiva e demissão individual objetiva por motivos econômicos, técnicos, organizacionais e de produção introduzidas com a reforma trabalhista do PP.

Recordemos que, antes da reforma de 2012, as demissões coletivas exigiam autorização administrativa. O PP não só facilitou e ampliou as causas do despedimento coletivo, mas também eliminou a fase administrativa de tal forma que, se o período de consulta com os representantes dos trabalhadores terminasse sem acordo, a empresa poderia impor o despedimento coletivo a seu critério, deixando apenas a possibilidade de contestá-lo perante os tribunais. O governo PSOE-UP deve estar bem com estes cortes de direitos porque eles nem mesmo tentaram mudá-los.

O mesmo vale para as facilidades introduzidas pela reforma de 2012 para despedimentos individuais objetivos, que são aqueles que são compensados com apenas 20 dias por ano trabalhados com um teto de 12 pagamentos mensais: eles não são tocados e não há menção a isso, como se a facilidade de despedimento não fosse extremamente prejudicial para a classe trabalhadora.

8. E QUANTO À REFORMA TRABALHISTA FEITA PELO PSOE EM 2010?

Essa reforma trabalhista, aquela feita pelo governo de Zapatero em 2010, nem sequer é mencionada, tomando-a tacitamente como certa, talvez na esperança de que a reforma mais profunda e prejudicial do PP em 2012 a apague de nossa memória.

Mas a CNT não o esquece: nessa reforma, entre outros cortes de direitos, começou a estender os casos em que a compensação por demissão injusta era de 33 dias por ano (ao invés de 45 dias), estendendo-a não apenas aos contratados sob a modalidade de “promoção de emprego” como antes, mas também aos trabalhadores com mais de 3 meses nas listas de desemprego, os desempregados entre 31 e 44 anos de idade que tiveram um contrato permanente e que tiveram um contrato permanente em outra empresa rescindido, os desempregados que tiveram contratos temporários nos dois anos anteriores e os trabalhadores temporários que a empresa quis tornar permanente desde a reforma. Além disso, inaugurou o caminho de facilitar despedimentos objetivos por razões econômicas e estabeleceu despedimentos objetivos por absenteísmo.

9. OS CORTES NO FOGASA TAMBÉM SÃO INTOCADOS

Uma das questões que não foi abordada ou modificada na reforma trabalhista é o regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, o órgão que paga aos trabalhadores o valor dos salários em atraso e as indenizações em caso de insolvência da empresa. A Espanha é atualmente o país com o maior aumento de insolvências de empresas, o que nos dá uma ideia da importância deste órgão que, em muitas ocasiões, é responsável pelo pagamento aos trabalhadores do que lhes é devido.

Durante 2012, o sistema de cálculo do benefício pago pelo FOGASA foi modificado, de modo que o escopo de sua responsabilidade foi limitado e, desta forma, o valor que os trabalhadores podem receber deste órgão em caso de insolvência do empregador foi significativamente reduzido.

Por um lado, o valor máximo a ser pago como salário foi reduzido de três vezes o salário mínimo diário com um máximo de 150 dias para o dobro do salário mínimo diário com um máximo de 120 dias.

A responsabilidade do FOGASA pelo valor a ser pago como indenização por demissão também foi reduzida. Assim, a base de cálculo passou de três vezes o salário mínimo para o dobro do salário mínimo.

Da mesma forma, o regime especial existente para empresas com menos de 25 trabalhadores foi modificado, reduzindo o valor a ser pago em caso de rescisão do contrato em decorrência de demissão baseada em causas econômicas, técnicas, organizacionais ou de produção de 40% da compensação legal para um máximo de 8 dias de salário, e afetando apenas os contratos permanentes.

10. REFORMA TRABALHISTA E REFORMA PREVIDENCIÁRIA: UM JOGO DE TRAPACEIROS

Finalmente, como arremate desta degeneração, devemos lembrar o que está acontecendo com as pensões, outro caso de neolinguagem, no qual o mais grave ataque ao poder aquisitivo das pensões nos últimos anos está sendo encoberto com verborreia que tenta esconder a realidade. De fato, na última quinta-feira, 2 de dezembro, o Congresso aprovou a reforma previdenciária promovida pelo Ministro José Luis Escrivá, uma lei cuja principal razão de ser é a atualização das pensões em consonância com o IPC (um índice existente na Espanha), mas com uma armadilha pouco disfarçada quando se trata de calcular o referido IPC.

A fórmula que sempre foi usada é o IPC acumulado ou o IPC anual, um verdadeiro reflexo de quanto o custo de vida aumentou. Mas o pacto de pensão entre o governo, os dois sindicatos a serviço do poder e a associação patronal escolheu outra fórmula: o IPC médio anual durante os 12 meses anteriores, o que aqui e agora significa uma perda de 3% no poder aquisitivo. Embora o IPC anual seja de 5,5%, as pensões subirão apenas 2,5%. Assim, por meio de uma espécie de jogo verbal, típico dos trapaceiros da palavra que estas organizações se tornaram, as pensões estão subindo de acordo com o IPC, mas o IPC não é mais calculado como tem sido até agora, a fim de encobrir este ataque aos bolsos dos pensionistas.

Fonte: https://www.cnt.es/noticias/reforma-laboral-2021-una-estafa-a-favor-de-la-patronal/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

lua n’água
entre pétalas
alumbra o abismo

Alberto Marsicano