Por Amaya Castillo Garcia
A crise ecológica não é mais uma questão marginal ou que pode ser ignorada. Ameaça nossa saúde, nossa comida, nossa segurança, nosso futuro. Ninguém está ou estará totalmente seguro, mas seus efeitos são sofridos de forma desigual: são e serão mais graves quanto mais vulneráveis formos, quanto mais pobres, mais despossuídos e mais oprimidos formos. Os conflitos ambientais são uma gigantesca luta de classes, e o que está em jogo é o capitalismo ou a vida.
Nosso sistema socioeconômico baseado no uso crescente de materiais fósseis e energia é incompatível com os limites biofísicos do planeta que habitamos. Por muito tempo, contamos com as capacidades da técnica e da tecnologia para ultrapassar esses limites. Vivemos pensando que o “progresso” nos salvaria, que a “ciência” inventaria algo, que a eficiência do sistema poderia ser melhorada para reduzir a dependência de materiais e energia. Mas, ano após ano, nossa marca no planeta se aprofunda e as consequências disso se revelam mais graves. Essa ciência que esperávamos nos salvar agora nos diz, com alto nível de consenso, que a situação é muito grave e que é preciso agir com urgência. Continuar a fugir é nada menos que suicídio coletivo, pois estamos diante de uma possível situação de colapso.
Correr para a frente é o que temos feito há séculos. A cultura ocidental foi construída sobre as ideias de “progresso”, “desenvolvimento” e “crescimento”. Era preciso produzir mais, construir mais, consumir mais. Associamos esse progresso a melhorias na saúde ou nutrição, a artigos e produtos que tornaram nossa vida mais confortável e agradável, ou a vitórias políticas e sociais que nos fizeram adquirir mais direitos ou liberdades. Portanto, questionar o mantra do progresso e do crescimento é, no mínimo, suspeito. E, no entanto, hoje é radicalmente necessário. Em um contexto de profunda crise ecossocial como o que estamos vivendo, não podemos deixar de analisar e criticar esses conceitos, pois o capitalismo os utilizou para legitimar seu domínio colonial, extrativista e patriarcal sobre o planeta.
No recente livro Técnica e Tecnologia, Adrián Almazán recolhe e atualiza grande parte da tradição antidesenvolvimentista e da crítica à sociedade tecno-industrial. Neste trabalho defende que tecnologia, progresso e desenvolvimento não são neutros ou imparciais e afirma que é “hora de mostrar que o progresso esconde interesses muito específicos e responde a um programa político e social muito específico. Chegou a hora de as sociedades ocidentais deixarem de tornar invisível o enorme preço que a Terra e seus habitantes pagaram em troca de seu progresso egoísta, de curto prazo e genocida.”
Diante dessa situação, o que podemos contribuir do movimento libertário? Como podemos contribuir para uma proposta emancipatória, transformadora e justa (mas também atrativa) que leve em conta essas questões e se situe nos limites da biosfera? Isabelle Stengers diz em seu livro In Times of Catastrophe que, como civilização “estamos o mais mal preparados possível para produzir o tipo de resposta que a nova situação exige”. No entanto, não é uma prova de impotência, mas um ponto de partida. Dói concordar com essa afirmação, mas por outro lado não vamos perder de vista que muitas das estratégias e ferramentas que serão úteis em cenários futuros são precisamente anarquistas. Esse é o nosso ponto de partida.
É importante valorizar o conceito de autonomia e talvez ressignificá-lo. O sistema capitalista industrial “expropriou” muitas de nossas capacidades, erodindo cada vez mais nossa autonomia social, política, econômica, energética, alimentar, técnica… Como engrenagens da engrenagem capitalista, hoje vamos ao mercado para satisfazer quase todas as nossas necessidades. Alimentação, vestuário, habitação, mas também relações sociais ou lazer, praticamente tudo o que fazemos e necessitamos é mediado por serviços ou produtos que são gerados, processados e distribuídos industrialmente. Incapaz de intervir ou intrometer-se nestes processos, sem poder para definir determinados critérios éticos ou ambientais, nos tornamos cada vez menores como sujeitos políticos e reforçamos involuntariamente este sistema explorador e expropriador. Recuperar a autonomia ou construí-la continua sendo um objetivo a ser seguido. A partir dos sindicatos, pode ser gerada uma infinidade de iniciativas (e já estão sendo feitas em muitos casos): desde a criação de cooperativas de trabalho, até a formação de grupos de consumo agroecológico, passando por propostas alternativas de lazer, ou indo além, talvez possamos até considerar pensar coletivamente sobre propostas de habitação ou energia.
Por outro lado, podemos estar nos aproximando de cenários em que as capacidades dos Estados serão ainda mais reduzidas do que agora. Luis González Reyes e Ramón Fernández Durán falam em The Spiral of Energy sobre uma possível “falência dos fósseis estados-nação, pois são estruturas complexas demais para se sustentarem em um ambiente de energia disponível em declínio”. Os Estados terão que enfrentar crises multidimensionais (social, climática, energética, ecológica, assistencial…) com orçamentos cada vez mais precários e em seus esforços para proteger as estruturas de poder e os poderosos, deixarão cada vez mais pessoas fora da cobertura de serviços públicos, o que levará a uma menor legitimidade social e a um maior conflito. Para evitar que esta situação leve a cenários ecofascistas ou “cada um por si”, vamos precisar de muita organização coletiva e claro muito apoio mútuo e solidariedade. Já experimentamos em várias ocasiões como a sociedade civil é capaz de se auto-organizar e dar uma resposta coletiva e solidária em situações de emergência ou extrema necessidade. Se isso acontece espontaneamente, o que não podemos conseguir sendo mais e melhor organizados? Dado que é muito provável que a frequência e gravidade deste tipo de eventos aumentem, é fundamental trabalhar para restabelecer os laços comunitários, fortalecer as redes de apoio que já existem e caso não existam criá-las de raiz. A experiência e as práticas libertárias serão mais necessárias do que nunca.
Tão importante quanto valorizar as propostas libertárias é incorporar as contribuições dos movimentos feminista, ambientalista, antirracista, indígena ou rural e continuar se entrelaçando com eles. Não se trata de substituir algumas lutas por outras, mas de conseguir conexões entre diferentes tipos de resistência, fugindo da ideia de ter que priorizar um em detrimento do outro, pois todos vamos precisar uns dos outros.
Para enfrentar os desafios que enfrentamos como sociedade, precisaremos de mais e melhor anarquismo, muito trabalho coletivo, criatividade e, sobretudo, uma grande capacidade de tolerar a incerteza e a imprevisibilidade. O futuro, que sempre foi incerto, agora é ainda mais. Hoje nadamos na precariedade e no desequilíbrio e não podemos nos enganar nem enganar ninguém prometendo certezas ou segurança. Claro que continuaremos imaginando utopias e caminharemos em direção a elas, mas se podemos ser úteis em alguma coisa, é na construção de novos mundos e possibilidades hoje e agora, e temos que fazê-lo nestas ruínas e neste terreno, mesmo se está rachando sob nossos pés. Trata-se de buscar caminhos para a emancipação, sim, mas não para nos emanciparmos da terra que pisamos e que nos permite viver. Emancipar-nos, sim, mas não das comunidades (humanas e não humanas) que nos apoiam e cuidam de nós.
Fonte: https://www.cnt.es/noticias/crisis-ecosocial-y-emancipacion/
Tradução > GTR@Leibowitz__
agência de notícias anarquistas-ana
Neste bosque urbano
árvore feita em concreto
– meu corpo estremece.
Eolo Yberê Libera
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!