Por Peter Gelderloos
A guerra atual na Ucrânia é difícil de encarar, não apenas para aqueles de nós com amigos e camaradas lá, lutando ou sobrevivendo, ou que já fugiram e agora se encontram em condições de rua; muitos pela segunda vez, no caso dos muitos refugiados que se abrigaram na Ucrânia nos últimos anos.
É também difícil saber como nos posicionar, dado que este parece ser um conflito com apenas dois lados, e ambos — OTAN e Rússia — estão sistematicamente envolvidos em torturas, assassinatos, repressão, exploração, racismo e ecocídio, domesticamente e no mundo inteiro.
Como anarquistas, entretanto, quando olhamos para o mundo a nossa volta, temos que estar cientes das campanhas de Estado e das estruturas do capitalismo, mas também criar espaço em nossa análise para as necessidades e ações das pessoas de fora das e contra essas forças.
Intervenções Anarquistas
Como fazemos com frequência, muitos anarquistas na Ucrânia e nos países próximos estão focados em dar apoio — ao concentrar recursos e compartilhá-los de forma a empoderar — a pessoas que sofreram danos e àquelas que perderam seus lares, bem como ao um milhão de refugiados produzidos pela guerra.
Muitos anarquistas estão também escolhendo lutar contra a invasão russa, mesmo que isso possa requerer algum nível de colaboração com as forças governamentais da Ucrânia. É significativo, contudo, que muitos desses que estão lutando sejam russos que já fugiram do país quando o governo de Putin se tornou um regime mais totalitário.
As experiências revolucionárias da Makhnovschina, e da Revolução Mexicana há cem anos, ao Curdistão de hoje, mostrou-nos que Estados não nos deixam qualquer parte de seus conflitos. É de seu interesse que seus conflitos estejam sempre entre versões minimamente diferentes do Estado. Uma vez que já faz muito tempo que não há um território totalmente independente de qualquer Estado para defender, um posicionamento anarquista significa criar nosso próprio espaço, lutar ao lado de forças estatais dispostas a nos oferecer alianças contra outras forças estatais que nos aniquilariam a qualquer momento. A lição histórica parece ser que, nessas situações, precisamos manter quanta autonomia pudermos para pensar continuamente em um horizonte revolucionário e transformativo, e não confiarmos ingenuamente na decência de aliados do Estado. Aprendemos também que revoluções, subordinadas às necessidades puras da guerra, murcham e morrem, mas, algumas vezes, pela mera sobrevivência, pessoas precisam se engajar no conflito e lutar. Na Guerra Civil Espanhola, até individualistas disciplinados apoiaram o engajamento com as imperfeições da situação, ao invés de fugir para manterem suas bolhas de pureza.
Essa pode ser uma lição difícil de afirmar porque em todos os outros momentos nossa posição de não fazer alianças com partidos políticos ou outras estruturas governamentais foi provada correta. Pelo que conhecemos, o falso pragmatismo que justifica tais alianças — com essa nova lei corrente, com esse novo governo no poder, nossos movimentos revolucionários serão mais fortes — nunca se confirma.
Mas também vimos que, quando há a erupção de um grande conflito, precisamos encontrar uma posição radical dentro dele, até e especialmente quando o enquadramento geral desse conflito não dá espaço para posições anárquicas. Defender ficar em casa como a coisa mais apropriada para os anarquistas quase sempre facilita que os centristas ou a extrema direita dominem esses conflitos.
A guerra é a saúde do Estado e é também onde revoluções morrem, mas ignorá-las não é uma opção, já que ameaçam nossa sobrevivência individual e coletiva, destroem movimentos sociais e esmagam estruturas comunais. Em situações de guerra, anarquistas não têm respostas fáceis; devemos equilibrar as necessidades conflitantes de sobrevivência a curto prazo e um horizonte revolucionário, com as lições conflitantes de sempre dar espaço a posições anarquistas em um conflito, nunca confiar em Estados, e não ser capaz de agir partindo de um lugar de pureza ou isolamento.
Sugeriria ainda uma outra lição. Não fizemos um trabalho adequado ao analisar as falhas dos movimentos anarquistas ao longo do século XX. Tem sido vital lembrar nossos mortos, mas isso frequentemente fora traduzido em uma romantização de um ímpeto de morte coletivo. Precisamos reconhecer como as perdas em nossos coletivos causaram uma grande interrupção à continuidade da nossa luta. Essa perda de memória e intergeracionalidade resultantes nos puxam para trás. A lição é que realmente precisamos valorizar mais nossa sobrevivência.
Ganhadores e perdedores
Aqueles que perdem mais em qualquer guerra são as pessoas e a terra, e aqueles que são oprimidos, de uma maneira ou de outra, são os mais vulneráveis à violência que se desencadeia. Não importa quem ganha ou perde, a coragem de lutar para defender o coletivo deve ser celebrada, mas a guerra em si não.
Ao contrário, deveríamos condenar a guerra e quem a instiga enquanto também tentamos entender a particularidade de cada guerra. Como o desfecho desse conflito afetará a geopolítica corrente, moldando as guerras que o seguirem, ambas frias e bélicas?
Penso que, independentemente de um país de governo democrático ocidentalizado como a Ucrânia sobreviver à guerra, já podemos dizer com um bom nível de certeza que, entre os Estados envolvidos, os perdedores serão os Estados Unidos e a Rússia, e os vencedores serão a China, Índia, Arábia Saudita e outros Estados de gama média. E, entre os capitalistas, além da observação óbvia de que as empresas de armamento lucrarão muito, podemos contar também as empresas de energia — ambas de combustíveis fósseis e de fontes renováveis — como grandes vencedoras.
A Rússia perderá todo seu brilho como um superpoder e quase toda a sua influência local se falhar em destituir o governo ucraniano, embora, se conseguir tomar Odessa e, com ela, a totalidade do litoral ucraniano, terá adquirido um prêmio de consolação significativo. Mas, mesmo que a Rússia vença a Ucrânia, terá acelerado a expansão da OTAN em suas fronteiras e se isolado da maioria dos outros países e órgãos internacionais. Terá acelerado também o declínio de seu maior braço econômico a nível mundial, sua importação de combustíveis fósseis, atrás apenas dos Estados Unidos no setor, mas uma porção imensa de seu PIB (mais de 50%, na verdade, o que mostra que a Rússia não tem uma economia sem a exportação de combustíveis fósseis).
As sanções econômicas impostas por instituições ocidentais não colocarão o governo russo de joelhos. Como efetivamente detalhado aqui, não alcançaram esse objetivo no Irã e a Rússia é muito mais protegida contra tais sanções. Mas elas servem para limitar suas alianças globais e influência econômica, e podem talvez até encorajar parte da classe capitalista russa a considerar um governo sem Putin.
O cancelamento do gasoduto Nord Stream 2, que iria fornecer mais combustíveis à Alemanha e ao mercado europeu, foi uma perda muito maior do que um governo amigável na Ucrânia pode reparar. Meu único palpite é que Putin cometeu esse erro de cálculo porque foi intimidado pelas rebeliões recentes no Cazaquistão, outro país que Moscou vê como seu quintal. Como estadista e, mais ainda, um com antecedentes em serviços de inteligência, Putin é propenso à visão paranoica e irrealista sofrida por líderes governamentais de todo lugar de que o povo não é inteligente o suficiente para se revoltar sozinho e o faz apenas como marionete. Ele provavelmente leu equivocadamente os protestos no Cazaquistão como uma interferência ocidental, um passo rumo ao desmantelamento final do Império Russo, criado pelos tsares em séculos de guerras sangrentas contra centenas de povos indígenas, expandido pelos capitalistas de Estado da União Soviética e herdado em uma forma diminuída por Putin, que é explicitamente um revanchista.
A razão pela qual o governo estadunidense será um perdedor é mais sutil, mas extremamente importante. Primeiro, contudo, vamos olhar para o que os Estados Unidos já conquistou. Pôs-se em um conflito com relativamente pouco risco direto, no qual não está garantido que fique do lado “bom”. Ainda mais, esse é um conflito que aumenta drasticamente a unidade europeia, revivendo o euronacionalismo e levando a Alemanha e a França para longe de sua amizade com a Rússia. Isso só pode ser algo bom do ponto de vista da OTAN. Ainda mais, os Estados Unidos aumentaram sua credibilidade, muito abalada após os anos de Bush e Trump.
Uma semana antes da invasão, tinha certeza de que a Rússia não atacaria a Ucrânia, quase que inteiramente porque o governo estadunidense disse que atacaria. Os relatórios diários parafraseando anonimamente oficiais de inteligência parecia tirado dos moldes utilizados para preparar o público para a invasão do Iraque em 2003. Ao que parece, entretanto, o governo estadunidense tem muitas cartas na manga e, desta vez, diziam a verdade. Em um uso mais atípico de guerra de informação, os Estados Unidos parecem transmitir inteligência precisamente escolhidas das comunicações do alto escalão do governo russo para assustar Moscou com o quanto sabem.
Essa predição equivocada foi um grande erro de minha parte porque constituiu cair em uma crítica liberal do governo. Como anarquistas, não nos opusemos a governos porque eles mentem, nós nos opusemos a sua existência como uma agressão a todos e todas e, independente de mentirem ou falarem a verdade, baseiam-se em seus interesses na manutenção do poder sobre todos os outros.
Então, por ora, os Estados Unidos recebem uma imagem de honestidade, decência e paz, uma grande mudança de sua imagem na mídia desde o fim da era Clinton.
Contudo, o novo brilho na marca manchada do governo estadunidense pode fazer nada para reverter o resultado mais importante desta guerra, em termos geopolíticos. Trata-se da aceleração da emergência de um mundo multipolar no qual nenhum Estado exerce hegemonia. Por causa de sua necessidade de ainda acessar energia russa e pagar por essas transações e sua ciência de sua própria vulnerabilidade a sanções, países como a China e a Índia estão rapidamente desenvolvendo alternativas ao sistema europeu SWIFT para transações bancárias e aos mercados de ações e produtos que dependem do dólar como a moeda comum.
Mesmo que a Rússia perca esta guerra ou se torne um pária completo, os Estados Unidos estão perdendo rapidamente seu poleiro de superpotência mundial. Isso ocorre em grande parte porque a hegemonia estadunidense nunca foi baseada primariamente em seu poder militar, ainda que fosse um ingrediente necessário. Mas o poder militar estadunidense sozinho foi suficiente apenas para manter governos aliados ocupados no Oeste Europeu e América Latina. A projeção de força de Washington foi arriscada em todos os outros lugares do mundo, como demonstrado na China, Coreia, Vietnã, Zimbábue, Afeganistão…
É fato que quase toda atividade econômica no mundo, até em assim chamados países socialistas, dependeu direta ou indiretamente em sua moeda e instituições financeiras, o que fez dos Estados Unidos o país mais poderoso do mundo. E essa realidade está chegando ao fim. Já estava acabando, como apontei em Diagnostic of the Future, mas todas as sanções ligadas à guerra que está acontecendo estão acelerando as coisas, ao invés de retardando-as. Os Estados Unidos estão usando suas armas econômicas mais potentes em um período que está em estado de tensão diplomática com muitos dos poderes médios mundiais, motivando esses governos a criarem defesas efetivas, com a maior parte da atividade econômica mundial saindo do NAFTA e da União Europeia.
Quanto aos vencedores capitalistas, esta guerra nos dá outro lembrete trágico de como energia renovável e combustíveis fósseis não são forças opostas; ao contrário, sempre cresceram em tandem e o que é bom para um tende a ser bom para outro.
Caso em questão, a Europa está sendo forçada a perceber o quão perigosa sua dependência do combustível russo é. Metade do combustível utilizado na Europa vem da Rússia e entre um quinto e um quarto da geração de energia na Europa vem desse combustível, com muitas casas se aquecendo e abastecendo fogões com esses recursos.
A resposta dos governos europeus tem sido a aceleração simultânea da mudança para energia renovável, com uma redução de 40% do uso de combustíveis fósseis até 2030, enquanto também aumentam a importação de combustíveis para serem estocados antes do próximo inverno e pressionam novos gasodutos para que tragam combustíveis não-russos para a Europa. Esses novos gasodutos provavelmente carregariam combustíveis do norte africano pela Espanha. Incidentalmente, os militares russos, através do Wagner Group, estão envolvidos em muitas guerras sangrentas no norte africano, assim como a França, um dos colonizadores de longa data da região.
E, embora os Estados Unidos continuem na liderança da produção mundial de petróleo e não sejam dependentes da produção russa, são dependentes da economia mundial sustentada por combustível barato e podem entrar em parafuso por um aumento rápido nos preços. Ainda não sabemos se a guerra na Ucrânia terá qualquer efeito ao acelerar a necessidade de energia renovável, dado quão retrógrado os Estados Unidos são na política e em infraestrutura, mas já conseguimos ver como Washington está investindo no lobbying da OPEC para o aumento da produção de petróleo.
Fronteiras e refugiados
Uma das áreas mais importantes de ação anarquista — e um local de grande potencial de organização desde o início — é em volta do problema de fronteiras e refugiados. A invasão russa produziu um milhão de refugiados em apenas uma semana e esse número continua subindo. Essas são pessoas que precisam de acesso a moradia, saúde, recursos ou empregos, afeto e apoio. Isso é algo que anarquistas não perderam tempo ajudando a organizar da Polônia à Espanha.
Temos também adicionado nossas vozes à raiva sobre a hipocrisia supremacista branca que caracteriza como refugiados ucranianos brancos são recebidos em comparação com refugiados da Síria, Iraque, Afeganistão e do norte da África, bem como as pessoas racializadas fugindo da Ucrânia.
Podemos, talvez, focar essa raiva de maneiras mais efetivas. Podemos nos atentar a como a mídia tradicional e partidos políticos que se vendem como progressistas são também responsáveis por reforçar as dinâmicas coloniais do capitalismo, e podemos pressionar ONGs e outras instituições que se consideram parte da esquerda para pôr um fim em suas práticas racistas e dedicar mais recursos às crises atuais de refugiados em outras partes do mundo. Projetos anarquistas que criam segurança, autonomia e moradia para e por migrantes continuarão a operar da Grécia aos Países Baixos. Mas, se pudermos intervir para pressionar esquerdistas com acesso a mais recursos para distribuí-los com mais equilíbrio, não apenas para refugiados brancos, fará uma grande diferença em muitas vidas e limitará ambas as formas que a direita e o centro estão encorajando o nacionalismo no conflito presente e mobilizará a xenofobia em resposta a refugiados racializados.
Outra coisa que podemos fazer na presente situação é perceber novamente o quão importantes são as relações diretas para a solidariedade internacional em meios anarquistas. Em tempo real, anarquistas de algumas áreas mobilizaram tanto para o Curdistão, Hong Kong, Chile, Chiapas ou Oaxaca quanto para a Ucrânia, embora a mídia tradicional mantenha seu silêncio sobre muitas das antigas guerras e repressões. O entusiasmo de nossa mobilização não se sujeita a práticas racistas, fortuitamente, mas aos relacionamentos globais desenvolvidos em uma cena radical particular, que em sua maioria é composta a partir de padrões globais de migração e viagens de solidariedade que levam a relações pessoais, espalhando-se além de fronteiras.
Precisamos ser mais estratégicos ao construir e coletivizar relações internacionais para aumentar o fluxo de informação e apoio com outras áreas do globo que enfrentam guerras ou repressão. Por exemplo, solidariedade e informação confiável sobre as guerras atuais no Sudão e na Etiópia são bem menos discutidas.
Para mais sobre solidariedade internacional [em inglês], confira:
https://roarmag.org/essays/international-solidarity-gelderloos/
“Tankies Gonna Tank”
Infelizmente, temos que dedicar algum tempo às análises horríveis de autoritários de esquerda, que mais uma vez acharam apropriado comemorar os tanques enviados por Moscou, como fizeram em 1956 e novamente em 1968. A única razão pela qual ainda são relevantes é porque fornecem um enquadramento simplista e maniqueísta que é altamente compatível com políticas de Estado – compatível no sentido de não ser subversivo.
Então comecemos com alguns fatos que deveríamos ser capazes de discutir sem cair em uma visão de mundo dualista. Da perspectiva do governo de Moscou, sua invasão na Ucrânia foi de fato um ato de autodefesa. Desde a década de 1990, a Rússia foi crescentemente rodeada por bases da OTAN, sendo a OTAN uma aliança militar fundada especificamente para se opor ao poder russo. Em 2014, um governo aliado à Rússia foi tirado do poder por um movimento popular na Ucrânia e substituído por um governo favorável ao Ocidente, e apenas alguns meses atrás outra ação popular quase fez o mesmo no Cazaquistão, um dos poucos países ainda mais ou menos na órbita da Rússia.
Quando se é um governo, não se crê na legitimidade de movimentos populares. Eles são pratos sem sal necessários para eleições ou formas de expressão irrelevantes e incômodas que estão fora dos canais do governo. Quando se é uma democracia, são uma vitrine que prova que os cidadãos são livres, desde que não tentem realmente fazer algo, e, quando não se é uma democracia, são formas menores de traição. Quando protestos passam dos limites para a ação direta, transformam-se em ofensas criminais que precisam ser erradicadas. Nesses casos, são provavelmente casos de guerra híbrida orquestrados por seus inimigos porque, quando se é um governo, sua existência se baseia na crença de que o povo é incapaz de se organizar sozinho.
Então, sim, parte das informações sobre as quais a Rússia está agindo é fato (bases da OTAN) e outra é paranoia (poderes estrangeiros arquitetando todos os movimentos e protestos desde 2011), mas, independentemente, o governo russo está agindo em sua defesa.
Contudo, o que os Cold Warriors e stalinistas não compreendem é que você tem os mesmos exatos resultados se privilegiar a perspectiva de qualquer outro Estado. Todos os Estados estão agindo de acordo com os próprios interesses. O governo ucraniano também está claramente agindo em sua própria defesa quanto tenta se aproximar do Ocidente porque, é inegável, do Afeganistão à Chechênia, o poder russo é uma ameaça a seus vizinhos. Pelas mesmas razões, a Polônia e a Lituânia e todo o resto agiram em sua defesa quando pediram para entrar para a OTAN. Até os Estados Unidos estão agindo em defesa própria quando tentam se livrar de Putin porque Putin é hostil aos Estados Unidos e possui um arsenal nuclear capaz de tirá-los do mapa.
Esse é um dos problemas de Estados. Eles inevitavelmente criam guerras e conflitos porque seus interesses são mutuamente excludentes com os de outros Estados. Eles pensam que estão se defendendo quando, na realidade, estão trancados em uma dinâmica que os forçam a tentar conquistar o mundo, subordinar-se a outro Estado com uma chance maior de conquistar o mundo, ou entrar em colapso. É por isso que não nos importamos com os interesses dos Estados e, ao invés disso, buscamos destruir todos eles. Instituições não deveriam ter um direito de sobrevivência que supera as necessidades de sobrevivência das pessoas e do planeta.
Então stalinistas levantam a bandeira dos interesses legítimos da Rússia enquanto ignoram os interesses dos outros Estados. Falam sobre o imperialismo estadunidense, mas ignoram o russo. Na verdade, stalinistas e a extrema direita com frequência chegam a análises similares porque o stalinismo é uma ideologia de direita. Stalin explicitamente ligava a expansão da União Soviética com o Império Russo. Falas sobre “a pátria” era prevalecente na Rússia após a Segunda Guerra Mundial (e é novamente hoje), como na Alemanha da década de 1930. Sob os tsares, sob a União Soviética e sob Putin, a Rússia tem sido um império racista envolvido em genocídio e fundado nas terras de centenas de povos indígenas aniquilados. (Confira o seguinte artigo [em inglês]: https://thenewinquiry.com/blog/a-very-long-winter/). Na vasta maioria de seu território, a Rússia pode ser precisamente descrita como um Estado colonizador. Com a exceção dos barcos, pessoas brancas habitam Irkutsk e Vladivostok pelos mesmos meios que pessoas brancas habitam Des Moines e San Francisco.
Foi-nos dito que a Rússia não é imperialista porque ainda não atingiu certo nível de acumulação de capital; os Estados Unidos são os maiores imperialistas e, assim, o único imperialista e, portanto, devemos nos aliar à Rússia contra os Estados Unidos (aqui a Ucrânia e seus habitantes desaparecem da análise como meros marionetes). Essa análise, tão simplista que é insultante, é uma simplificação bruta do marxismo-leninismo, em si uma simplificação grosseira de Marx e, ainda mais, baseado em uma parte do marxismo que é, retrospectivamente, falsa: previsões em como a acumulação do capital global avançaria progressivamente e levaria ao socialismo internacional.
É uma perspectiva teórica sem validade. Seu único uso é como um tipo de sistema de teorias que sustentam o posicionamento das pessoas que não querem pensar sobre o mundo em que vivem, qual lado deveriam defender em conflitos que são muito complexos para que tenham seu engajamento. […]
Talvez o melhor argumento contra essa análise tankie é que eles mesmos não a usam quando a coisa aperta. Quando a União Soviética tentou dominar o Partido Comunista Chinês durante a revolução no país, Mao rejeitou o imperialismo soviético e se aliou aos Estados Unidos. Oops! Quando lutando contra os franceses, e então contra a ocupação estadunidense do Vietnã em meio a violência imperial intensa que matou milhões, Ho Chi Minh advertiu que o imperialismo chinês era um perigo maior à região do que o estadunidense a longo prazo. Similarmente, os comunistas vietnamitas agiram de maneira colonial ou imperialista quando suprimiram os Hmong, ou quando apoiaram a monarquia do Cambodja contra os comunistas.
Então, honestamente, quem os tankies estão tentando enganar?
Posso pensar em um argumento ainda melhor contra esses autoritários que dizem ser socialistas, comunistas ou anti-imperialistas, mas, na prática, são apenas direitistas apoiando as mesmas velhas dinâmicas coloniais. Autores e acadêmicos famosos que construíram suas carreiras sobre movimentos nativos que lutavam contra a violência dos Estados Unidos e do Canadá ajudam a silenciar as centenas de povos indígenas e racializados continuamente brutalizados pelo Estado russo. Autoritários que dizem se importar com as vítimas da guerra dos Estados Unidos no Iraque ou Afeganistão não se importam com as pessoas sofrendo agora com as bombas russas. Na realidade, a questão de “o que as pessoas na Ucrânia deveriam fazer agora que foram jogadas na guerra?” não pode ao menos aparecer em sua análise; simplesmente porque a Rússia é, de certa forma, parte de um imperialismo de menor abrangência do que o estadunidense, as vítimas ucranianas da guerra devem desaparecer da vista.
As pessoas que usam essa análise violam os padrões mínimos de solidariedade e decência, e falarão qualquer coisa para justificar suas noções preconcebidas.
Em oposição, ambos àqueles que justificam o imperialismo russo e àqueles que o depreciam enquanto dão carta branca à OTAN, repito um antigo dizer, nenhuma luta que não seja a de classes, e troco por: nenhuma guerra que não seja a contra o Estado, entendendo o Estado em todas as suas dimensões: capitalista, colonial, supremacista branco, patriarcal e ecocida.
Fonte: https://itsgoingdown.org/the-invasion-of-ukraine-anarchist-interventions-and-geopolitical-changes/
Tradução > Sky
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