Polarização neoliberal, violência política e circo eleitoral

Nota do Movimento de Unidade Popular sobre o processo eleitoral de 2022

Não é uma cena difícil de imaginar, pois é cotidiana para a maioria do nosso povo. Um jovem negro é parado por uma viatura da Polícia Militar enquanto retorna caminhando para sua casa. Mesmo exausto de uma jornada diária extenuante, segue um longo caminho para um bairro da periferia onde mora, porque precisa economizar o dinheiro da passagem do transporte público. Dois policiais, com armas em punho, descem do carro e iniciam a abordagem. Um dos policiais xinga e agride violentamente o jovem durante o baculejo, enquanto o outro, menos agressivo, faz perguntas e explica que suas características combinam com a descrição de um suspeito de cometer roubos nas proximidades, não por acaso, também negro. É uma espécie de teatro macabro da morte, onde o “policial mau” e o “policial bom” encenam papéis diferentes, mas complementares, cujo objetivo é o mesmo.

A Polícia Militar é uma máquina de matança e repressão, com corporações dominadas por grupos criminosos e cuja função principal é aterrorizar o povo trabalhador, em especial, o proletariado negro e a maioria marginalizada economicamente. A brutalidade policial é uma forma de opressão contra o povo pobre e trabalhador necessária para a manutenção dos níveis de exploração, desigualdade e miséria. O terrorismo de Estado e o neoliberalismo se complementam. O Estado Policial de hoje, que tem raízes históricas na escravidão, natureza oligárquica e foi moldado pela ditadura militar, é essencial ao capitalismo brasileiro e à dominação burguesa na atual etapa. O projeto neoliberal faz do nosso país um dos mais desiguais do mundo, transformando a vida da maioria de nossa gente em um verdadeiro inferno sobre a terra, sobrevivendo entre a pobreza, a negação de direitos sociais fundamentais, as dívidas, o desemprego ou o trabalho precarizado. O neoliberalismo é a nova escravidão.

A cena do “policial mau” e do “policial bom” representando papéis diferentes e complementares que descrevemos é a metáfora exata de como o neoliberalismo no Brasil sequestrou nossa falsa democracia para manter grande parte do povo brasileiro em uma situação de miséria, forjando dois lados da política nacional supostamente opostos, mas que no fundo servem aos mesmos senhores: os grandes capitalistas, o agronegócio, os banqueiros e o imperialismo.

Bolsonaro, como o “policial mau”, que representa um projeto neoliberal conservador, mobilizando a irracionalidade e os piores sentimentos de um setor da população, principalmente da classe média, faz um governo criminoso e genocida apoiado por militares reacionários, hordas fascistas, pastores charlatães e um Congresso Nacional de ladrões e representantes da burguesia, dominado pelo chamado “Centrão”. Mobilizando setores armados através de clubes de tiro e de caçadores de fachada (os CACs), policiais militares em corporações de todo o país, milícias e organizações criminosas, parte dos comandados das Forças Armadas, assim como, caminhoneiros mercenários e um setor da burguesia brasileira, principalmente ligada ao agronegócio, mas ainda também explorando um sentimento antipetista responsável por sua eleição em 2018 e apoiado por uma rede internacional de extrema-direita, que envolve desde o racista Donald Trump até o Estado sionista de Israel, Bolsonaro ameaça uma tentativa de golpe de Estado diante de sua inevitável derrota eleitoral e iminente prisão em 2023.

Responsável por grande parte das mortes de brasileiros que poderiam ser evitadas na pandemia de Covid-19 com suas políticas negacionistas e contra as vacinas, as quase 700 mil vítimas em números oficiais podem chegar na verdade ao número macabro de cerca de 2 milhões de mortes no país, segundo as próprias estimativas de subnotificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o governo Bolsonaro também é culpado pelos piores ataques contra a classe trabalhadora brasileira nos últimos tempos, aprofundando o programa neoliberal dos governos anteriores, promovendo diversas privatizações e favorecendo a destruição ambiental, atacando a aposentadoria, os direitos dos trabalhadores, a educação e a saúde pública, destruindo programas sociais e colocando o país novamente na mapa da fome, com o maior nível de desemprego real e informalidade de nossa história, a maior inflação e carestia dos últimos 25 anos, resultando hoje em 33 milhões de brasileiros vivendo na miséria absoluta e sem ter o comer, 125 milhões com algum nível de insegurança alimentar e quase 80% das famílias endividadas, muitas vezes precisando escolher entre pagar o aluguel e as contas ou comprar comida, gás, etc. Bolsonaro manteve as criminosas políticas de Temer com o Preço de Paridade Internacional (PPI) na Petrobras, tirando dinheiro do povo com os aumentos absurdos nos combustíveis para transferir aos acionistas privados, e também o famigerado Teto dos Gastos Públicos para retirar verbas da saúde e da educação. Em conjunto com o covil de ladrões do Congresso Nacional e o gangster Arthur Lira, esse governo legalizou a roubalheira através do “orçamento secreto” e das chamadas “emendas do relator”, e é culpado ainda pelo maior desmatamento na Amazônia e outros biomas brasileiros que em grande medida foram as causas das diversas tragédias ambientais que vivemos nos últimos tempos.

Bolsonaro e sua família de idiotas, os militares facínoras que apoiam seu governo e fizeram do Estado brasileiro uma grande fonte de mamatas, os políticos pilantras que dão suporte aos ataques contra o povo, e os capitalistas que ajudaram a eleger e manter esse governo criminoso, mais do que a cadeia, merecem receber a fúria da justiça popular. São vermes e bandidos, cujo único fim justo deve ser a vingança do povo, cobrando as mortes e os crimes contra os brasileiros e brasileiras pelos quais são responsáveis.

Lula, representando por sua vez o “policial bom” do teatro neoliberal, capitaliza boa parte da esperança de mudança do povo brasileiro, em grande parte pela memória positiva da economia em seus dois governos, mas é o velho charlatão neoliberal e negociador de sempre. A frente ampla de Lula e Geraldo Alckmin que reúne partidos da falsa esquerda como PT, PCdoB e PSB, passando pelos setores da esquerda liberal como o PSOL, direções corrompidas das centrais sindicais como CUT e CTB e de movimentos como MST, APIB, MTST e outros, até os partidos de direita e parte do “Centrão”, é apoiada também por grandes capitalistas e pelo próprio imperialismo norte-americano, sob a gestão de Joe Biden e do Partido Democrata. Lula é um representante do “neoliberalismo progressista”, cujo programa negociado com os ricos e poderosos para um terceiro governo de conciliação de classes inclui uma nova agenda de políticas compensatórias recomendadas por organismos do capital internacional como Banco Mundial e FMI, mas com a manutenção da desigualdade e a garantia de estabilidade política para as elites econômicas continuarem saqueando o povo.

O PT e a oposição covarde, são, em grande medida, responsáveis pela estabilidade do governo Bolsonaro, seja apoiando medidas neoliberais do governo no Congresso, boicotando e sabotando as mobilizações para derrubar o governo ou realizando a mesma agenda neoliberal nos seus governos estaduais, onde fazem as mesmas gestões de turno da direita e promovem também as políticas genocidas contra o povo pobre e negro. A aliança entre a falsa esquerda, a classe média progressista e o grande capital representado pelos criminosos da FIESP, Febraban, Globo e etc., que se traduziu nas cartas em defesa da democracia alinhadas com os interesses dos EUA, é na verdade um acordo pela estabilidade do regime burguês e a manutenção de um Estado apodrecido e suas instituições reacionárias, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. A defesa de uma falsa democracia construída sobre o sangue e a miséria do povo pobre e trabalhador, em conjunto com a burguesia e os inimigos do povo, além de alimentar o falacioso discurso antissistema adotado pelo bolsonarismo, mostra os limites de uma esquerda institucional domesticada e neoliberal, defensora da ordem burguesa e da estabilidade da democracia dos ricos, que não tem qualquer alternativa política e econômica para resolver os graves problemas da classe trabalhadora brasileira.

A crise internacional do capitalismo e a aprofundamento da chamada “nova guerra fria” que coloca o imperialismo norte-americano, a OTAN e União Europeia de um lado, e o contra-imperialismo do bloco liderado por Rússia e China de outro, tendem a aprofundar os problemas da economia capitalista favorecendo um cenário global ainda mais catastrófico para o próximo período, não deixando margens para reeditar as “políticas sociais” dos governos petistas na fase de crescimento econômico que hipocritamente foram chamadas de “distribuição de renda”, enquanto ao mesmo tempo repetiam a fórmula dos governos FHC com o “tripé macroeconômico” neoliberal, aprofundavam a desindustrialização do país – favorecendo o agronegócio e a condição do país como uma neocolônia exportadora de bens-primários – e enchiam os bolsos de grandes empresários, latifundiários, banqueiros e afins.

O PT não é um partido de esquerda, é um partido da ordem a serviço dos capitalistas que vende ilusões progressistas, engana seus próprios apoiadores e joga com a esperança popular por mudanças e por justiça social. O programa neoliberal do PT, além das bravatas e promessas vazias, não apresenta qualquer proposta concreta para enfrentar os grandes e reais problemas sociais e econômicos do povo brasileiro. Quanto maior o estelionato eleitoral ou o autoengano de setores que vendem a mentira de que Lula pode fazer um “governo em disputa” ou mesmo um “governo para os trabalhadores”, maior será a frustração popular e o sentimento de traição. O PT em aliança com o PMDB, a direita e as oligarquias em seus governos neoliberais, inflou o Estado Policial, ampliando a repressão com a utilização da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) contra protestos populares, o encarceramento em massa de pobres e negros com a nova Lei de Drogas, os ataques contra os povos indígenas e a inédita política de ocupações militares de favelas com as famigeradas UPPs. Após a gestão desastrosa da crise econômica iniciada em 2008 e da narrativa falaciosa que tenta culpar o Levante Popular de 2013 como início da “onda conservadora” no país, o Partido dos Trabalhadores, mesmo após iniciar o “ajuste fiscal” e ter sido chutado do poder pela burguesia e seus aliados com o impeachment de Dilma Rousseff, boicotou as greves que derrubariam o governo Michel Temer e logo na sequência voltou a se aliar eleitoralmente com os mesmos setores que chamava de “golpistas”. Um novo governo Lula deve manter as criminosas privatizações, as reformas neoliberais e a independência do Banco Central, com o cartel dos bancos comandando a economia.

A polarização neoliberal entre Lula e Bolsonaro é favorecida também pelo fato de ambos terem ocupado o cargo de Presidente da República e serem figuras amplamente conhecidas, transformando a eleição em uma espécie de plebiscito, induzindo ao chamado “voto útil”, ofuscando outras candidaturas e diminuindo o voto nulo ou o boicote eleitoral ao pleito presidencial. Ciro Gomes, candidato do PDT e terceiro nas pesquisas de opinião, foi isolado politicamente e apesar das mesmas tentativas de alianças com a direita que critica no PT e de todas as contradições de um político de centro, é necessário admitir que tem promovido um debate público sobre os problemas econômicos do país e apresentado um projeto alternativo ao modelo rentista, ainda que limitado e insistindo no mesmo erro da conciliação com a burguesia brasileira que já deu provas suficientes de sua essência antinacional e escravocrata. A malfadada tentativa da burguesia em emplacar uma candidatura puro-sangue com a “terceira via”, primeiro com o patético Sergio Moro e agora com Simone Tebet, é apenas mais um grande novo vexame eleitoral da direita tradicional que foi engolida pelo monstro que criou, a extrema-direita que insuflou contra os governos petistas.

O cenário até outubro ainda guarda muita imprevisibilidade e acontecimentos de grande impacto, como os episódios da facada em Bolsonaro ou a queda do avião de Eduardo Campos, que marcaram as últimas eleições presidenciais, podem mudar completamente os resultados eleitorais ou mesmo inviabilizar o pleito. A cassação de chapas, um atentado contra Lula, um novo ataque forjado contra Bolsonaro e sua família, ou o mesmo um massacre bolsonarista contra eleitores do petista são muito possíveis de ocorrer. O que é certo, é que além de milicianos, policiais e militares fascistas ao seu lado, o bolsonarismo conta também com mais de 1 milhão de armas com cerca de 700 mil CACs, que em sua maioria formam grupos de extrema-direita fortemente armados, usando para isso as licenças para atiradores esportivos, colecionares de armas e caçadores. A violência política do bolsonarismo deve ser o fator mais relevante dessa disputa eleitoral, colocando inclusive, a importância do voto em segundo plano. As ilusões na institucionalidade burguesa, os discursos conciliadores, o patético pacifismo ou mesmo a ingênua confiança nas polícias infestadas de bolsonaristas e em militares supostamente legalistas, não vão parar as balas, os assassinatos políticos e os possíveis massacres que podem atingir principalmente setores mais vulneráveis como indígenas e sem-terras.

A intenção de golpe anunciada por Bolsonaro, que tem usado a data do 7 de setembro para demonstrar força e ensaiar seu “putsch” fascista, apesar da covardia da oposição que além de cartas e notas de repúdio demonstra que não poderia oferecer qualquer resistência real, não tem o apoio fundamental do imperialismo norte-americano, não unifica os grandes setores das classes dominantes em torno do golpismo, e também carece uma mobilização social significava nos setores conservadores da população, mas em compensação possui suficiente força bélica com setores fascistas armados e uma capacidade de parar o país com apoio de uma parte do agronegócio e o trancamento de estradas para gerar uma situação de caos social. O discurso e a mobilização golpista do bolsonarismo tem muito mais uma função preventiva para garantir que sua candidatura não seja cassada, enquanto usa a máquina estatal para tentar fraudar o processo eleitoral com a compra de votos, principalmente através da PEC do “estado de emergência”, e usar novamente o esquema das chamadas “fake news”.

Diferentemente do discurso oportunista e da chantagem eleitoral usada pelo petismo, não se vence o fascismo nas urnas, apenas as mobilizações populares e as lutas radicalizadas do povo podem enfrentar e fazer recuar a violência reacionária, e pouco importa se as eleições forem decididas em primeiro turno ou ocorra um eventual segundo turno. Não existe democracia com neoliberalismo, Estado Policial, miséria, desemprego e genocídio do povo negro e pobre. É uma tarefa fundamental que os movimentos populares, a esquerda combativa e as lutadoras e lutadores sinceros, a partir da unidade e da solidariedade, impulsionem organismos permanentes de autodefesa popular, para além da conjuntura eleitoral e independentemente da posição em relação a eleição e da leitura sobre a função tática do voto ou do boicote eleitoral, que pode se manifestar nessa eleição presidencial com o voto nulo, o voto crítico em Lula, o apoio a Ciro Gomes ou às candidaturas fragmentadas e apenas para propaganda dos pequenos partidos de esquerda – Leo Péricles da UP, Vera Lúcia do PSTU e Sofia Manzano do PCB. O circo eleitoral da democracia burguesa, completamente desmoralizado e sem qualquer legitimidade para a maioria do povo, é um fator secundário da luta de classes, que serve principalmente para legitimar a dominação e eleger picaretas, criminosos e oportunistas.

Criar uma cultura de autodefesa e segurança militante nos movimentos populares e na esquerda é um fator de sobrevivência, o acirramento da luta de classes e o aprofundamento da crise econômica no horizonte impõe a necessidade de manejar níveis de organização político-militar. Os movimentos de massa necessariamente devem possuir destacamentos de autodefesa no campo e na cidade, formando guardas populares, pequenas brigadas ou patrulhas armadas, e as organizações de esquerda precisam priorizar a preparação e o treinamento militar de ativistas, rompendo com qualquer ilusão pacifista liberal e pequeno-burguesa, incentivando também a formação de clubes de tiro e associações armadas, explorando todas as aberturas na legislação que permitem o armamento civil.

O voto contra Bolsonaro, seu governo genocida e sua política neoliberal é um sentimento legítimo de grande parte do povo brasileiro indignado com a inflação absurda, a carestia, o desemprego, a miséria e as dezenas e dezenas de crimes desse governo de facínoras, ladrões e imbecis. É preciso derrotar Bolsonaro por todos os meios necessários, mas é preciso também denunciar as bravatas, engodos e mentiras do PT, seus aliados e da frente ampla neoliberal de Lula e Geraldo Alckmin. Como organização popular e revolucionária que aposta na luta radical, na ação direta popular e na organização de base por fora e contra o Estado capitalista, não apoiamos nenhuma candidatura em qualquer nível e acreditamos que o oportunismo eleitoral da esquerda domesticada divide os movimentos sociais e joga contra a organização do povo, paralisando e parasitando as lutas populares. Impulsionar a organização do povo pobre nos territórios, organizar os trabalhadores e a juventude proletária, estimular as greves combativas, as barricadas, os trancamentos e ocupações por terra e moradia para construir organismos de poder do povo a partir de um Programa Popular e Revolucionário que conjugue as lutas reivindicativas e imediatas com a construção de um processo revolucionário e um horizonte socialista é muito mais importante que eleger qualquer candidato ou participar do processo eleitoral, ajudando a burguesia a legitimar o circo da sua falsa democracia.

Consideramos que nossa tarefa principal diante dessas eleições é denunciar o governo da fome, do desemprego, da miséria e da morte do facínora Jair Bolsonaro e cobrar a punição para todos os crimes desse governo genocida. É necessário também massificar as urgências de nosso povo, como trabalho digno, renda básica, soberania alimentar, saúde, educação, moradia, terra e justiça social. A guerra popular revolucionária para destruir o Estado capitalista e derrotar a burguesia é o único caminho de nossa libertação.

ABAIXO O GOVERNO DA FOME! ABAIXO O GOVERNO DA MORTE!

BOLSONARO NA CADEIA! MORTE AO FASCISMO!

CONSTRUIR O PODER DO POVO! ÚNICA SOLUÇÃO, REVOLUÇÃO!

agência de notícias anarquistas-ana

Longa chuvarada…
Nos matos e nas lagoas,
um canto de vida.

Humberto del Maestro