Pioneiro no país e primeiro em Salta, hoje o Club Atlético Libertad tem 122 anos de existência. Fundado em 1901 por um grupo de anarquistas em uma cidade quase como uma vila, a história do clube sempre esteve próxima aos movimentos políticos e sociais, e é possível traçar um paralelo entre a história da região e a do próprio clube.
Por Facundo Sinatra Soukoyan| 23/03/2023
Nas ruas poeirentas de uma cidade de Salta, com uma aparência de vila, apenas um punhado de habitantes, desenvolvimento incipiente e as primeiras tentativas de construir uma ideia de Nação que lentamente permearia o território argentino, um clube atlético estava sendo concebido no norte do país.
Seriam os anarquistas, mais uma vez, que assumiriam a liderança na ideia de fomentar agrupamentos sociais por trás dos ideais do socialismo libertário, reunindo trabalhadores de todos os ramos e camaradas de ideias, a fim de gerar um movimento coletivo que lhes permitisse fomentar um espírito esportivo e discussões políticas. Sob este impulso, nasceu o Club Atlético Libertad.
Vermelho e preto seriam as cores escolhidas como insígnia, numa clara manifestação política que se referia, segundo as versões mais difundidas, ao preto como representação da anarquia e ao vermelho como expressão do sindicalismo e da tradição socialista. Muitos clubes pelo país foram fundados sob esta combinação, como um claro sinal da ideologia que moveu a maioria das classes trabalhadoras naqueles anos.
Expandindo a situação na cidade, o historiador de Salta especializado em esporte, Fernando Cáseres, diz: “em Salta por volta de 1901 a luz elétrica tinha acabado de chegar, lembremos que em 1896 chegou a primeira bicicleta e em 1905 o primeiro automóvel. Era um vilarejo, era muito pequeno. Entre 1902 e 1903, a água começou a ser instalada”.
Cáseres salienta que os poucos coletivos sociais existentes estavam ligados a grupos de poder dominantes, ou a grupos étnicos, como ele mesmo os caracteriza, “havia o Club 20 de Febrero, fundado em 1858, pertencente à elite; havia a Sociedad Italiana, a Sociedad Española e o Centro Argentino. Todos eles tinham um selo específico, não havia organização dos setores de trabalho”.
O historiador de Salta sublinha: “Salta, como todo o país, foi influenciada pela imigração, e com esta influência vieram os ideais políticos trazidos da Europa com a pregação do sindicalismo, do socialismo e do anarquismo… e foi assim que nesta Salta, quase uma aldeia, foi fundado um clube anarquista”.
12 de março de 1901
Antes do Boca, River e a grande maioria dos clubes mais populares da Argentina de hoje, o Club Atlético Libertad iniciou sua atividade social e esportiva quase sozinho na realidade do norte da Argentina.
“O clube foi construído na área do atual Paseo Güemes, que naqueles anos era o limite da cidade, onde havia apenas uma ou duas casas antigas e ranchos com animais de granja (…) Naqueles anos havia um grupo de jovens que jogavam futebol e decidiram fundar um clube para se encontrar e se organizar, não apenas para o esporte, mas com um objetivo político, ideológico e de reivindicação social, de extração anarquista. Em resumo, uma associação de luta para conseguir melhorias reais (…), era formada por pessoas humildes e trabalhadoras de diferentes ramos, artesãos e trabalhadores. O clube nasceu na serraria dos irmãos Durán (…), os fundadores tinham uma orientação política libertária. Eles eram conhecidos como vizinhos calmos, solidários e respeitosos que nunca baixaram as bandeiras das exigências sociais”, diz Miguel Ángel, um veterano dirigente do clube em um testemunho extraído do livro “La historia contada por sus protagonistas”, dos historiadores Miriam Corbacho e Raquel Adet.
No mesmo texto, destaca-se o testemunho em primeira pessoa de Felipe Eduardo: “Lembro-me de Riera, Cardozo, a galega Lara e os irmãos Durán. O Club Libertad tem suas origens nessas pessoas”. Eles eram homens de pensamento (…) Eu conheci e falei com os anarquistas do Libertad. Por exemplo, eles fizeram trabalhos de construção, começaram a reunir alguns pedreiros, ensinaram-lhes a manusear a colher, a pintar, a ladrilhar, e com isso melhoraram e avançaram no ofício. Todos os pedreiros e pintores em Salta eram do Libertad”.
Um fato marcante e peculiar é que este clube foi fundado um ano antes do tradicional Club de Gimnasia y Tiro. O historiador Cáseres comenta sobre o assunto: “Estes trabalhadores se encontraram e Manuel Anzoátegui e Victorino de la Vega, que mais tarde se tornariam figuras de destaque no desenvolvimento do Club Atlético Salteño, mais tarde rebatizado Gimnasia y Tiro, também participaram das reuniões. Mas esta situação é notada pelos anarquistas, e temendo que eles pudessem “assumi-los”, porque Manuel Anzoátegui era um homem que pertencia ao poder econômico da oligarquia, não está muito claro se eles foram expulsos ou se foram embora, o que é certo é que eles não puderam participar e no ano seguinte fundaram o que conhecemos hoje como Gimnasia y Tiro”.
Tempos esportivos dourados
Além de sua marcada gênese social, o Libertad começará a formar uma parte fundamental da vida esportiva de Salta, um clube que combinaria ideais políticos com conquistas atléticas sustentadas, “o Libertad, juntamente com a Juventud Antoniana, foram os que na década de 30 e 40 tiveram maior destaque nos torneios locais”, diz Cáseres, e acrescenta: “o Libertad ganhou um campeonato em 1936 e outro em 1941. Estamos falando de um poder claro”. Além disso, em 1947, o clube mudou-se para sua sede na Rua Deán Funes, 535, em uma área central”, uma situação que lhe permitiria impulsionar ainda mais o ramo social.
Quanto aos altos e baixos políticos, que sempre tiveram Libertad como protagonista, o historiador de Salta assinala que a década de 1940 foi uma época em que a figura de Juan Cornejo Linares, deputado e proprietário de um dos jornais peronistas da época, ganhou destaque no clube. E esta situação é possivelmente uma das razões pelas quais jovens figuras foram formadas na Libertad que, no futuro, marcariam um horizonte na política local e nacional.
Um deles será Miguel Ragone, que será um jogador e mais tarde um dirigente. Sua filha Clotilde disse: “Meu pai foi presidente do Club Libertad nos anos 50 e 60. Naquela época eles estavam na Rua Deán Funes e como o clube já era muito central, eles o venderam e o levaram para onde ele está agora. Esse era o trabalho dele. A localização privilegiada, em termos de localização e terreno, a que se refere a filha do ex-governador de Salta, é a que permanece até hoje na Rua Talavera 50, uma área muito próxima ao terminal de ônibus.
Os desaparecidos do Libertad
No início dos anos 70, a sociedade argentina estava lutando para transformar os projetos políticos, e Salta não era exceção à regra. O ex-jogador e dirigente do Libertad, Miguel Ragone, ganhou o cargo de governador em 1973, à luz da chamada Primavera Camporista.
No entanto, o golpe que seria desencadeado em 24 de março de 1976, teria o território do norte da Argentina como um campo de testes algum tempo antes. Salta sofreu em primeira mão o circuito repressivo organizado em 1975, quando foi lançada a Operação Independência na província vizinha de Tucumán. Mas mesmo antes disso, com a queda do governo Ragone em novembro de 1974, a repressão já havia sido desencadeada.
Dos presos, assassinados e/ou desaparecidos na província, pelo menos três estavam diretamente ligados ao clube fundado pelos anarquistas em 1901. Eles estão: Miguel Ragone, Rubén Yáñez Velarde e Santiago Arredes, todos os três assassinados ou desaparecidos antes do golpe de Estado de 24 de março de 1976.
Quanto a Miguel Ragone, após ser afastado de seu cargo de governador em novembro de 1974, e retomando sua profissão como médico, foi sequestrado em 11 de março de 1976, paradoxalmente, um dia antes do aniversário do clube que ele amava.
Por sua vez, o comerciante Santiago Arredes foi morto na mesma operação de sequestro que Ragone, quando ele estava deixando a loja que possuía. Arredes, que tinha vindo em defesa de Ragone diante da brutal operação de sequestro, foi morto na rua. Na época, Santiago Arredes era um dirigente do Club Libertad.
Rubén Yáñez Velarde, funcionário do Agua y Energía e militante do Sindicato de Luz y Fuerza, era um destacado esportista que combinava seu trabalho político com o atletismo, uma situação que o levou a jogar em diferentes clubes. Um deles era o Libertad. Yáñez foi sequestrado em 8 de novembro de 1975 e seus restos mortais foram encontrados em 2012, após árduo trabalho da equipe de antropologia forense.
Estes três apoiadores, dirigentes e esportistas do Club Atlético Libertad foram presos, desapareceram e/ou assassinados antes do golpe de Estado, mas quando o plano sistemático de eliminação de pessoas já estava sendo aplicado, três homens que, como aqueles pioneiros anarquistas que forjaram organização no norte da Argentina, sonhavam, em suas diferentes etapas e facetas históricas, com um mundo mais justo, mais livre e mais igualitário, onde o esporte e a organização comunitária seriam uma parte fundamental da mudança social.
Ao longo dos anos, o Clube vacilou em meio a uma gestão irregular e fantasmas que atacam ciclicamente a venda dos terrenos que foram ficando em local privilegiado na capital.
Hoje, um movimento social está encarregado de colocar em funcionamento suas instalações, uma característica que, com suas diferentes formas e formas de entender as construções políticas, poderia ser pensada como um legado organizacional, uma constante que atravessou o Club Libertad ao longo dos 122 anos de sua existência.
Será tarefa das gerações atuais e futuras assegurar que todo o patrimônio histórico, social e cultural que esta camiseta contém permaneça vivo e latente. Talvez transformando, mudando, reformulando, mas sempre, como marcado por sua história, imbuído de um compromisso que transcende as fronteiras individuais e contém projetos coletivos, com o objetivo de pensar e ser uma cadeia de transmissão de um novo mundo, um mundo onde muitos mundos se encaixam.
Fonte: https://www.pagina12.com.ar/530893-club-libertad-el-sueno-anarquista-del-1900
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
olhando para trás
meu traseiro cobria-se
de cerejeiras em flor
Allen Ginsberg
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!