Veremos aparecer nos próximos meses uma nova edição de “Deus e o Estado”, texto escrito em 1871 pelo anarquista e filósofo russo Mikhail Bakunin (1814-1876), que será também a estreia da editora Descrença. Conversámos com os editores, Ricardo e António, acerca de Bakunin, da religião, da sua relação umbilical com o poder do Estado, dos abusos sexuais na Igreja e da autoridade da ciência.
Em relação à anterior publicação em língua portuguesa de “Deus e o Estado”, o que traz esta edição de novo?
R – O que nós conhecemos como “Deus e o Estado” é apenas um extracto de umas primeiras cartas que foram editadas ainda em pleno século XIX, inclusive numa edição portuguesa reduzida de 1895 (“O sentido em que somos anarquistas“). Na altura não se conhecia a totalidade da obra de Bakunin, existiam uma série de cartas que estavam perdidas e que só foram recuperadas e editadas no início do século XX, por Max Netlau. Há uma edição traduzida para português pela Assírio e Alvim, de 1976, a partir de uma edição francesa incompleta e com uma diferente organização de conteúdos. Esta nossa edição inclui agora outros dois documentos: “O Império Knuto-Germânico e a Revolução Social” e “O Princípio Divino”. Este conjunto nunca foi editado na sua versão integral em português. Mas são tudo cartas. Bakunin só editou um livro: “Estatismo e Anarquia”. Tudo o resto são cartas.
A – Cartas às vezes não acabadas. Numa parte deste livro, há uma carta que não acaba.
R – E há partes nas cartas que estão ilegíveis. E outras que nunca se encontraram, que estão perdidas.
Para quem escreve Bakunin?
R – Ele tem muitos correspondentes. Estamos a falar de uma correspondência que ele mantém com amigos, com sociedades e alianças operárias.
A – São sociedades secretas.
R – São, no fundo, os começos da AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores), da primeira Internacional. Escreve para congressos operários, para outros companheiros. E depois ele não parou no mesmo sítio. Ele foi exilado, esteve na prisão desterrado na Sibéria, escapou, foi até ao Japão, esteve em Nova Iorque, esteve em Londres, esteve em Itália, em França…
A – E na Itália, há uma carta que ele escreve «aos companheiros de Itália» contra o Mazzini – o Mazzini era republicano e queria também matar o rei, mas tinha um pensamento religioso, era um defensor de Deus de alguma maneira.
R – Ele entra num diálogo também a dada altura acerca de Proudhon – e sabe-se da diferença entre o pensamento de Proudhon e o pensamento de Bakunin – em que ele diz que o Proudhon, filosoficamente, é como um artesão, tem um pensamento um pouco limitado em relação à dimensão do anarquismo. Enquanto em Bakunin é uma coisa muito ampla, ele tem uma ideia muito concreta de que como isto se pode montar.
A – Também porque as ideias de Proudhon eram mais teóricas… Enquanto que, com Bakunin, começam a transformar-se em acção. Há revoltas em toda a Europa e ele quer levar a revolta a todos os países.
R – E onde ele participa. Nas revoltas de 1848 contra as monarquias europeias, ele participa nas insurreições. Esteve nas barricadas. Essa é uma crítica feita ao Marx: que nas revoltas era o primeiro a sair. Enquanto isto, Bakunin está lá nas barricadas e é preso. Em 1849 lutou com o Richard Wagner em Dresden, por exemplo, e até dizem que na ópera de Wagner, “O Anel do Nibelungo”, existe um personagem baseado em Bakunin (Siefried).
Proudhon também era mais conservador, por exemplo em relação às mulheres. Defendia que elas deviam ficar em casa. Bakunin teve uma posição muito mais libertadora. Essa posição aparece em “Deus e o Estado”?
R – Acho que não directamente. Mas quando ele fala em emancipação, é total. Não é apenas para os homens. Mas não há uma direcção nesse sentido, como o que vemos depois com a Emma Goldman. Falo nela porque ela é uma das militantes anarquistas que segue o pensamento de Bakunin, principalmente no que é o ateísmo anarquista. No “Mother Earth” ela publica incessamentente as cartas de Bakunin. Mas, na altura, já o Most, o Johann Most falava na «peste religiosa», um texto básico anti-religioso.
A – … E a filha de Bakunin, que ficou em Nápoles – porque o Bakunin esteve lá um tempo, ele pensava que o povo italiano era um povo revolucionário e tentou também organizar uma revolta em Bolonha que falhou… e muita gente diz que ele foi obrigado a escapar vestido de padre, não sei se é verdade – mas, voltando atrás, a filha do Bakunin era cientista, o que no final do século XIX não era comum. Portanto acho que a sua emancipação terá tido alguma influência do pai.
R – E diz-se que ele era apaixonado pela irmã. Essa questão da influência feminina na vida dele é muito forte.
>> Para ler o texto na íntegra, clique aqui:
https://www.jornalmapa.pt/2023/12/12/a-conversa-com-a-descrenca-sobre-deus-e-o-estado/
agência de notícias anarquistas-ana
Nesse fim de mundo
Um girassol solitário —
A quem marca as horas?
Neide Rocha Portugal
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!