por Claudio Venza | 07/10/2018
O Seminário do Ateneu dos Imperfeitos de Marghera e do Centro Estudos Libertários de Milão: “Pensamento e ação: o anarquismo como comunidade militante e escolha de vida” partia desde a experiência de Amedeo Bertolo e de Eduardo Colombo. Portanto, havia sido proposto com duas partes distintas, mas conectadas: as biografias de dois militantes muito ativos, cada um com sua própria sensibilidade, que permitiam uma relevante reflexão sobre os problemas atuais e as perspectivas do movimento na Itália, e não só na Itália. Na realidade, os promotores preferiram o termo “comunidade”, no qual, podem se encontrar os estilos de vida, além do compromisso social.
O trabalho dos dois se apresentou a 360 graus, através de ações chamativas e da participação constante a as lutas antiautoritárias na Itália, França e Argentina.
Nos últimos tempos eles haviam investido suas notáveis energias sobretudo no cultural e nas propostas editoriais. Amedeo foi, junto com Rossella di Leo, desde 1986, o fundador e promotor das Edições Eleuthera, enquanto Eduardo foi, junto com Heloisa Castellanos, entre os animadores da revista “Refraction”. É importante frisar que Amedeo e Eduardo entendiam propor um forte compromisso no âmbito cultural em um sentido amplo e antropológico e não como mero exercício intelectual.
Na realidade os dois, recentemente falecidos (Amedeo em 2016 e Eduardo faz poucos meses), contribuíram com verdadeira originalidade para a redefinição do pensamento libertário contemporâneo em inúmeros seminários, convênios, e também com publicações de todo tipo, de história, de economia, de estudos sociais. Os dois haviam conseguido estreitar relações com muitos anarquistas europeus, entre eles vários que participaram do mesmo encontro “Pensamento e ação” de Marghera, como Tomas Ibáñez, espanhol e especialista em psicologia social, ou Marianne Enckell, histórica animadora do Centre de Recherches Anarquistas de Lausanne, Suíça. No seminário estiveram presentes numerosos participantes desde a França, Portugal, Grécia e Eslovênia.
Tomas Ibáñez desenvolveu uma das relações mais significativas, analisando as “Convergências e divergências” entre os dois protagonistas. Muito rapidamente falou das convergências, coincidindo os dois nas questões fundamentais: o papel da cultura vinculada à ação, a centralidade do imaginário e do simbólico (lugares privilegiados seja do poder seja da revolta), o encanto da utopia somado à força de vontade. Decidiu, em vez, considerar mais profusamente as discrepâncias presentes e ativas entre os dois pensadores e militantes: para Amedeo, o anarquismo teria que ter mais em conta a extrema dificuldade para pensar e atuar seus próprios valores na sociedade atual e teria que buscar uma modalidade de “anarquismo possível” propondo soluções libertárias para os problemas cotidianos. Neste sentido se valoriza o pensamento pragmático de Colin Ward e se considera com perplexidade as modalidades insurrecionais que se originaram no ‘800, da ruptura revolucionária por muito tempo proclamada pelos teóricos clássicos e aceita como própria, até o presente, por diversas gerações de ativistas.
Segundo Eduardo não tem sentido desvincular o conceito de revolução do anarquismo: seria um paradoxo, um fato insustentável e com toda evidência contraditório. A visão tradicional da necessidade da insurreição, que exproprie o Capital e da abolição do Estado, mantém, para ele, substancialmente, sua validade, ainda que mediante correções adequadas e determinadas pela situação atual. As mesmas experimentações próprias do anarquismo se poderiam realizar difusamente só acabando imediatamente com o sistema de exploração e opressão.
Tomas afirmou que o compa de Milão se distanciou muito do anarquismo tradicional. Ainda que mantenha firmes seus pontos fundamentais seja como ethos seja como logos. A isso se pode agregar que Amedeo criticou Nico Berti, autor de uma revisão teórica e política em sua controversa “Liberdade sem revolução”: o coração essencial do movimento está na luta contra qualquer forma de Domínio político e não somente do Estado, que representa nada mais que uma forma historicamente determinada. Segundo Amedeo se necessita livrar-se da obsessão de destruir o Estado como passo indispensável e urgente.
No final das contas, para o companheiro espanhol, os dois tentaram renovar as análises e enriquecer o movimento. É um plano louvável e estimulante, mas até que ponto? Se coloca, portanto, o problema fundamental de definir o que é inalienável e imprescindível nas ideias e nas práticas, para que não se chegue a uma metamorfose radical, tornando-se algo muito diferente idealmente e politicamente.
De todo modo, segundo o companheiro espanhol, há que ter em conta uma constatação histórica e atual: nos diferentes tempos e lugares o anarquismo assumiu facetas diversas escolhendo privilegiar alguns componentes do logos comum (pensamento que se foi concretizando em diferentes práxis (ações): Como acontece, por exemplo, se pode agregar, com o sindicalismo e com o individualismo.
Em extrema síntese: Amedeo quis não somente cortar os ramos secos da árvore anárquica, mas também uma parte do mesmo tronco para proceder com profícuos enxertos: Eduardo pensou, ao invés, fertilizar e adubar suas raízes, alertando sobre o perigo de intervenções do “lenhador neo-liberal”. Se podem medir as diferenças também através do estudo das causas de crises do movimento: o milanês frisou a necessidade com um espírito autocrítico umas atitudes como a “auto referencialidade”, de outro lado, o franco-argentino, atribui substancialmente as dificuldades a fatores externos, ou seja a perda da centralidade obreira (e nisto coincide com Nico Berti). Também em mérito aos remédios que teriam que oferecer se podem notar diferenças, enquanto os dois compartilham a valorização da vitalidade das ideias e dos princípios libertários, do ethos, ainda que com pequenos matizes próprios: “Há vida mais além do anarquismo”, auspiciando uma forma de mestiçagem, de um lado, e “mantendo uma forte identidade” e intensificando as atividades específicas, do outro.
Tomas relevou, no final das contas, que entre Amedeo e Eduardo, mais além das confrontações teóricas e políticas existiu um evidente “ar de família” (como se disse também no seminário de Marghera), fundada em dois elementos essenciais: a atitude antiautoritária na vida cotidiana e a busca honesta e sincera de coerência extrema entre as palavras e os comportamentos. Citou também a Christian Ferrer, ativista e intelectual argentino, que nos recorda como as ideias anarquistas não se “contagiam” através dos livros, mas sim com a maneira de ser e de lutar. Importante foi também sua reflexão acerca da “identidade”, que, segundo ele não seria própria do anarquismo, que é mais caracterizado pela “singularidade”, como conjunto de elementos caracterizantes.
O tema do “anarquismo positivo e respeitável” foi ao centro da relação de Francesco Codello, que sustentou que os companheiros não teriam que limitar-se às teorias, mas sim enfrentar-se à sociedade atual e a suas problemáticas. Substancialmente se trataria de oferecer exemplos concretos e soluções praticáveis para que os que sofrem por causa da sociedade autoritária escutem e entendam. Sementes de “anarquias possíveis” já se vislumbram, segundo Francesco, em muitos âmbitos: desde a autogestão dos consumos através dos “Grupos de Compras Solidárias”, do exercício de créditos em bancos alternativos, e a gestão de “espaços liberados”, ao desafio da educação. Errico Malatesta já afirmou que “a anarquia não se constrói com a força” e não a fazem os militantes, mas sim as pessoas comuns quando adquirem consciência e desejam realizar a liberdade.
Uma das colaborações originais e importantes de Amedeo foi frisada por Nico Berti: a distinção entre Poder, Autoridade e Domínio permite orientar-se na terminologia corrente. As diferenças entre os três conceitos se medem com o diferente grau de imposição e, em última análise, o milanês define o Domínio como a estrutura hierárquica que é preciso abater, enquanto o Poder e a Autoridade poderiam ter alguma relevância positiva: o primeiro como potencialidade de fazer e a segunda como expressão da sabedoria que alguns conseguiram alcançar e que podem pôr a serviço de todos. Nico quis recordar outro discurso a ele simpático: o anarquismo, segundo ele, não é antiético à democracia mas sim a supera. De todo modo, a liberdade no âmbito anárquico aparece potencializada e não limitada, teoricamente e praticamente, como, ao contrário do que acontece com o liberalismo.
No total participaram do seminário umas 80 pessoas e mais de 20 tomaram a palavra, entre relações e debate. Muitíssimos foram os temas ventilados, dos quais aqui se pode só delinear o argumento: o comum inicial “mazzinianesimo” (Lorenzo Pezzica); a valorizaçãodos singulares imaginários trâmite as entrevistas (Mimmo Pucciarelli); a mudança geracional interior a um movimento que se deve renovar, sem renunciar à coerência ética (Antonio Senta); as possibilidades de experimentar formas aplicadas, ainda que parciais, de métodos libertários na sociedade atual (Francesco Codello); o papel do Estado como detentor só parcial e já declinante do Domínio (Andrea Papi); a rápida mudança politica e social em ato que como seja abre novas contradições entre explorados e exploradores também a nível mundial (Massimo Varengo): o entusiasmo de muitos de nós nascidos politicamente juntos com o ’68 e por isso crescidos ao lado de militantes de antiga cepa (Rossella Di Leo, falando de Pio Turroni e de Louis Mercier Vega, dois mananciais de emoções e pathos); a reflexão sobre o clássico debate acerca dos modelos de organização (Claudio Venza); a proposta de um próximo convênio ad hoc (Giampiero Landi).
Um espaço importante se dedicou a uma série de experiências em ato em diferentes setores: na pedagogia (Tea Venturelli da escola aberta de Urupia, Giulio Spiazzi com a rede de escolas libertárias e democráticas, Pierpaolo Casarin com sua filosofia de crianças e para crianças); na atividade social se reportou a experiência de Exarchia, coletivo libertário presente nos espaços ocupados em Bologna; e a colocação em atividade de novos pontos de comunicações que sabem chamar a atenção, e solicitar os interesses culturais entre os jovens (Edicola 518, agora livraria, em Perugia).
Elis Fraccaro, dos organizadores do convênio (com muitos companheiros de Dolo), concluiu, evocando uma preciosa indicação de Amedeo (“deixemos o pessimismo para tempos melhores”). Admitiu, mas, de ter ataques de pessimismo sobretudo em enfrentar-se a difusa mudança antropológica a respeito de seus primeiros anos de militância. Segundo ele, parece prevalecer, no momento atual, ao redor de nós, uma maneira de pensar xenófoba que não se poderia imaginar faz só poucos anos atrás. Ao final estamos circundados por muitas perguntas e poucas respostas. Em frente ao clássico problema “fazer o quê?” se necessita uma atitude humilde, buscando soluções junto à sociedade inteira em que estamos, apesar de tudo, condicionados quase cotidianamente. De minha parte agregaria, enfim, que desejamos mudar com decisão e profundamente.
Fonte: http://www.umanitanova.org/2018/10/07/pensiero-e-azione/
Tradução > Sol de Abril
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