“Há duas indústrias que chamam seus clientes de ‘usuários’: o das drogas ilegais e do software” – O Dilema das Redes Sociais
As especialistas observam que recebemos uma notificação, tiramos o celular do bolso e respondemos cerca de 80 vezes por dia. Cada vez que o fazemos, uma empresa – Google, WhatsApp, Instagram, Facebook, Twitter, etc. – lutam para que passemos mais tempo em sua aplicação, colados à tela. O tempo gasto significa que o aplicativo aprende mais sobre você e que a informação vale muito dinheiro. Como é dito no documentário O Dilema das Redes Sociais (2020), “quando você não paga pelo produto, o produto é você”.
Este novo mercado de dados é chamado de “capitalismo de vigilância”. “Cada ação que você toma é monitorada e registrada. Exatamente que imagem você assiste e quanto tempo você assiste”, diz Jeff Seibert, um ex-executivo do Twitter, no documentário.
O filme, dirigido por Jeff Orlowsky, entrevista vários ex-empregados de grandes empresas de redes sociais – jovens, ricos, homens brancos de forma esmagadora – incluindo os criadores do botão “like”, um dos maiores ícones do século 21. É um bom filme que explica como estes algoritmos exploram as vulnerabilidades da psicologia humana, como diz José Antonio Luna em eldiario.es, mas é notável que o faz através da Netflix, uma plataforma que emprega as mesmas práticas. Por exemplo, quando uma nova temporada de Narcos ou Stranger Things é carregada, as imagens dentro do aplicativo da plataforma geralmente mudam até identificarem o mais atraente para os telespectadores. É como se a Amazon nos alertasse para o perigo de não comprar no comércio de proximidade.
É também chocante que o documentário não aborde o escândalo da venda de dados pelo Facebook à empresa Cambridge Analytica, o que levou à grande manipulação da sociedade britânica para votar no Brexit e o americano para votar no Trump. Mas nada acontece. Sobre este assunto, Netflix tem à sua disposição o documentário O grande ataque hacker (2019).
Um dos aspectos que explica O Dilema das Redes Sociais é como as notícias falsas se espalham através das redes sociais em geral e do Facebook em particular. O cientista da computação Jaron Lanier explica que páginas como Facebook, YouTube ou mesmo Google variam o resultado da busca por termos como “mudança climática” de acordo com o local e/ou a pessoa que realiza a busca. Nas redes sociais, o gosto do pesquisador é dissipado, o que gera microcosmos de pessoas com suas próprias realidades e seus próprios fatos. Mesmo que sejam uma mentira. O importante é que se trata de uma história que gera cliques. “Com o tempo você tem a falsa sensação de que todos concordam com você porque todas as suas notícias pensam como você”, explica Roger McNamee, um dos primeiros investidores do Facebook. As consequências? O fortalecimento das ideias de extrema-direita, sua acomodação em posições racistas e o florescimento das teorias de conspiração (do terraplanismo à negação de Covid, à QAnon).
Não pretendemos neste artigo desafiar as redes sociais como um todo, nem cair em posições simplistas sobre seu mal intrínseco. Reconhecemos que elas são mecanismos úteis para disseminar informações para um amplo público – este jornal tem contas no Facebook, Twitter e Instagram – embora seja claro que seu design encoraja o vício, seu uso irresponsável e uma brutal transformação de nossa sociedade. O que buscamos com estas linhas é refletir sobre os interesses por trás das redes e explicar – parcialmente, como a realidade nunca é simples – alguns dos fenômenos que vimos nos últimos meses: por exemplo, os tumultos liderados por fascistas contra o estado de alarme gritados por “Pedro Sanchez filho da puta”, nazistas indo atrás do MENAs e tornando-se vítimas depois de se defenderem destes, teorias conspiratórias ligando a propagação do coronavírus com 5G, etc. Quando uma história é suculenta e mórbida, ela se espalha como fogo selvagem porque os algoritmos a preveem e acaba se tornando a versão oficial.
O Dilema das Redes Sociais está longe de ser perfeito. Primeiro, porque dá voz a um grupo muito específico de pessoas (ex-trabalhadores da rede social da empresa), que enquanto fazem uma crítica detalhada a este mundo, o fazem sem revelar a verdadeira fonte de todos os problemas: o capitalismo. O problema das redes sociais é o marketing. Por outro lado, o formato de documentário também não ajuda. Tem uma parte dramática com atores que representam uma história familiar maniqueísta e exagerada sobre o vício das mídias sociais cheia de clichês que minam sua credibilidade e acabam fazendo exatamente o que criticam das grandes corporações tecnológicas: condicionar nossa maneira de pensar sobre uma questão. Ainda assim, vale a pena dar uma olhada.
Há quase dez anos, saímos às ruas denunciando que “somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros” (o que deu origem ao movimento dos 15M). Talvez agora valesse a pena acrescentar ao slogan “e empresas de tecnologia”.
Fonte: https://www.todoporhacer.org/dilema-social/
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
velho no banco
corrida de meninos –
passam os anos
Carlos Seabra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!