[Espanha] Da sopa de pedras ao espaguete à Bakunin: o encontro inesperado da culinária com o anarquismo

Restaurantes como La Mandrágora e La Llibertària mantêm viva a ideologia anarquista na cozinha.

Por Adriana Calvo Solís

Comer também é um ato político e, como tal, pode ser expresso por meio da ideologia anarquista. O cientista político Pablo Simón explica exatamente em que ela consiste: “O anarquismo surgiu em meados do século XIX e propõe que o indivíduo é a medida de todas as coisas e que, portanto, qualquer forma de hierarquia ou autoridade que acabe minando os princípios da liberdade deve ser suprimida”.

De acordo com o sociólogo Nelson Méndez em seu livro Anarquismo e Gastronomia (2021), uma das primeiras obras anarquistas que estabelece relação com a gastronomia é A Conquista do Pão, escrita em 1892 por Piotr Kropotkin.

Perguntamos a Salvador Méndez, filho de Nelson, como o setor de alimentos seria organizado em um sistema baseado nessas ideias libertárias: “Não haveria relações de opressão, seja pelo Estado ou pelo mercado, que são os principais pilares contra os quais o anarquismo se levantou. Em vez disso, ele buscaria criar relações de igualdade e solidariedade em todo o processo gastronômico”.

Para entender melhor isso, Pablo Simón dá o exemplo da típica tortilha espanhola: “Um conservador pensaria que a tortilha de batata deve ser protegida, enquanto um liberal diria que a tortilha de batata deve ser bem vendida para que as pessoas a consumam, e um socialista diria que a humildes de batata deve ser com cebola ou sem cebola, dependendo da produção de cebola que tivemos naquele ano”.

Na Península Ibérica, o anarquismo se espalhou entre o último terço do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Durante esse período, podemos ver seu reflexo no setor gastronômico. “As ideias anarquistas na Espanha começaram a se popularizar por causa da fome e se expressaram sobretudo através do anarcossindicalismo, nos congressos da CNT, na criação de sindicatos de garçons, trabalhadores de sementes, leiteiros, pescadores…”, diz Salvador.

De fato, em 1937, a CNT e a FAI publicaram uma revista gráfica da indústria gastronômica, na qual incluíram uma seção com receitas para tempos de guerra, na qual propunham “cardápios de guerra”. Em outras palavras, pratos com ingredientes humildes para alimentar o maior número possível de pessoas. Por exemplo: uma sopa vegetariana para 100 pessoas, arroz com bacalhau para 500 comensais ou a tradicional escudella camperola para 300.

Hoje em dia, em nosso país, continuamos a encontrar iniciativas anarquistas que estabelecem esse diálogo com a gastronomia. É o caso do La Llibertària, um bar em Barcelona que, além de servir comida e bebida, homenageia o movimento anarquista da cidade. Em seu interior, há um pequeno museu da história do anarquismo: “Há pedaços de jornais, fotografias da Barcelona da época e do movimento operário, fotografias do meu avô e do meu pai em uma reunião sindical em um bar…”, descreve Sergio Gil, proprietário do bar e antropólogo social especializado na análise de bares e restaurantes.

La Llibertària – que fechou devido à pandemia e reabriu suas portas nesta quinta-feira – compartilha o espaço com a Fundación Restaurantes Sostenibles, uma organização que promove o ambientalismo e a sustentabilidade no setor de restaurantes. Por exemplo, trabalhar com ingredientes que respeitem a natureza, proteger a biodiversidade, colocar as pessoas no centro ou colaborar com pequenos agricultores e pescadores, entre outros objetivos.

Mas há um lugar em Valência que vai um passo além: no restaurante La Mandrágora, todos os funcionários recebem o mesmo salário, o preço do cardápio é livre e, às terças e quintas-feiras, eles cedem as instalações a grupos sociais para arrecadar dinheiro para causas beneficentes. “Nós nos organizamos de forma horizontal e em assembleia, temos funções que mudam constantemente”, diz Antoni, um dos membros da associação. Embora eles também estejam cientes das inevitáveis contradições: “Embora nos definamos como um espaço libertário e sejamos contra o trabalho assalariado, precisamos de dinheiro para viver, esse ainda é o nosso trabalho, mas, na medida do possível, tentamos nos sentir o mais confortável possível e tratar uns aos outros da melhor forma possível”.

Da mesma forma que na Argentina o Sindicato de Padeiros preparou doces para criticar o clero e o exército, em La Mandrágora eles criaram uma sobremesa chamada “brazo de madero” (braço policial), inspirada no famoso brazo de gitano, que tem como objetivo denunciar o abuso policial. Outra receita “anarquista” curiosa foi criada pelo pintor siciliano Vella, que dedicou um prato de espaguete com sardinhas – muito usado na Sicília – e tomate ao russo Mikhail Bakunin, dando ao ensopado a cor avermelhada da rebelião.

Mas talvez a refeição anarquista perfeita seja a proposta por Mina Vivas, esposa de Nelson: a chamada sopa de pedras. Essa expressão é usada na Venezuela quando não se tem nada para cozinhar e vem de uma fábula de 1720 que incentiva a cooperação em face da escassez. É assim que Mina conta a história: “Uma pessoa fica em uma praça com uma panela de água e três pedras dentro. Depois de algum tempo, alguém chega e pergunta o que ele está fazendo, ao que ele responde: ‘Estou fazendo uma sopa de pedra porque não tenho mais nada para colocar nela’. Então essa pessoa vai e pega uma cebola, depois outra vem e lhe dá uma cenoura, depois outra vem e lhe dá tomates, depois pepinos. Toda a comunidade colabora e, no final, a utopia da sopa de pedra é celebrada”.

Fonte: https://cadenaser.com/nacional/2023/05/03/de-la-sopa-de-piedras-a-los-espaguetis-a-la-bakunin-el-inesperado-encuentro-entre-cocina-y-anarquismo-radio-madrid/

Tradução > Liberto

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