[Rússia] Anarquistas de São Petersburgo cozinhando uma revolução vegana

por Ashitha Nagesh | 03/11/2019

Enquanto a Rússia entra em seu vigésimo ano sob a liderança autoritária de Vladimir Putin, a comunidade anarquista vegana em São Petersburgo prospera. Odiados pela extrema-direita e desafiados com o humor nacionalista predominante da Rússia, ativistas criaram uma versão do que a sua sociedade ideal seria – e estão promovendo esta visão com comidas deliciosas. Poderiam mudar atitudes entre outros jovens da Rússia?

Uma vez ao mês, oito pessoas que trabalham no Horizontal realizam um encontro pontual, no qual esclarecem quaisquer queixas, discutem mudanças no cardápio e votam nas alterações que desejam fazer. Na frente do restaurante delus – um buraco na parede, que serve burguers, cachorros-quentes e nuggets veganos para viagem – é coberto de adesivos promovendo o antifascismo, o anarquismo e outras lojas veganas na cidade. A oferta de refeição, algo comumente chamado de “almoço executivo” na Rússia, é chamado de “almoço antiexecutivo”.

Ultimamente, o grupo tem discutido se mudarão ou não de local – o imóvel, que elus estão atualmente sediados, realiza shows com animais em cativeiro, o que acreditam ser cruel e explorador.

Embora alguns trabalhem lá por mais tempo que outros, todos os oito membros da equipe possuem o mesmo poder de fala dentro do restaurante. Não há gerentes ou hierarquias. Varya, 26, está no restaurante por mais tempo.

“É por isso que o chamamos de Horizontal – porque todas as pessoas que se juntam ao nosso restaurante está no mesmo nível, possui os mesmos direitos e posição equivalente a todes es outres”, disse ela. O restaurante se mantém firme aos princípios de antirracismo, feminismo, direitos LGBTQ+, a abolição das fronteiras e libertação animal. Em um país onde pessoas que são não-conformes de gênero ou trans são rejeitadas, e às vezes até atacadas, Horizontal é um espaço onde o pronome preferido de qualquer pessoa será respeitado.

O grupo está planejando escrever um manifesto, declarando quais são seus valores, para se certificarem que novos membros estejam na mesma página. “Para nós, é importante que pessoas que se juntem a nós tenham uma ideologia similar, que compartilhem de nossas visões e que entendam o que ‘veganismo’ realmente significa para nós”, diz Varya.

Horizontal é um dos cerca de uma dúzia de espaços similares em São Petersburgo, promovendo um anarquismo vegano – “vegananarquismo” – ao cozinharem deliciosas comidas veganas.

‘Você é um microcosmo do mundo ao seu redor’

O termo “vegananarquista” foi cunhado pelo anarquista, sediado em Nova York, Brian Dominick, em seu ensaio de 1997, Animal Liberation and Social Revolution (Libertação Animal e Revolução Social). Nele, ele escreve que o veganismo é inerentemente entrelaçado ao antifascismo, ao ativismo dos direitos humanos e ao anticapitalismo.

O abate de animais que veganes e vegetarianes optam conscientemente por não contribuir, ele diz, depende da exploração sistemática tanto de seres humanos quanto de animais – e que somente combatendo todas as injustiças juntas, pode ume vegan lutar verdadeiramente contra qualquer uma delas.

Essa luta, sugere ele, pode ser promovida através de ações individuais e mudanças radicais no estilo de vida.

“O papel de revolucionárie é simples”, escreve Dominick. “Faça da sua vida um modelo em miniatura da sociedade alternativa e revolucionária que você imagina. Você é um microcosmo do mundo ao seu redor e, até as suas ações mais simples, afetam o contexto social do qual você faz parte. Torne esses efeitos positivos e radicais em suas próprias naturezas”.

Mas apesar da palavra “veganarquismo” ter vindo dos EUA no final do século XX, tanto o anarquismo quanto dietas livres de carne, possuem uma longa história na Rússia.

A Igreja Ortodoxa russa prescreve uma dieta baseada em plantas durante a quaresma, e a maior parte dos restaurantes ainda oferecem um “cardápio de quaresma” baseado em plantas. Enquanto isso, o vegetarianismo ético foi prosperando na Rússia pré-revolucionária – em parte devido ao exemplo dado pelo romancista Leo Tolstoy no final do século XIX.

Porém, por grande parte do período soviético, o vegetarianismo caiu em desuso, visto como uma indulgência burguesa. A Grande Enciclopédia Soviética foi longe demais ao proclamar que “o vegetarianismo, que é baseado em hipóteses e ideias falsas, não possui seguidores na União Soviética”.

Hoje, apenas 1% da população russa se diz vegetariana, de acordo com uma pesquisa da Vtsiom de 2018 – aproximadamente a proporção da população britânica que é vegan.

Quanto ao anarquismo, os filósofos russos do século XIX, Mikhail Bakunin e Peter Kropotkin, são considerados dois dos pensadores mais influentes na história anarquista.

O texto radical de Kropotkin de 1892, A Conquista do Pão, continua a influenciar anarquistas ao redor do mundo até hoje. Nele, ele diz – entre outras coisas – que um dos primeiros passos em qualquer revolução anarquista seria que o povo expropriasse a comida e os meios de produzi-la.

“Temos a audácia de declarar que todes têm direito ao pão, que há pão suficiente para todes e que com este lema do ‘Pão para Todes’ a revolução triunfará”.

Visitantes a mercearia Llamas são cumprimentades com uma pintura na parede de uma vaca mostrando os dois dedos do meio.

Dentro, sacolas com a bandeira do arco-íris, adesivos feministas e camisinhas veganas são vendidas ao lado do bolo Napoleão e canudos reutilizáveis. No freezer tem bolos varenyky e pel’meni, feitos pela She’s Got A Knife (Ela Tem Uma Faca), um “projeto culinário feminista e horizontal”. Em uma sala atrás, há um restaurante despretensioso, para viagem, chamado Tempeh Time (Hora do Tempeh). É dedicado em servir pratos feitos com tempeh – pronuncia-se tem-pay – uma proteína feita com grãos de soja fermentados.

Llamas foi aberto ano passado por Anya, 30, e Igor, 33 – a quem Anya descreve afetuosamente como seu “marido e melhor amigo”. Quando conversei com eles, estavam prestes a comemorar o primeiro aniversário da loja.

Igor me diz que com o veganismo ficando mais popular na cidade, elus queriam experimentar  e imitar espaços similares de cidades como Berlim. Até o momento, não foram até lá, mas sabiam que era a capital ativista vegana da Europa.

“As pessoas vêm aqui por aquela sensação da Europa, da liberdade, para se sentirem por alguns minutos como se estivessem em Berlim ou outro lugar”, diz ele. “Estamos tentando criar um espaço onde vegans não se sentirão envergonhades de virem com sus amigues não-vegans, e possam dizer ‘este é um lugar vegano – não é estranho ou assustador'”.

 “Não queríamos que Llamas fosse apenas uma loja, mas também um café e um ponto de encontro para nossa comunidade”, diz Anya. “Também tivemos a ideia de abrir uma barbearia aqui perto, mas isso é só uma ideia”.

“Abrir a sala dos fundos para chefs vegans foi uma grande parte da construção deste espaço comunitário e de colocar suas crenças em prática”, Anya diz. O primeiro ocupante da cozinha foi Danya, um amigo de Anya e Igor, que comandava uma pizzaria chamada Danner Pizza. Quando ele se mudou para um espaço maior, Iiuri Shilov, um fabricante de tempeh, chegou. Ele começou silenciosamente seu restaurante, o Tempeh Time, no início de agosto, antes de abrir oficialmente em 7 de setembro.

‘A comida pode ser em si uma forma de ativismo’

Eu encomendei uma grande tigela de arroz frito, tempeh e pepino fresco por 180 rublos – 2.26 libras. As outras opções no cardápio, incluindo sanduíches e sopas, são todas por volta de 200 rublos. Iiuri explicou que quer manter os preços baixos com o objetivo de fazer da comida vegana – em particular tempeh – acessível para o maior número de pessoas possível.

“Minha missão é que mais e mais pessoas provem tempeh”, diz ele sorrindo.

Iiuri o comeu a primeira vez dois anos atrás enquanto ele e sua esposa viajavam pelo sudeste da Ásia na lua de mel. Foi na Indonésia que ele pediu um prato feito com tempeh e, diz ele, que explodiu a sua cabeça. Tinha um sabor tanto parecido com cogumelos quanto nozes, com uma textura firme, mas um pouco parecida com galinha. Quando frito no óleo, com uma pequena pitada de sal, o sabor era diferente de tudo que ele já havia comido.

Rapidamente se tornou uma obsessão. Todos os dias, depois de surfar, ele iria ao mesmo café e pedia exatamente o mesmo prato que ele tinha provado aquela primeira vez, o que eu, coincidentemente, tinha acabado de pedir pra mim mesma: arroz frito, tempeh e pepino.

Mas quando a lua de mel acabou e voltaram para casa, Iiuri não conseguia achar sua nova comida favorita em nenhum lugar.

“Quando voltamos para a Rússia, eu queria comer tempeh. Eu continuei procurando por uma loja de tempeh, ou até mesmo um café de tempeh, mas não consegui achar nada”, diz Iiuri.

Então, ele decidiu fazer sozinho.

“Procurei online e achei um livro americano sobre a produção de tempeh. Era antigo – um homem chamado William Shurtleff tinha escrito na década de 70 – mas era perfeito”, disse ele.

“Depois de ler o livro, encomendei a colônia de bactérias [um ingrediente para fermentação] vinda da Indonésia, fiz minha própria incubadora em casa e comprei grãos de soja suficientes para fazer em torno de cinco a seis pacotes de tempeh. De início, fiz tempeh somente para mim e mis amigues. Então, uma vez que descobri como fazer lotes maiores, comecei vendendo para lugares como esse”, ele diz, gesticulando para a mercearia, Llamas, na qual estamos.

Muito antes, ele fazia cerca de 10kg de tempeh por lote, com um processo de mão na massa que o acordaria nas primeiras horas da manhã. “Minha esposa estava começando a ficar farta… Naquele momento tínhamos um filho de três meses de idade. Imagine: meu bebê está chorando, minha esposa ficando aborrecida e eu fazendo tempeh às 2h00 da madrugada”.

Eventualmente a esposa dele perdeu a paciência. “Iiura, vá procurar um cozinha apropriada”, ela o disse. Este veio a se tornar um ótimo conselho, porque uma vez que ele procurou – era um cômodo emprestado a ele por ume amigue de Danya, o pizzaiolo – ele conseguiu fazer mais tempeh do que nunca.

Fora da Indonésia, tempeh é muito menos comum que outras proteínas veganas, como tofu e seitan, um substituto da carne feito de glúten de trigo. Pessoalmente, nunca fui fã – mas o tempeh do Iiuri era delicioso, diferente de tudo que já provei antes.

Iiuri me contou que se tornou vegano seis anos atrás, quando ele estava trabalhando na cozinha de um bar. Ele fez para si mesmo um sanduíche de ovo frito e ume colega o perguntou “Iiuri, porque você come ovos”?, antes de utilizar algumas palavras bem escolhidas sobre a indústria da carne, laticínios e ovos. Intrigado, Iiuri assistiu a um documentário austríaco sobre veganismo.

“Foi muito nojento”, ele diz. “O que eu vi… Fez doer na minha alma. Eu me senti tão mal sobre todo o tempo em que passei comendo carne, ovos e bebendo leite”.

Agora ele tenta espalhar uma mensagem positiva sobre o veganismo através da sua culinária.

“A comida pode ser em si uma forma de ativismo”, Iiuri me diz. “Tenho clientes que comem carne, mas depois de provar tempeh, gostam dele tanto quanto. Muites amigues provaram tempeh e gostaram também – tenho um amigo que não é vegetariano, mas depois de provar tempeh ele se deu conta de que realmente não precisa de carne. Agora ele tem, pelo menos, um dia livre de carne por semana. Isto é ação”.

‘É possível mudar o mundo, uma pessoa de cada vez’

Enquanto Iiuri fornece comida vegana simples e amorosa a preços baixos, outra jovem chef vegana de 25 anos de idade, Viktoria Mosina, aplica suas crenças a alta gastronomia em seu restaurante, Grun, e faz versões veganas da comida tradicional georgiana em um café próximo, Dze Bistro.

Quando nos encontramos, Viktoria tinha acabado de ser pré-selecionada para um prêmio de culinária de São Petersburgo – a única mulher na categoria de Melhor Chef e a única vegana entre 31 competidores. Para o Dze Bistro ela criou um cardápio de Adzharuli baseado em plantas – um tipo de pão georgiano, usualmente recheado com carne. Na versão de Viktoria, no entanto, é feito com ingredientes vegetais – berinjela e romã, por exemplo, que são tradicionais na culinária georgiana.

Enquanto conversamos, ela me mostrou duas versões desconstruídas das tradicionais sopas russas do cardápio do Grun – uma sopa de urtiga e uma svekol’nik, um tipo de sopa de beterraba.

“Eu comecei a cozinhar quando tinha 16 anos e, desde então, meu foco tem sido em promover o veganismo e fazer dele popular”, diz ela. “Depois de um tempo eu me dei conta de que eu poderia tentar mudar o mundo através da comida – e agora que aprendi a cozinhar pratos com plantas que são tão bons, as pessoas não sentirão necessidade de carne”.

Haviam tão poucas pessoas veganas em São Petersburgo, quando ela começou a cozinhar, que não havia nenhum lugar para aprender sobre restaurantes. Então ela começou sua carreira em cozinhas não-veganas, cozinhando apenas as opções veganas – embora ela insistisse que não fossem marcados como veganos no cardápio.

“Na Rússia, se uma pessoa sabe que algo é vegano, ela recusará desde o início, porque possui estereótipos em sua cabeça”, explicou ela.

Quando ela, então, contou a sus clientes não-vegans o que acabaram de comer, ficavam frequentemente suspreses em saber que tinha sido feito sem nenhuma carne ou laticínio.

“Naquele momento, todos os estereótipos desapareceriam. Por causa dos meus esforços e minha popularidade, vegans não são vistos como comedores de capim ou cults tanto quanto costumavam ser vistes”, diz ela.

O foco de Viktoria é em usar ingredientes frescos e sazonais que ela cultiva na parede anexada ao restaurante, ou ela mesma colhe na natureza. Uma vez por semana ela vai para a floresta com o time da cozinha, vê quais plantas ela consegue achar e as pesquisa em livros didáticos de botânica para descobrir qual a melhor maneira de as cozinhar. Quando ela retorna a cidade, passa em torno de um a dois dias desenvolvendo novas receitas e até a semana seguinte estão no cardápio.

“É possível mudar o mundo, uma pessoa de cada vez. Esta é a forma que meu ativismo assume – mudar indivíduos”, diz ela.

Sonia, 26, se sente da mesma forma. Ela conduz um negócio de bolos chamado Run Rabbit Run (Corra Coelho Corra), o qual ela fundou pouco mais de três anos atrás com outro confeiteiro vegano chamado Slava, 31. Depois de um tempo elus se separaram amigavelmente e ele abriu seu próprio café.

Tanto quanto conduzir uma padaria, Sonia também está fazendo seu nome como uma youtuber feminista, vloggando com amigas em seu canal chamado Feministki Poyasnyayut – “Feministas Explicam” – no qual elas esclarecem “coisas sobre feminismo para pessoas comuns”. Ela também colaborou em tutoriais de culinária com o popular youtuber vegano, Mikhail Vegan.

A melhor forma de espalhar a mensagem, diz ela, é “persuadir pelo exemplo” – algo que ela tenta fazer com o Run Rabbit Run. “Se você é ume vegan étique e você é saudável, você está bem e não está morrendo – você é tão normal quanto qualquer outra pessoa, mas você é vegan – em minha experiência, essa é a melhor forma de ativismo”!

Sonia me mostra alguns de seus bolos e explica porque seus clientes não acharão açúcar não-refinado ou superalimentos em suas receitas.

“Algumas pessoas acham que ser vegan é de alguma forma automaticamente mais saudável”, diz ela. “Eu não acho. Acho que pode ser muito saudável se você quiser que seja, mas não acho que bolos devam ser saudáveis. Acho que eles são algo que você deve se satisfazer e aproveitar. São açucarados, gordurosos e cheios de carboidrato – eles não são saudáveis”.

Enquanto isso, o café que foi aberto no início desse ano por Slava, o antigo sócio de Sonia, está prosperando também. Ele me disse que está inspirado pela cultura escandinava, e por isso decidiu nomeá-lo de Fika, a palavra sueca para chá da tarde.

“Eu realmente gostei do conceito de bufê de salada, delicatessen e padaria com um café – vi coisas similares na Escandinava e Finlândia”, disse ele. Ele costumava ter um café próximo ao rio Fontanka, mas era um local pequeno e a comida era tão popular que havia quase sempre longas filas. Em sua nova localização – a qual é menos centralizada, mas mais espaçosa – é muito mais fácil ser servide.

Quando vegans de São Petersburgo dizem que sua filosofia é sobre mais do que comida, não são só palavras vazias.

Uma semana de encontrar elus, Anya e Igor do Llamas participaram do festival anual na cidade chamado Znak Ravenstva – que significa Sinal de Igual. Promove não só o veganismo, mas também feminismo, antirracismo, direitos LGBTQ+ e sustentabilidade, e tenta mostrar como todos esses movimentos estão conectados – como o próprio Brian Dominick acreditava.

Bem como barracas de comida, há palestras, workshops sobre blogs e estilo de vida zero lixo, e bandas se apresentando ao vivo.

Um dos seis co-organizadorus do festival, Kostya, 24, me disse que Znak Ravenstva está agora em seu segundo ano. Seu precursor, o Vegan Fest, que focava mais exclusivamente em veganismo, funcionou por quatros anos antes que sus organizadorus decidissem ampliar o escopo.

“Quando tentamos dizer que tudo está conectado, e se você é vegan, você precisa apoiar outros movimentos por equidade – então feministas, por exemplo, vêm e aprendem sobre veganismo e vice-versa”, diz Kostya. Mas fazer essa mudança não tem sido fácil.

“Infelizmente, quando começamos a incluir feminismo e direitos LGBT, o número de participantes caiu – por causa do preconceito”. Ele nomeou alguns restaurantes que saíram do festival, porque algumas pessoas não queriam apoiar abertamente essas causas.

Porém a popularidade do festival está crescendo, diz ele. Este ano tiveram cerca de 5 mil visitantes.

Para Anya e Igor, eventos como Znak Ravenstva são vitais, tanto para ajudar a ampliar sua comunidade, quanto para promover direitos iguais mais amplamente na cidade.

“Esses quatro dias de festival pareceram ainda melhores que o último feriado de Ano Novo por causa da atmosfera, a sensação de liberdade, a gentileza, a tolerância… Foi como uma visão da nossa Rússia ideal”, diz Anya. “É muito difícil para nós enquanto vegans sermos abertes, mas aqui podíamos vir e ver projetos diferentes, conhecer novas pessoas e fazer amizades”.

Igor concorda e adiciona que porque vegans não possuem muito apoio de fora da comunidade, espaços onde podem ser elus mesmes são realmente importantes.

“O fato deste festival até mesmo acontecer, é um pouco estranho por si só”, diz ele. “Este festival vegano, promovendo tolerância e equidade, é contra a ideologia dominante da nossa sociedade”.

Por outro lado, São Petersburgo tem uma tradição bem estabelecida de ativismo. Isto remonta a era soviética, e é por isso que Kostya diz que esta, talvez, seja a melhor cidade na Rússia para ser vegan – e para ser ume ativista no geral. Também foi por isso que ele se mudou da sua cidade natal no extremo norte da Rússia.

Há um café feminista chamado Simona, por exemplo (nomeado em homenagem a Simone de Beauvoir), que ganhou as manchetes em março, quando um grupo de homens pró-Kremlin entrou armado com flores no Dia da Mulher. Um confronto se seguiu e um dos intrusos acabou sendo pulverizado com spray de pimenta.

Em outro lugar, há um centro comunitário chamado Open Space (Espaço Aberto) para que ativistas usam sem custo – um conceito simples, mas raro em muitas cidades do mundo.

Ilya, co-fundador do Open Space, me contou que é o lar da única biblioteca feminista da cidade, a qual, quando eu visitei, é decorada com pósteres feministas antifascistas e panfletos convocando a soltura de prisioneires polítiques. Também abriga regularmente observatórios eleitorais independentes – uma tarefa arriscada na Rússia – e grupos marginalizados, incluindo a comunidade LGBT, “porque é inseguro ser abertamente gay aqui”. No total, diz ele, mais de 80 grupos de ativistas independentes organizaram eventos no espaço.

Mas se Znak Ravenstva e Open Space são microcosmos da Rússia ideal para comunidade vegana anarquista, a Rússia real é algumas vezes bem diferente. É possível ser processade pelo tipo de ativismo que muites delus apoiam e algumas vezes se envolvem.

Numerosas paradas russas do orgulho LGBT e grupos de jovens LGBT foram encerrados sob a lei de “propaganda gay” do país, a qual bane a representação positiva de relações com o mesmo sexo em qualquer mídia que pode ser consumida por crianças – incluindo a internet. Recentemente, as autoridades encerraram dois grupos comunitários LGBT de língua russa em redes sociais. E enquanto um crescente número de jovens russes parecem estar prontes para tomar as ruas para protestar contra as ações das autoridades locais – contra a exclusão de candidates nas eleições locais, por exemplo, contra a destruição do parque ou a criação de um lixão tóxico próximo ao rio – podem pagar por isso com uma prisão.

Mas há um caso em particular que atingiu os veganarquistas em São Petersburgo.

No início de novembro de 2017, o dono de um café vegano antifascista, chamado Arman Sagynbae, foi preso em sua casa em São Petersburgo e acusado de ofensas terroristas. Ele foi um dos cerca de 10 ativistas de São Petersburgo e na cidade de Penza, distante, na região de Volga, acusados pelas autoridades de fazerem parte de um “grupo terrorista anarquista” chamado “a rede”. Investigadores acusaram elus de tentar promover, através de conversas e encontros, “desestabilização adicional a política climática do país” durante as eleições e a Copa do Mundo de 2018. Vegans com quem conversei acreditam que Sagynbaev não é terrorista e que ele foi visado por ser um antifascista.

Sagynbaev inicialmente confessou as acusações feitas contra ele, mas retirou essa confissão em setembro do ano passado, alegando – em uma declaração longa e detalhada – que a polícia federal russa extraiu essa confissão através de tortura.

Dois dos co-reús dele apresentaram queixa de tortura a Corte Europeia de Direitos Humanos. Sagynbaev continua sob custódia, esperando julgamento.

A prisão de Sagynbaev, diz Igor, pareceu um aviso ao resto da comunidade.

“A situação política da Rússia nos proíbe de sermos livres enquanto ativistas vegans”, diz ele. “Na Europa é mais fácil ser abertamente vegan e apoiar direitos iguais, mas a política russa é a política da xenofobia, da ausência de liberdade de expressão”.

Quando pergunto ao Iiuri sobre política, o sorriso rapidamente é drenado do seu rosto.

“A situação política na Rússia é pior que nojenta”, diz ele. “Eu odeio nosso presidente, eu odeio nosso governo. Policiais batem em nosso pessoal, quebram suas pernas”.

Iiuri está se referindo ao designer gráfico, em manifestações recentes pró-democracia em Moscou, o qual teve sua perna quebrada por policiais em um momento em que ele nem estava protestando, apenas passando correndo pela Prefeitura.

“Ano passado, minha esposa e eu fomos em um protesto. Ela estava grávida – e o policial veio até nós e ameaçou bater nela”, Iiuri continua, parecendo visivelmente abalado pela memória. Ele me disse que ele e sua esposa até pensaram em se mudar para outro país, como o Canadá. “Eu tenho 31 anos e vivi quase toda a minha vida sob o regime de Putin. Eu não quero mais viver aqui”.

‘Nós temos um problema’

Mas não é apenas sobre as autoridades que a comunidade vegana se preocupa.

Muitas pessoas com quem falei, descreveram confrontos com grupos da extrema-direita. Vão desde neonazistas colando adesivos de extrema-direita em suas portas, até serem violentamente atacados – incluindo espancamentos e facadas.

Em outubro de 2017, um grupo de jovens ativistas de extrema-direita foram a um restaurante vegano anarquista, agora fechado, chamado Animals e dispararam chamas através dos vidros das janelas. Alguns membros foram seriamente feridos.

Animals era conduzido pelo mesmo grupo por trás do Horizontal e era localizado só há alguns metros de distância. Como o Horizontal, era um restaurante abertamente anarquista e um conhecido espaço de encontro para ativistas, diz a membro da Horizontal, Varya.

“Foram os fachos”, ela me diz, usando uma gíria para os neofascistas.

“Nós somos politicamente atives e apoiamos diferentes grupos ativistas, cobrimos nossa parede com adesivos para que soubessem nos atingir. Todes nós sabemos quem são, mas ninguém recebeu uma multa ou foi prese”.

Kostya me diz que ele inicialmente se tornou conscientemente antifascista com 15 anos de idade, crescendo em uma vila no extremo norte do distrito de Yamalo Nenets. Era uma área multicultural – incluindo membros do grupo étnico indígena Nenets – mas também havia um forte movimento nacionalista russo de extrema-direita. Isso incomodou Kostya, que acreditava que todes eram iguais.

Ainda mais cedo, quando Kostya tinha 10 anos, ele foi chocado pelo assassinato de um músico de rock de 20 anos de idade e ativista antirracista, Timur Kacharava, que foi esfaqueado até a morte por neonazis do lado de fora de uma livraria em São Petersburgo. Isso ficou guardado em sua cabeça.

“Temos um problema”, diz ele. “Infelizmente não houve nenhuma mudança na Rússia não sei por quanto tempo. Uma grande parte disso é a mídia de massa e as mensagens que o governo transmite através dela. Dizem que há um mundo contra nós, são homofóbicos e dizem que a Europa é ‘gay’, por exemplo”. Ele diz que agora muites jovens ignoram a TV e vêm as notícias online. Pesquisadores também perceberam essa tendência – uma pesquisa recente descobriu que quase metade de russes, com idades entre 18 e 24 anos, vêm suas notícias através da ampla internet sem censura.

Após um momento de pausa, Kostya adiciona: “Não acho que russes são más pessoas. Apenas não são educades e são ensinades que o resto do mundo está contra nós. Deste medo cresce um ódio contra todas as diferenças”.

Então, como é o futuro?

Apesar de tudo que vegans anarquistas de São Petersburgo enfrentam, elus continuam esperançoses sobre os anos que virão.

“Quero uma sociedade igual, gostaria que as pessoas respeitassem os animais, que respeitassem cada ume e respeitassem o planeta – e gostaria de ver um mundo sem fronteiras, sem fronteiras entre os países”, diz Varya.

Para muites, um mundo sem fronteiras seria impensável tanto quanto um mundo sem carne ou queijo. Mas Varya é destemida.

“Eu entendo que, na realidade, isto só será possível daqui há muitas gerações. Mas eu apenas espero que tragamos uma geração, então outra geração e então outra geração – então nossos descendentes finalmente poderão viver em uma sociedade muito melhor”.

Igor e Anya concordam.

“Rússia teve uma história muito difícil”, diz Igor. “Mas tudo é sobre a mentalidade do povo – sobre se vemos a inércia de uma geração ou a consciência de uma geração. Então se, pelo menos, conseguirmos construir um estado liberal, em 10 anos ou mais, podemos viver em um outro país”.

Kostya adiciona que o veganismo em São Petersburgo está crescendo muito rapidamente que até houve uma seção de direitos dos animais na parada do Primeiro de Maio da cidade este ano.

“Tínhamos mais pessoas que a Rússia Unida”, ele ri, se referindo ao partido político do presidente Putin.

“A Rússia ideal, e o mundo ideal, para mim, nos veria vivendo em harmonia e equidade, vivendo ao lado de pessoas em que somos todes diferentes, mas somos todes iguais. Onde há democracia direta – onde as pessoas votam a favor ou contra políticas diretamente através de referendos, em vez de governos representativos. E claro, onde somos ambientalmente conscientes”, diz ele.

“Um mundo sem estado, sem polícia, sem fronteiras, sem nações – onde as pessoas podem decidir por si mesmas o que querem e o que elas querem alcançar”.

Fotos tiradas por Svetlana Ivanova

Fonte: https://www.bbc.com/news/stories-49885553

Tradução > A Alquimista

agência de notícias anarquistas-ana

Pé de ipê!
Dá dó de varrer
o tapete lilás.

Cumbuka

 

3 responses to “[Rússia] Anarquistas de São Petersburgo cozinhando uma revolução vegana”

  1. EPComprar

    Ola Anarquistas, tudo bem? Aprenda com esse guia passo a passo para cozinhar vegan – Acesse esse link: http://bit.ly/passoapassocozinharvegan

  2. Acácio

    Cardápio Vegano – Guia da Alimentação Vegetariana

    É um guia sobre alimentação vegetariana desenvolvido pela nutricionista Fátima Biasoli.

    Acesse esse link e aproveite: http://bit.ly/cardapioVeganoGuiaAlimentacao

  3. adriano

    noticiasanarquistas 150 receitas veganas
    TODAS AS 150 RECEITAS FORAM DESENVOLVIDAS COM NUTRICIONISTAS & CADA UMA DELAS TEM INFORMAÇÕES NUTRICIONAIS, PARA QUE VOCÊ CONHEÇA MAIS OS BENEFÍCIOS DOS LEGUMES, GRÃOS, VERDURAS & FRUTAS
    http://bit.ly/alimentostotalmentesvegana