Queimadas como estratégia do agronegócio para a expansão territorial: Uma análise anarquista

As queimadas são uma estratégia de expansão territorial do agronegócio às custas da saúde pública e do equilíbrio ecológico dos biomas. Elas fazem parte do projeto da fração agrária da burguesia interna para a ampliação de áreas de cultivo e pastagem. A maior parte das queimadas resulta do desmatamento ilegal, motivado pela expansão acelerada do agronegócio, e é de conhecimento e cumplicidade das autoridades. O legado socioambiental desse projeto expansionista de lucro privado é a degradação ambiental, o roubo de terras, a morte de animais selvagens e a precarização da saúde da classe trabalhadora, particularmente dos setores mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com problemas respiratórios.

Em 2024, incêndios queimaram a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal, atingindo diversas regiões do Brasil, inclusive metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro. De acordo com dados do Programa Queimadas do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), houve um crescimento das queimadas em todas as regiões do país em comparação a 2023. O desmatamento no Cerrado, desde janeiro de 2023, resultou na emissão de mais de 135 milhões de toneladas de CO2, o que equivale a cerca de 1,5 vezes as emissões anuais do setor industrial brasileiro. Em 2024, o Cerrado registrou, até setembro, o maior número de queimadas desde 2012, afetando aproximadamente 11 milhões de hectares, conforme dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As emissões associadas ao desmatamento estão principalmente concentradas na região do MATOPIBA, entre janeiro e julho de 2023, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

No Centro-Oeste, o Mato Grosso do Sul apresentou um aumento de 601%, com 11.990 focos em 2024; o Distrito Federal registrou um crescimento de 269%, totalizando 318 focos; e em Mato Grosso, o aumento foi de 217%, chegando a 45 mil focos. No Norte, o Pará também teve uma elevação, contabilizando 17.297 focos, o que representa um crescimento de 21,2%. No Sudeste, destacam-se os aumentos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em São Paulo, o crescimento foi de 428% em setembro, com 7.855 focos registrados. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 184%, totalizando 1.074 focos.

Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do INPE, responsabilizou o agronegócio por essa situação e recebeu hostilidade do setor. Nem mesmo o aparelho repressor do Estado conseguiu omitir que as queimadas foram planejadas. Embora oculte a origem de classe dessas ações, o delegado Humberto Freire de Barros, diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, afirmou em entrevista à Globo News que investigações preliminares indicam que vários incêndios começaram quase simultaneamente, sugerindo a possibilidade de uma coordenação. Ao mesmo tempo, a fração jurídica do Estado tem tentado ocultar os responsáveis já identificados, como ficou explícito na decisão judicial que determinou que o nome de um indivíduo envolvido no desmatamento e em incêndios no Pantanal, na região de Corumbá (MS), permanecesse sob sigilo.

O governo Lula-Alckmin (PT-PSB) anunciou recentemente a reativação de iniciativas de combate ao desmatamento, incluindo o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). Contudo, o governo liberou para o combate aos incêndios cerca de 0,1% do que foi destinado aos latifundiários do agronegócio através do Plano Safra, que destinou R$ 400 bilhões à agricultura empresarial, um aumento de 10% em relação à safra anterior. Além disso, R$ 108 bilhões em títulos de dívida emitidos por bancos elevaram o total disponível para o agronegócio nacional para R$ 508 bilhões.

Demonstrando o compromisso do atual governo com a continuidade de um modelo agrário-exportador para o Brasil — e destacando que a prática de “passar a boiada” não é exclusiva do governo Bolsonaro —, em setembro, os ministros das Relações Exteriores e da Agricultura, Mauro Vieira e Carlos Fávaro, enviaram uma carta à liderança da União Europeia (UE) expressando preocupação com a nova legislação aprovada pelo bloco. Essa lei, conhecida como EUDR, proíbe a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas, independentemente da legalidade, a partir de 2020. A medida, que entrará em vigor no final deste ano, terá um impacto significativo nas exportações para a região. Em um país que é o segundo maior em assassinatos de ambientalistas, as respostas governamentais têm se concentrado em esforços limitados de combate às queimadas e em ameaças tímidas de punição aos responsáveis, sem abordar a base do poder dos latifundiários: a posse da terra.

Questão ambiental como questão social: a necessidade de uma revolução integral

Do ponto de vista anarquista, em uma sociedade de classes, a questão ambiental é uma questão social. Ou seja, em sociedades nas quais a apropriação da terra e da natureza é mediada pela propriedade privada dos meios de produção e regulada por uma autoridade estatal que legitima e viabiliza essa apropriação, os usos dos biomas não ocorrem nas mesmas condições para as diferentes classes sociais.

As próprias classes construíram relações diferenciadas com os biomas ao longo do tempo no Brasil. O campesinato, os povos indígenas e as comunidades tradicionais se relacionaram com a Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa visando à sua reprodução social, construindo culturas e formas de organização social que conservam esses biomas porque deles dependem para sua sobrevivência. Já a burguesia tem transformado a biodiversidade dos biomas para servir às suas monoculturas, pastos e minas, visando à acumulação de capital por meio da exportação de commodities.

O Estado não apenas protegeu, por meio de legislação e forças policiais e militares, as transformações ecológicas necessárias para a expansão da economia capitalista, mas também tornou possível a apropriação burguesa dos biomas, através de uma burocracia técnico-científica que mapeou fronteiras agrícolas, minerais e energéticas para a instalação de frentes de expansão em territórios tradicionalmente habitados por uma diversidade de povos. A expansão do capitalismo e do estatismo está dialeticamente vinculada. A expansão do Estado-nação implicou tanto uma integração subordinada dos povos ao sistema de governo quanto uma degradação ecológica dos biomas para a instalação de infraestruturas (fazendas, barragens, rodovias, linhões de energia, usinas eólicas, solares, nucleares), resultando, assim, em um processo de dominação socioecológica de povos e biomas.

As lógicas do estatismo e do capitalismo são expansionistas. O Estado visa aumentar seu domínio subordinando e integrando povos e territórios. O capitalismo está assentado na busca infinita por crescimento e lucro por meio da exploração da força coletiva de trabalho e da apropriação privada da natureza. Ambas as estruturas de dominação são incompatíveis com a preservação da diversidade de povos e biomas do Brasil e da América Latina, o que implica que o equilíbrio ecológico necessário à reprodução da vida e à salvaguarda dos povos depende de um combate à degradada ordem socioecológica produzida pelo Estado e pelo capital.

O Estado e o capital devem ser encarados não apenas como instituições sociopolíticas e econômicas das classes dominantes assentadas na exploração e dominação da força coletiva do proletariado internacional, mas também como agentes capazes de alterar o equilíbrio ecológico de solos, aquíferos e da atmosfera, milenarmente alcançados pela natureza, para atender às suas lógicas expansionistas de centralização de poder e concentração de capital. nesse sentido, o Estado e o capital são capazes de produzir um ordenamento socioecológico pelo qual o poder e a riqueza da classe dominante são garantidos e reproduzidos às custas das condições socioecológicas de vida dos povos e da natureza.

Frente a uma crise integral, que é econômica, política, social e ambiental, necessitamos de uma revolução social também integral. O futuro do equilíbrio ecológico do planeta, da liberdade e do bem-estar dos povos depende dessa revolução integral e internacionalista, capaz de socializar os monopólios de riqueza e poder e reordenar profundamente as atuais relações socioecológicas.

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