Cartas para Mónica e Francisco

Anarquia anti-civilização

Uma breve introdução à crítica anarquista anticivilização, entendida como crítica ao processo histórico de dominação e destruição ecológica, e defesa de formas de vida diferentes do modelo civilizatório dominante.
 
Anarquia e crítica à civilização

Anarquia, em seu sentido mais profundo, é a luta pela autonomia frente a todas as formas de dominação: o estado, o capital, o patriarcado, o racismo, a heteronormatividade, a lógica colonial e a objetificação da vida. Historicamente, muitos povos originários resistiram e seguem resistindo à imposição de um mundo centrado no controle e na acumulação. Essas resistências, ainda que não se identifiquem explicitamente como “anarquistas”, compartilham com o anarquismo o impulso pela liberdade e pela recusa à autoridade imposta.

Criticar a civilização significa se opor radicalmente ao colonialismo e suas consequências, pois foi pela dominação colonial que a civilização se espalhou pelo mundo. Significa também questionar a própria noção de “progresso” que sustenta o projeto civilizatório. Uma noção que, mesmo entre anarquistas e comunistas do século XIX, era tomada como um bem em si. A crítica à civilização contemporânea denuncia que o chamado “progresso” não é neutro nem universal, mas implica em destruição, dependência e controle. O que se apresenta como avanço (tecnologias, infraestrutura e conforto) carrega consigo formas intensificadas de alienação, vigilância, extração e devastação.

A civilização é, como dizem alguns pensadores anarquistas contemporâneos, um processo histórico de dominação do ser humano e das demais formas de vida, que transforma a natureza em recurso e os seres em engrenagens de um sistema. Os civilizados amam suas prisões e chamam de liberdade o acesso a comodidades dentro delas.

Perguntar se precisamos da eletricidade, da conectividade permanente, das máquinas que consomem a vida do planeta para manter nossa “rotina” é tratado como heresia, mesmo dentro dos movimentos sociais que se dizem anticapitalistas. Em geral, as críticas à tecnologia se limitam aos seus efeitos colaterais, e não à sua lógica fundamental. É comum ouvir que “o problema não é a tecnologia, mas seu uso”. Mas isso ignora que toda tecnologia carrega consigo uma forma de vida: modos de produção, relação com o tempo, com o corpo, com o outro, com o mundo. Produzir eletricidade por meio de hidroelétricas, por exemplo, envolve o controle forçado de rios, a escavação de terras indígenas, a instalação de redes de vigilância, a dependência de redes globais de exploração. Podemos mesmo dissociar isso do poder?

A ideia de que “as forças produtivas” redimiriam a humanidade se libertas do capital ou do estado ainda encontra defensores na esquerda. Mas a teoria crítica tem mostrado que a própria fé na redenção técnica é parte da ideologia dominante. A civilização se apresenta como redentora de seus próprios crimes: contamina e promete cura, escraviza e promete liberdade, destrói e promete regeneração. A civilização criou os problemas que ela mesma promete resolver.

No século XIX, os anarquistas clássicos, como Bakunin e Kropotkin, viviam num mundo em que a civilização industrial era vista como inevitável. Mesmo os mais radicais pensavam a libertação como um melhor aproveitamento das forças da modernidade. Hoje, após guerras mundiais, colapsos ecológicos, pandemias e vigilância digital em massa, temos outros elementos para repensar isso. A própria ideia de “civilização” como medida de valor humano já se mostra obsoleta, não apenas como conceito eurocêntrico, mas como projeto destrutivo.

As ciências humanas ainda relutam em abandonar a ideia de civilização como destino. A maioria das definições continuam neutras ou celebratórias. Questionar o próprio processo civilizatório é frequentemente descartado como “inviável” ou “antipolítico”. Mas isso está mudando. Cada vez mais vozes de comunidades indígenas, quilombolas, periferias urbanas, coletivos anarquistas, ecofeministas e pensadores decoloniais questionam se o modo de vida civilizado, urbano-industrial, digitalizado e objetificado, é realmente desejável ou mesmo sustentável.

No Brasil, essa crítica se torna especialmente relevante diante do esgotamento da política institucional. A esquerda institucional aderiu à defesa do progresso, do desenvolvimento sustentável e da inclusão no mercado, sem questionar as bases coloniais e extrativistas desse projeto. Enquanto isso, as lutas mais vivas e inovadoras surgem fora das instituições: nas ocupações urbanas, nas retomadas indígenas, nas greves espontâneas e nas redes de cuidado e apoio mútuo que se formam nos territórios abandonados pelo estado.

A crítica à civilização, portanto, não é um luxo teórico. É uma necessidade prática. Não se trata de voltar ao passado, mas de romper com o caminho único imposto como “futuro”. Trata-se de multiplicar os mundos possíveis: mundos onde a vida não dependa da destruição de outras vidas, onde a liberdade não seja medida pelo consumo, e onde possamos reaprender a viver sem dominar violentamente tudo o que existe.

>> Para ler o texto na íntegra, clique aqui:

https://contraciv.noblogs.org/anarquia-anti-civilizacao/

agência de notícias anarquistas-ana

a volta ao lar
inquieta serenidade
parece que foi ontem

Seadog

Declaração da Frente Anarquista do Irã e do Afeganistão condenando a belicosidade dos Estados

Nós, da Frente Anarquista do Irã e do Afeganistão, reafirmamos mais uma vez nossa postura inabalável e baseada em princípios:

Toda guerra, de qualquer escala e sob qualquer pretexto, iniciada ou prolongada pelos Estados deve ser condenada de forma inequívoca.


Os Estados, independentemente de sua forma ou aparência, utilizam a guerra como instrumento de sobrevivência e controle. E, nesse processo, são as vidas, a dignidade e o futuro das pessoas comuns que são pisoteados.

Em um momento em que o mundo se vê novamente envolvido em violência, bombardeios, mortes, deslocamentos e insegurança, insistimos nesta verdade duradoura: as verdadeiras vítimas da guerra são sempre as pessoas — não os Estados, não as ideologias, não as fronteiras.

Nossa luta, como sempre, não é pela redistribuição de poder entre elites, mas contra a própria instituição do Estado e todas as formas de dominação organizada.

Nos solidarizamos, com cuidado e determinação, com o povo do Irã, do Afeganistão e de toda a região em geral.

O que presenciamos hoje são, por um lado, os crimes flagrantes do regime israelense, que ataca a população civil em Gaza e em outros lugares com brutalidade implacável. Por outro lado, vemos a República Islâmica do Irã manipulando o medo da população, jogando jogos geopolíticos à custa de vidas iranianas e impondo o peso da guerra à sociedade.

Vemos a República Islâmica não apenas como um belicista regional, mas como parte de uma cadeia global de dominação e repressão: um regime que, durante décadas, atacou o povo iraniano com censura, pobreza, encarceramento, tortura e execuções, e que põe em risco, de maneira imprudente, milhões de pessoas por meio de suas provocações militares.

Embora condenemos as atrocidades do regime sionista nos termos mais duros, também declaramos que a luta contra a República Islâmica faz parte da nossa luta mais ampla contra todos os Estados e estruturas de dominação — uma luta que continuará.

Lutamos por um mundo sem fronteiras, sem Estados, sem exércitos nem autoritarismo; um mundo onde a humanidade, a vida e a liberdade estejam no centro. Nossa principal luta sempre foi contra o autoritarismo político, o totalitarismo e o próprio Estado.

Frente Anarquista do Irã e do Afeganistão
13 de junho de 1404 (Calendário Persa)
Fonte: https://cnt-ait.info/2025/06/15/declaration-iran/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Triste despedida
Que fazer com esta carta?
Outro origami?

Chico Pascal

Apelo internacional para o dia 21 DE JUNHO – DIA DA DESERÇÃO – NENHUMA GUERRA A NÃO SER A GUERRA DE CLASSES!

Convidamos indivíduos, grupos e comunidades de todo o mundo a celebrar o dia 21 de junho como o Dia da Deserção: um dia de consciência, resistência e coragem para dizer NÃO à guerra.

Este dia é:

– Uma expressão de solidariedade com todos àqueles que se recusaram ou se recusam a lutar,
– Uma homenagem àqueles que foram executados, presos ou perseguidos por deserção,
– Uma recordação de que todas as guerras podem terminar quando as pessoas param de lutar.

O símbolo de hoje é a margarida, uma flor simples mas resistente que cresce mesmo entre as ruínas da guerra.

Usem-na, desenhem-na, plantem-na e espalhem o seu desafio silencioso.

MANIFESTO 21 DE JUNHO – DIA DA DESERÇÃO

Nós, que nos recusamos a matar ou a sermos mortos, declaramos o dia 21 de junho Dia da Deserção: um dia para todos aqueles que desafiaram a guerra abandonando os seus mecanismos.

Este é um dia para celebrar a vida, não a morte. Não somos heróis dos livros de história, mas sobreviventes de consciência.

Um desertor não é um traidor. Um desertor mantém-se fiel ao que nos torna humanos: compaixão, consciência e vontade de escolher.

Em todas as guerras, alguém se levanta e diz: Não! Esta não é a minha guerra!

No dia mais longo do ano, quando a luz vence a escuridão, lembramo-nos de que, mesmo nos tempos mais militarizados, há quem se recuse a apertar o gatilho.

O ato de deserção é um grito contra a guerra e um sussurro de esperança para o mundo que está para além dela.

https://www.facebook.com/profile.php?id=61570388985217

https://dezerter.noblogs.org/
Contato: dezerter@riseup.net

Apoiado pela Rede de Anarquistas Internacionalistas (NAI), fundada pelo Grupo Anarquista Comunista e pela Rede Anarcom

Fonte: https://anarcomuk.uk/2025/06/15/international-call-for-june-21-desertion-day-no-war-but-the-class-war/

agência de notícias anarquistas-ana

O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.

Guilherme de Almeida

[Espanha] Doze anos da inauguração da Biblioteca “José Garcia Rúa” da CNT-AIT de Puerto Real

Já se passaram doze anos de esforço e perseverança para alcançar o objetivo que nos propusemos. O objetivo era que nossa biblioteca levasse o nome de “José Luis García Rúa”, como foi decidido por todos no Sindicato em 2013. Essa conquista se ampliou com a doação feita por José Luis de sua biblioteca pessoal ao nosso Sindicato, conforme ele deixou expresso antes de seu falecimento.
 
Chegamos à marca de 5.500 livros, além de documentos, fotos, filmes, vídeos etc. A biblioteca também organiza fóruns de debate, poesias de protesto, conferências e já publicou vários livros, o mais recente em março de 2025, intitulado “Puerto Real: Memória de um povo operário e solidário”. Para nós, o mais importante foi seu companheirismo, sua amizade e seu compromisso com as ideias anarcossindicalistas, demonstrado ao longo de sua vida.
 
Texto da placa entregue a José Luis em uma conferência em Puerto Real, durante as comemorações do Centenário da CNT-AIT (2010), para um auditório completamente lotado:
 
Nestes tempos em que se passa do preto ao vermelho e do vermelho ao amarelo intenso, todos precisamos de um ponto de apoio; uma referência limpa e plena de consciência, que pouquíssimas pessoas possuem e que as torna indispensáveis. A José Luis García Rúa, com o maior carinho de teus companheiros da CNT-AIT de Puerto Real.
 
Sempre estarás em nossos corações.
 
Saúde, Anarquia e Revolução Social.
 
Que perdure!!!
 
Biblioteca “José Luis García Rúa” – Sindicato de Ofícios Vários CNT-AIT Puerto Real
Puerto Real, 2025
 
Fonte: https://pacosalud.blogspot.com/2025/06/doce-anos-de-la-inauguracion-de-la.html
 
Tradução > Liberto
 
Conteúdo relacionado:
 
https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2011/10/28/espanha-jose-luis-garcia-rua-%e2%80%9cacabar-com-o-sistema-e-a-solucao%e2%80%9d/
 
agência de notícias anarquistas-ana
 
Sombra no mato
passarinho assovia —
avencas ao vento.
 
Mô Schnepfleitner

Além do Estado e do Capital

O território dominado pelo denominado estado do Espírito Santo, no Brasil, marcado pela riqueza de seu solo, pela força de seu agronegócio e pela dinâmica de seus portos, é mais um exemplo claro de como a exploração capitalista e estatal sequestra o fruto do trabalho coletivo.

Enquanto os trabalhadores capixabas geram riqueza através da mineração de mármore e granito, agricultura e logística, vivem sob a sombra da desigualdade, onde uma minoria concentra lucros e poder. Essa contradição revela uma verdade incômoda: a produção local é mais que suficiente para garantir vida digna a todos, mas o sistema vigente — sustentado pelo Estado e pelo capital — transforma trabalho em mercadoria e seres humanos em números. É diante desse cenário que afirmamos que a autonomia não é utopia; é uma necessidade urgente.

A economia capixaba, impulsionada por setores estratégicos, depende fundamentalmente da mão dos explorados, obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver. No entanto, o lucro, mais-valia, ou qualquer outra nomenclatura no mesmo sentido que se queira empregar, gerado por esses trabalhadores é desviada para enriquecer elites e corporações. O mármore, o minério de ferro que atravessa o território, o café colhido nas serras e os contêineres movimentados em Vitória são símbolos de um potencial subutilizado: se o povo organizasse diretamente a produção, distribuindo recursos de forma igualitária, não faltaria alimento, moradia ou acesso à saúde. Recordamos que cooperativas, assembleias populares e redes de apoio mútuo já demonstram que a autogestão é viável. No mesmo sentido, nunca cansaremos de repetir que o Estado, longe de ser um mediador neutro, atua como guardião dos privilégios de poucos.

De outro lado, a era digital oferece instrumentos poderosos para romper com as amarras hierárquicas. Plataformas de comunicação decentralizadas, criptomoedas comunitárias e redes sociais alternativas permitem que trabalhadores articulem greves, organizem distribuição de alimentos ou gerenciem demandas locais sem depender de estruturas burocráticas. Imaginemos, por exemplo, algo totalmente tangível no Espírito Santo, como uma rede de agricultores conectando-se diretamente a consumidores via aplicativos livres, eliminando intermediários que inflacionam preços. O mesmo poderia ser aplicado em todos os setores da sociedade, já que a tecnologia, longe de ser um fim em si, pode servir à emancipação: substituir a verticalidade do capital pela horizontalidade das comunidades.

O que vale para o Espírito Santo aplica-se ao Brasil e ao planeta. Se cada região assumisse o controle de seus recursos, interligando-se em uma teia de solidariedade, o colapso ambiental e a fome seriam combatidos coletivamente. A globalização capitalista, que destrói ecossistemas para alimentar o lucro, seria substituída por uma internacionalização das lutas, onde indígenas da Amazônia, operários de Vitória e camponeses da África compartilhariam conhecimento e apoio. A crise climática e a precarização do trabalho não têm fronteiras — tampouco deve ter a resistência.

É nesse contexto que a Federação Anarquista Capixaba (FACA) conclama todas as exploradas e explorados a rejeitar a ilusão de reformas dentro do sistema. O capitalismo e o Estado são vírus que corrompem toda tentativa de justiça. Construamos, a partir das ruínas deste modelo falido, comunidades baseadas na ajuda mútua, na democracia direta e na ética anticapitalista. O Espírito Santo tem os recursos e o povo; o mundo tem a tecnologia e a urgência. Juntos, somos capazes de criar um novo mundo — onde a liberdade não seja privilégio, mas o alicerce da existência. A revolução não virá de cima: nascerá das mãos daqueles que ousam sonhar e agir.

Pela revolução social!

Federação Anarquista Capixaba – FACA

fedca@riseup.net

federacaocapixaba.noblogs.org

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a noite sorri
lua crescente
nos olhos do guri

Alonso Alvarez

[Espanha] II Jornadas contra o sistema tecnoindustrial

Sexta-feira 20

19h00 Palestra-debate: “Resistência contra a nuvem: impacto ambiental dos chamados data centers”, por Tu nube seca mi rio (Sua nuvem seca meu rio)

Sábado 21

12h00 Palestra-debate: “Perspectivas e experiências da luta em defesa do território na Cantabria”

14h00 Almoço 100% vegetariano

17h00 Oficina “Um uso mais seguro dos smartphones”

19h00 Palestra-debate “A crítica anarquista da ideologia – A abolição da escravidão moderna”, por Jason McQuinn

Domingo 22

12h00 Exibição do documentário: “Nada nos detendrá: ZAD del Amassada”

17h00 Palestra-debate: Guerra Robótica e Inteligência Artificial

19h00 Palestra-debate: O que é o sistema tecnoindustrial?

Ateneo Libertario La Garra

Calle Pico Moncayo, 22. Vallekas, Madrid

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O tico-tico
Pensando ser abelha
Pousa nas flores.

Joice Cristina Souza

A política autônoma está em um impasse no México?

Análise do estado da política autônoma no chamado México.

A política autônoma está em um impasse no México? Isso depende de onde você a procura e do que entende por autonomia. Mais de trinta anos de organização comunitária e resistência política articuladas em torno de um discurso de autonomia levaram ao enquadramento da política autônoma dentro do arcabouço legislativo e jurídico do Estado mexicano, sem falar da política das organizações de direitos humanos, ONGs e instituições internacionais, o que, por sua vez, moldou a prática da política autônoma no cotidiano e nas comunidades.

Vamos considerar duas concepções diferentes de autonomia. Primeiramente, a política autônoma como prática de auto-organização, autogestão e autodeterminação; algo incorporado no cotidiano, derivado de baixo e de dentro. Uma expressão viva da organização social, sempre em movimento, enraizada mas espontânea. Política autônoma como algo plural, autonomias, definidas e desenvolvidas conforme cada luta em seu contexto. Autonomia como meio de luta, de prefiguração, de ação direta.

Vejamos agora outra concepção. Autonomia como um direito a ser reconhecido e garantido pelo Estado. Autonomia mapeada, definida e ditada pela legislação estatal. Autonomia como uma demanda feita ao Estado. A demanda pelo direito à autonomia; a demanda por respeito à autonomia; até mesmo a demanda pelo direito de defender o direito à autonomia. Política autônoma moldada pelos mecanismos burocráticos, legais e judiciais do Estado.

O desenvolvimento histórico do movimento zapatista em Chiapas encarna essas duas concepções diferentes de autonomia. Nos dias que se seguiram ao levante de 1º de janeiro de 1994, a rebelião foi respondida com força bruta pelo Estado. Após 12 dias de combates, foi alcançado um cessar-fogo e acordados diálogos entre os rebeldes indígenas e o Estado mexicano. Esses diálogos eventualmente levaram à assinatura do que ficou conhecido como os Acordos de San Andrés.

Em 2001, o Congresso aprovou uma versão diluída dos Acordos de San Andrés, que foi rejeitada categoricamente pelos zapatistas. Em resposta, os zapatistas romperam o diálogo com o governo mexicano. A ruptura dos diálogos levou os zapatistas a passarem de uma abordagem da autonomia como demanda dirigida ao Estado e como forma de reconhecimento legal, à organização e construção da autonomia na prática, em seus territórios e comunidades. Essa ruptura com o Estado pode ter sido a chave para o sucesso dos zapatistas.

No entanto, além do movimento zapatista, o Estado parece ter encontrado na política de reconhecimento um meio de restringir a atividade autônoma livre de comunidades e movimentos indígenas. O governo federal, junto a diversos governos estaduais, aprovou legislações que reconhecem, de diferentes formas, a autonomia indígena; contudo, essa autonomia está sempre subordinada à autoridade soberana do Estado-nação mexicano. Enquanto isso, o saque dos territórios indígenas, os assassinatos e encarceramentos de defensores da terra, e as múltiplas formas de expropriação contra comunidades indígenas continuam com força voraz.

Em vez de produzir condições para a liberdade, a autonomia como direito a ser reconhecido pelo Estado parece estar levando movimentos e lutas comunitárias a um beco sem saída. Os efeitos são desmobilização e exclusão de outras táticas e formas de organização que poderiam desafiar, subverter ou ameaçar os caminhos legais exigidos pelo Estado. Isso também leva os movimentos a “performar o Estado”, como diz Audra Simpson, moldando previamente suas práticas para se adequarem às estruturas e discursos do reconhecimento estatal.

Ao mesmo tempo, ONGs, organizações de direitos humanos e outros atores “não estatais” cumprem papel semelhante ao do Estado, restringindo a autodeterminação dos movimentos comunitários. Sempre que uma luta irrompe em algum lugar, essas organizações rapidamente aparecem com advogados, manuais de instrução e caminhos pré-determinados de resistência política. A luta da comunidade então segue um roteiro, em vez de se desenvolver de forma autodeterminada. As estratégias e políticas dessas organizações frequentemente servem mais aos interesses (e às contas bancárias) das próprias organizações do que à luta das comunidades por autodeterminação e autonomia.

Voltando à pergunta inicial: a política autônoma está em um impasse no México? De certo modo, a resposta é óbvia. Se por impasse entendemos um beco sem saída, um espaço sem escapatória, e se entendemos política autônoma como auto-organização, autogestão e autodeterminação livres, então a política autônoma jamais estará em impasse. As expressões de autonomia estão sempre presentes no cotidiano dos bairros e comunidades, no trabalho coletivo e nas terras comunais, nas formas de ajuda mútua e de reprodução comunitária. Essa atividade livre torna o impasse impossível.

Por outro lado, se a autonomia for ainda mais articulada à linguagem, aos limites e processos do Estado e sua burocracia, é provável que esses movimentos e formas de organização se vejam cada vez mais alienados de sua capacidade de auto-organização, mais confinados às geografias legais, judiciais e burocráticas do Estado, sufocando sua espontaneidade e autodeterminação.

Podemos dizer que o impasse é exatamente onde o Estado quer que a política autônoma esteja. Presa no diálogo, reduzida a caminhos e formas de vida permitidas, incapaz de avançar ou escapar, enclausurada em um beco sem saída. A tarefa que se impõe é fortalecer e expandir essas outras expressões de autonomia, onde as comunidades decidem seus futuros de forma livre, coletiva, prática e em movimento.

Fonte: https://itsgoingdown.org/are-autonomous-politics-at-an-impasse/

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

Ipê desflorido
Sabiá desce do galho
Som de folhas secas.

Mizu No Oto

[Reino Unido] Relato da Feira Anarquista de Livros Ewan Brown em Newcastle

As bancas, oficinas e o show pós-evento fizeram deste um dia memorável
 
Don B ~
 
No sábado (7 de junho), ocorreu a quarta edição anual da Feira Anarquista de Livros Ewan Brown, realizada no Star and Shadow Cinema, em Newcastle Upon-Tyne. Já consolidada no calendário das feiras anarquistas do Reino Unido, as expectativas para o evento, como sempre, eram altas, e mais uma vez ele se superou, ampliando os sucessos dos anos anteriores.
 
Foi um dia de solidariedade, prazer e organização dedicada para futuras ações e iniciativas. Tudo isso não apenas pela causa do anarquismo, mas também em memória amorosa de Ewan Brown, um anarquista local que infelizmente perdemos e cuja ausência é profundamente sentida.
 
As bancas marcaram forte presença, com uma boa mistura de grupos locais e organizações de âmbito nacional. Da região, participaram o North East Anarchist Group (NEAG), a filial de Northumbria do sindicato IWW, a Food and Solidarity (organização local de ajuda mútua), o Tyneside Anarchist Archive e a campanha Battle of Stockton. Grupos locais de solidariedade à Palestina também estiveram presentes, como o Newcastle PSC e o People Against Rafael (grupo dedicado a fechar uma fábrica de armas de propriedade israelense na região), que compartilharam uma banca. Entre os grupos nacionais e internacionais estavam a AK Press, a PM Press e a Freedom Press. Todas as bancas atraíram bastante atenção ao longo do dia, e por vezes era difícil circular pelas duas salas onde estavam instaladas.
 
O tema das oficinas deste ano foi: “Fluxo criativo: escrevendo, falando, usando sua mente e suas mãos para transformar o mundo ao seu redor”. Foram cinco oficinas no total. O dia começou com uma palestra sobre escrita para pessoas presas, abordando como escrever de forma eficaz para quem está encarcerado. Em seguida, um membro do IWW falou sobre escrita radical e apresentou a nova publicação do sindicato, The Wobbly Times. A Food and Solidarity abordou estratégias e organização comunitária, enquanto o grupo Palestine Action falou sobre ações diretas e como contribuir para desmantelar a máquina de guerra israelense no Reino Unido. As oficinas se encerraram com um espaço de discussão para pessoas trans e não-binárias. Todas as atividades foram bem frequentadas, em especial a fala do Palestine Action, que lotou a sala a ponto de não ser possível se mover, o que demonstra o forte desejo por ações diretas radicais frente ao genocídio.
 
O dia terminou com um show à tarde. As bandas Gaydar, Ketwig Salon e Driven Serious se apresentaram para um público animado. O evento arrecadou fundos significativos para a próxima edição da feira e também ofereceu um merecido momento de descanso e confraternização.
 
A feira teve uma presença excelente ao longo do dia, com o espaço cheio nas salas de bancas, oficinas e no café do Star and Shadow. Com tantas causas locais para se envolver, da solidariedade com a Palestina à ajuda mútua, manter uma presença anarquista nesses espaços é mais importante do que nunca. O anarquismo está claramente em ascensão no Nordeste da Inglaterra, e eventos como esta feira são datas fundamentais no calendário para fortalecer nossa organização para mais um ano de luta.
 
Fonte: https://freedomnews.org.uk/2025/06/12/report-from-newcastle-ewan-brown-anarchist-bookfair-2/
 
Tradução > Contrafatual
 
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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/06/02/reino-unido-4a-feira-do-livro-anarquista-ewan-brown-de-newcastle-2025/
 
agência de notícias anarquistas-ana
 
Voando por aí
Pequena joaninha
Procura um lar.
 
Enzo Zanolli de Oliveira Puga

[Alemanha] “Amor e força na clandestinidade e na prisão”

Milhares de pessoas se manifestaram em Jena no sábado (14/06) contra a criminalização da Antifa. Eles também exigiram a deportação da ativista Maja T. para a Alemanha.
 
Milhares de ativistas da Antifa se manifestaram em Jena no sábado. Sob o lema “Agora mais do que nunca – o antifascismo é necessário! Liberdade para todos os antifascistas”, uma aliança de grupos antifascistas se mobilizou amplamente. Os organizadores relataram quase 10.000 participantes. A manifestação foi direcionada contra a criminalização do antifascismo, a violência de direita e a crescente extrema direita na Alemanha e em todo o mundo.
 
A coalizão escolheu Jena como local para a manifestação por vários motivos. Primeiro, o trio central do grupo extremista de direita NSU (Cruz Nacional Socialista, ou NSU) é natural da cidade. Além disso, a ativista não binária da Antifa, Maja T., de 24 anos, é natural de Jena. Maja está atualmente presa na Hungria.
 
Maja é acusada de envolvimento em dois ataques contra extremistas de direita em Budapeste, em fevereiro de 2023, no chamado “Dia da Honra”. Em junho de 2024, Maja foi extraditada para a Hungria e está em confinamento solitário há mais de onze meses. No entanto, o Tribunal Constitucional Federal decidiu posteriormente que a extradição foi ilegal. Apesar disso, o julgamento de Maja está em andamento na Hungria desde fevereiro, e ela pode ser condenada a até 24 anos de prisão. A ativista é acusada de lesão corporal com risco de vida e de pertencer a uma organização criminosa.
 
Maja está em greve de fome há 13 dias. O advogado húngaro de Maja solicitou, portanto, a suspensão do julgamento. No entanto, o tribunal rejeitou o pedido. De acordo com observadores do julgamento, tanto o promotor público quanto o juiz expressaram dúvidas sobre se Maja estava realmente em greve de fome. Jarosch, o pai da ativista, contradisse o relato do tribunal em uma coletiva de imprensa antes da manifestação no sábado. Ele disse que compreendia perfeitamente a decisão da filha de entrar em greve de fome. Embora Maja esteja atualmente “razoavelmente bem”, ela está ficando “cada vez mais fraca”.
 
Saudações de Maja T.
 
Em uma mensagem de vídeo na sexta-feira, Maja T. se dirigiu aos manifestantes em Jena. Visivelmente emocionada, Maja desejou aos manifestantes “saudações calorosas e uma manifestação poderosa”.
 
Zaid A., de Nuremberg, também discursou na manifestação. Zaid se entregou à polícia em janeiro, juntamente com outros seis ativistas, também acusados ​​de atentados em Budapeste. A Hungria solicitou a extradição deles, mas o Ministério Público Federal se opôs, afirmando que era “prioritário” conduzir o processo na Alemanha. O processo foi posteriormente consolidado no Tribunal Regional Superior de Berlim. Apenas Zaid permanece em risco de extradição.
 
O ativista de Nuremberg, que possui cidadania síria, estava preso na Prisão de Colônia, mas foi temporariamente liberado da detenção desde o início de maio, enquanto se aguarda uma investigação sobre se a extradição de um não alemão é legalmente permitida. “Não nos intimidamos com a repressão”, disse Zaid em seu discurso.
 
A manifestação foi vibrante e barulhenta. Os manifestantes gritavam repetidamente “Amor e força na clandestinidade e na prisão!” e “Nazistas assassinam, o Estado é cúmplice”. A polícia permaneceu discreta, acompanhando a manifestação à distância. Fogos de bengala e bombas de fumaça foram acionados repetidamente. Alguns manifestantes atiraram fogos de artifício contra os policiais.
 
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https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/06/09/hungria-maja-esta-em-greve-de-fome/
 
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Na tarde sem sol
folhas secas projetando
sombras em minh’alma.
 
Teruko Oda

[Rússia] Campanha para anarquistas de Tiumen

Há quase três anos — entre 30 de agosto e 1º de setembro de 2022 — seis anarquistas e antifascistas foram presos em Surgut, Yekaterimburgo e Tiumen, cidades localizadas entre os Urais e a Sibéria Ocidental. Todos foram submetidos a torturas severas, incluindo choques elétricos, afogamento simulado, espancamentos e ameaças de violência sexual. Suas confissões, obtidas sob coação, foram posteriormente usadas para acusá-los de “criar e participar de uma organização terrorista”. As acusações foram posteriormente intensificadas. Nikita, Danil, Roman, Yuri e Deniz não admitiram culpa. O sexto réu, Kirill Brik, já está cumprindo sua pena. Há um ano, ele foi condenado a oito anos de prisão como parte de um acordo pré-julgamento. Ele testemunhou contra si mesmo e seus companheiros, o que o excluiu de campanhas de defesa da solidariedade.

Atualmente, o processo judicial está em andamento no Tribunal Militar Distrital Central de Yekaterimburgo. Há mais de seis meses, o tribunal vem interrogando testemunhas de acusação. Um apelo urgente foi lançado para ajudar a pagar os advogados (ainda faltam € 2.800).

Para apoiar:

Visa/Mastercard: 4714 2400 6071 9631

Titular: Vorozhko Nikita Alexandrovich

Número da conta: 1242080003805236

SWIFT: BAKAKG22

Moeda: USD

agência de notícias anarquistas-ana

Noite de lua –
Subindo numa pedra,
Um grilo canta.

Chiyo-jo

[Espanha] 19 de junho, mesa redonda: Montanhismo e escalada: um olhar libertário

Na próxima quinta-feira, 19 de junho, às 19:00, se celebrará na sede madrilenha da Fundação uma mesa redonda sobre montanhismo, escalada e anarquismo. Este será o primeiro de uma série de eventos organizados por Piedra Papel Libros, projeto editorial cujo catálogo acolhe várias publicações relacionadas com os vínculos entre esporte, história e luta social.

Para isso contaremos com a presença de Juan Cruz, editor de Piedra Papel Libros, que coordenará a mesa, e vários representantes dos quatro coletivos participantes: União de Grupos Excursionistas Libertários de Madrid, Climbing Kamaleo (projeto de escalada e inclusão), Amigos das Milícias Anarquistas e o Grupo Excursionista Isaac Puente.

Na mesa redonda abordaremos diversos assuntos relacionados com o vínculo histórico entre montanhismo e anarquismo, os aspectos mais problemáticos do processo de esportivização do alpinismo e da escalada, as consequências da turistificação e mercantilização da montanha, e, finalmente, as possíveis alternativas e possibilidades de intervenção transformadora do movimento libertário em relação ao tema.

Desde a Fundação Anselmo Lorenzo os animamos a participar do ato. O acesso será livre até completar a capacidade.

Quando? Quinta-feira, 19 de junho
Horário? 19:00
Onde? Sede da FAL en Madrid. C/ Peñuelas, 41. Metro Acacias ou Embajadores

fal.cnt.es

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agência de notícias anarquistas-ana

Venta. Folhas correm.
Fico preocupado e penso
na volta pra casa.

Thiago Souza

[Itália] A vingança do Estado contra Alfredo Cospito, o anarquista enterrado no 41-bis

Por Monica Cillerai | 07/06/2025
 
Vinte e uma horas por dia trancado em uma cela de três por dois metros, escavada quase no subsolo. A luz elétrica precisa ficar sempre acesa nas celas da seção 41-bis do presídio de Bancali, distrito de Sassari, porque a luz natural quase não existe. Alfredo Cospito, o anarquista condenado a 23 anos de prisão por um “massacre” que não teve mortos nem feridos, continua vivendo como se estivesse enterrado vivo.
 
“No último mês, negaram até a compra de livros a Alfredo”, diz seu advogado, Flavio Rossi Albertini, ao L’Indipendente. “Um livro sobre os evangelhos apócrifos, um sobre física quântica e dois de ficção científica. Além de um CD musical.” Tudo indica que se trata de uma vingança do Estado contra Alfredo Cospito. E ela parece estar se manifestando com ainda mais força agora, depois que alguns representantes da classe política foram questionados por suas ações durante o longo protesto de fome do anarquista contra o regime 41-bis e a prisão perpétua sem possibilidade de progressão de pena.
 
Seus pertences pessoais foram reduzidos ao mínimo. Ele tem apenas uma hora de convívio com outros três presos e duas horas de “ar livre” — sempre sozinho, cercado por muros, grades e agentes penitenciários. Uma visita de uma hora por mês com a irmã, separados por um vidro, com a conversa ocorrendo por telefone sob a vigilância dos carcereiros. Quase nenhuma possibilidade de comunicação com o mundo exterior, já que toda sua correspondência é retida e censurada. Até o acesso à biblioteca lhe foi negado, mesmo sendo autorizado. E um pacote enviado pela irmã foi devolvido porque o presídio não o retirou. Por meses, ele também não pôde ter na cela a foto dos pais, já falecidos.
 
Em 20 de fevereiro de 2025, Andrea Delmastro, subsecretário da Justiça, foi condenado a oito meses de prisão por revelação de segredo de justiça, após relatar a seu colega de partido, Donzelli, conversas de Cospito com as únicas pessoas com quem ele tinha permissão para falar (segundo as autoridades prisionais): dois condenados por crimes de máfia. Donzelli usou essas conversas para atacar políticos de outros partidos no Parlamento. Enquanto o ministro da Justiça, Nordio — um dos principais defensores da linha dura contra Cospito — reafirma sua “confiança total e incondicional” no subsecretário condenado, e Giorgia Meloni grita escândalo, recusando-se a pedir a demissão de Delmastro, as condições de Cospito pioram ainda mais. Difícil acreditar que seja coincidência.
 
“Alfredo diz que houve um endurecimento, uma esclerotização, ou seja, maior dificuldade em acessar o que antes, de alguma forma, lhe era permitido”, relata o advogado Rossi Albertini, acrescentando que “todos os seus últimos pedidos foram negados.” Vingança? Ou apenas a “não-vida” normal do 41-bis?
 
No final de dezembro, o chefe do DAP (Departamento de Administração Penitenciária), Giovanni Russo, renunciou ao cargo. Rumores sugerem atritos com Delmastro, que teria forçado sua saída. Os conflitos surgiram após Russo testemunhar contra o subsecretário no processo relacionado ao caso Cospito — o ex-chefe do DAP destacou que aqueles documentos confidenciais nunca deveriam ter vazado da administração. Outra coincidência estranha, que pode ter levado a um endurecimento ainda maior contra Alfredo, foi a volta ao comando da seção 41-bis de Bancali de um agente do grupo operativo móvel que havia sido transferido justamente por seu envolvimento no caso das escutas.
 
O preço da luta
 
Alfredo Cospito cumpre pena de 23 anos por ter colocado duas bombas de baixo poder em uma lixeira perto da escola de formação de carabineiros em Fossano, província de Cuneo. As bombas foram detonadas propositalmente em um horário sem movimento, e ninguém se feriu. No entanto, os juízes o condenaram por “massacre contra o Estado”, o crime mais grave do ordenamento jurídico italiano — para comparação, nem os autores dos atentados de Capaci e Via D’Amelio (que mataram os juízes Falcone e Borsellino) foram acusados disso.
 
Diante das condições desumanas de sua detenção, é legítimo perguntar se ele está pagando apenas pela condenação ou também por ter exposto as falhas do sistema prisional italiano, jogando luz sobre a crueldade do regime 41-bis. Um sistema que hoje abriga 720 detentos e já foi repetidamente condenado pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) por violar o Artigo 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que proíbe tortura e tratamentos desumanos ou degradantes.
 
Os seis meses de greve de fome de Cospito reacenderam o debate sobre essas seções “especiais”, e muitos começaram a questionar a legitimidade desse modelo. “O 41-bis serve para impedir que uma pessoa mantenha ligações com sua organização criminosa”, explica Rossi Albertini, “desde que se admita que anarquistas formem uma associação.” “Mas, de qualquer forma, esse é o objetivo: cortar essa conexão. Todo o resto é puro sofrimento. Se querem chamar de vingança, de lição, de mensagem ou aviso para outros que pensem em seguir os passos de Cospito, não sei. Mas certamente é gratuito e não tem mais qualquer base legal.”
 
Na prática, o 41-bis tem outra função — que não é impedir a comunicação entre preso e grupo criminoso externo. E é essa função que o Estado não quer perder, mesmo com as sucessivas condenações da CEDH. “Não parece que fazer a ‘hora de ar’ em um cubículo de concreto com grades, sem perspectiva, sem uma flor, sem grama, sem uma árvore, tenha a ver com a necessidade de impedir comunicação com o exterior. Se houvesse um parque, a comunicação ainda seria bloqueada. Então, talvez essas medidas escondam outros objetivos”, diz o advogado. “Há muito se suspeita que o 41-bis tem um propósito oculto: forçar a colaboração.” Afinal, a única saída do 41-bis é geralmente delatar. “As condições são insuportáveis e não se justificam.”
 
Alfredo, como todos os presos submetidos a esse regime, após três anos começa a sofrer física e mentalmente. “A repetitividade, os espaços minúsculos, a falta de perspectiva visual afetam a capacidade cognitiva, incluindo a memória de curto prazo”, explica o advogado. Efeitos que não atingem apenas Cospito, mas todos os detentos nesse regime.
 
Um modelo cada vez mais exportado na UE
 
O “cárcere duro”, após os breves meses de atenção gerados pela greve de fome de Cospito, voltou às sombras. E agora, outros países querem adotá-lo. O ministro do Interior francês, Darmanin, visitou a Itália para aprender sobre o sistema com Nordio, e até o Chile de Boric demonstrou interesse em implementá-lo. “É a tendência do Ocidente, desses sistemas jurídicos supostamente democráticos”, comenta Rossi Albertini. “Uma transformação cada vez mais autoritária das democracias ocidentais. E onde instrumentos considerados ‘eficazes’ pela sua brutalidade são copiados.”
 
O decreto que aplica o 41-bis a Cospito expira em maio de 2026. Se quiserem renová-lo, terão de justificar a decisão. Mas, para Cospito, a questão é mais política que jurídica: há dois anos, a própria Direção Nacional Antimáfia e Antiterrorismo afirmou que o 41-bis não era mais necessário para ele. Mesmo assim, o ministro usou argumentos da Procuradoria de Turim para mantê-lo no regime. “Em um ano, o ministro terá de se pronunciar novamente”, diz Rossi Albertini. “E contra qualquer prorrogação, poderemos reativar a mobilização que ganhou atenção durante a greve de fome.”
 
Fonte: https://www.lindipendente.online/2025/06/07/la-vendetta-dello-stato-contro-alfredo-cospito-lanarchico-seppellito-al-41-bis
 
Tradução > Liberto
 
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Supremo Tribunal italiano rejeita pedido de Alfredo Cospito para sair do 41bis

agência de notícias anarquistas-ana
 
somos iguais
menos normais
a cada manhã
 
Goulart Gomes

[EUA] Lançamento: “No Cop City, No Cop World | Lessons From the Movement”

Editores: Kamau Franklin, Micah Herskind, Mariah Parker

O movimento Stop Cop City é um esforço descentralizado para impedir a construção de um centro de treinamento policial de 120 milhões de dólares e a destruição de 170 acres da Floresta Weelaunee, nos arredores de Atlanta, Geórgia. Esta é a primeira coletânea de ensaios que reúne organizadores e ativistas envolvidos na luta de anos para parar o projeto Cop City.

Conectando movimentos por justiça ambiental, abolição da polícia e soberania indígena, esta coletânea abrangente destaca as estratégias, táticas e ideologias que transformaram uma ação coletiva local em um poderoso movimento internacional.

Apresentando as vozes de defensores da floresta, ativistas de justiça ambiental, prisioneiros políticos, ativistas indígenas, abolicionistas, educadores, acadêmicos e especialistas jurídicos, os ensaios exploram a história desse movimento interseccional, as diversas táticas adotadas pelos ativistas, homenagens a Tortuguita, defensora indígena queer da floresta, de 26 anos, assassinade por soldados da Patrulha Estadual da Geórgia, e a intensa repressão policial e legal enfrentada pelos organizadores.

Estabelecendo conexões críticas entre opressão e resistência, tanto local quanto globalmente, o movimento Stop Cop City se expandiu para uma luta contra um Mundo da Polícia.

Editora: Haymarket

Formato: Livro

Encadernação: Brochura (pb)

Páginas: 320

Lançamento: 20 de maio de 2025

ISBN-13: 9798888903742

Preço: $24,95

haymarketbooks.org

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

minhas mãos te olham
estranha fotografia
onde meus olhos te tocam

Lisa Carducci

Petróleo, silêncio e conveniências

Se fosse no governo anterior, as ruas já estariam cheias de cartazes, manifestos, vídeos e músicas em defesa da Amazônia. ONGs, artistas e militantes cobrindo o rosto de tinta verde, clamando pelo fim da destruição. Mas agora, com Lula na presidência, a broca perfura o chão em silêncio. A indignação parece ter partido para um recesso seletivo. A mesma floresta sendo ameaçada, mas com o selo da governabilidade progressista.
 
O que se planeja não é só explorar petróleo em áreas ambientalmente sensíveis. É extrair para exportar, espalhar combustível fóssil pelo mundo enquanto o planeta arde em crise climática. O Brasil se vende como potência verde, mas cava com as mãos sujas de óleo. O extrativismo muda de roupa, mas não de método. E a floresta continua sangrando, com menos alarde.
 
Movimento Anti Exploração do Petróleo • Pela Vida na Amazônia e no Planeta
 
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agência de notícias anarquistas-ana
 
Um vira-lata
Na madrugada deserta:
Rua de ninguém.
 
Maria Angélica Shiotsuki

[Espanha] Por ocasião do Mês do Orgulho LGBTIQ+

Companheiras, companheiros, companheires:

Hoje, neste mês do orgulho de luta e memória, neste Orgulho que não é marketing nem desfile vazio, desde a Confederação Nacional do Trabalho levantamos a voz com raiva, com dignidade e com um profundo sentido de solidariedade para a comunidade LGBTIQ+.

Não esquecemos que o Orgulho nasceu como um grito contra a repressão, como uma revolta contra a polícia, contra o sistema, contra o ódio institucionalizado. Foi uma chama de dignidade acesa pelos que foram historicamente marginalizados: pessoas trans, racializadas, prostitutas, jovens expulsas de seus lares, pessoas sem teto nem documentos. A eles lhes devemos cada direito conquistado.

Desde a CNT, denunciamos com firmeza a homofobia, a transfobia e toda forma de violência para as identidades e corpos dissidentes. Assinalamos com clareza os responsáveis: os Estados que criminalizam a diversidade, os governos que aprovam leis anti-LGBTIQ+ ou olham para o outro lado enquanto suas ruas se enchem de ódio.

Em mais de 60 países, ser LGBTIQ+ é um delito. Em alguns, se castiga com prisão. Em outros, com a morte. Isto não é só inaceitável: é terrorismo de Estado. É a expressão mais brutal de um sistema que quer uniformizar, reprimir e controlar. E não nos enganemos: estes crimes não ocorrem no vazio. São incentivados e justificados pelo fascismo, pelos fundamentalismos religiosos, pelo patriarcado e o capitalismo.

Frente à intolerância, solidariedade de classe.

Em nossas próprias ruas, o fascismo se reorganiza. Avança com discursos de ódio, nega direitos, ataca pessoas trans, agride casais do mesmo sexo. Ampara-se na liberdade de expressão para espalhar veneno. Mas não há neutralidade possível ante o ódio. Frente ao fascismo, autodefesa. Frente à intolerância, solidariedade de classe.

Porque esta luta não é só do coletivo LGBTIQ+: é uma luta de todes contra a opressão. Não há emancipação possível se não é para todes. Não há revolução se não é também trans, diversa e livre.

Por isso, desde a CNT dizemos alto e claro: a homofobia e a transfobia não tem lugar em nossas fileiras nem em nossas ruas. Nos posicionamos do lado dos que resistem, dos que se organizam, dos que lutam por existir. Nos comprometemos a seguir construindo espaços seguros, livres de machismo, de ódio, de discriminação.

E aos que usam as leis, o cárcere ou a morte para tentar apagar o coletivo LGBTIQ+, lhes dizemos: não passareis. Não os tememos. Estamos em pé. Juntes, unides, organizades.

Este Orgulho não é festa vazia: é barricada.

É memória.

É luta de classes.

É resistência.

Viva a luta do coletivo LGBTIQ+!

Viva a autodefesa contra o ódio!

Fora fascistas de nossos bairros e nossas vidas!

Saúde e rebeldia.

J.A. filiado e militante da CNT Sevilha

Fonte: https://sevilla.cnt.es/2025/06/con-motivo-mes-del-orgullo-lgbtiq/

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Alegres grilos
Gritam na grama gris:
Música noturna.

Eduardo Otsuka