Entrevista com Rebecca Karl: Anarcofeministas da Dinastia Qing Chinesa

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Rebecca Karl é uma professora de história associada na NYU (Universidade de Nova Iorque), que estuda principalmente a história chinesa do século XX. Seu livro recente, co-editado com Dorothy Ko e Lydia Liu, traduz e introduz as escritas, datadas do início do século XX, da escritora anarcofeminista He-Yin Zhen, que foram amplamente suprimidas ou negligenciadas por seus contemporâneos masculinos.

Shanghaiist > Nos fale sobre He-Yin Zhen…

Rebecca Karl < He-Yin Zhen não foi apenas uma feminista, mas também uma anarquista. Sua história foi escondida porque ela é feminista demais para os anarquistas, anarquista demais para os marxistas, e muito marxista para os liberais… ela é excessivamente alguma coisa para alguém. Então ela não é muito conhecida. Seu companheiro Liu Shipei, entretanto, foi um intelectual muito famoso do fim do período Qing e, quando começamos a procurar pelo que ela havia escrito, descobrimos que todos os seus textos foram incorporados no trabalho coletado de seu marido.

SHist > Ela soa um pouco como Emma Goldman (anarquista estadunidense do fim do século XIX). Você pode me contar qual foi o impacto que ela causou?

RK < Bom, além de fundar “A Lei Natural” – jornal que publicou a primeira tradução Chinesa do Manifesto Comunista – ela também possuía uma incrível e perspicaz perspectiva acerca do papel da mulher. Enquanto outras feministas compreendiam a libertação da mulher em termos de contribuição para a força da nação, enquanto anarquista ela pensa no Estado como parte do problema. Portanto, ela trouxe uma crítica feminista do Estado na equação, décadas antes de qualquer outro feminismo. Ela também trouxe uma forma de consciência sobre esta ideia que chamou de nanv (男女). O significado de nanv é que todas as relações sociais incorporam em si mesmas a relação social entre homens e mulheres. Este é um tópico ainda polêmico na análise feminista, mas na época, estava muito além de seu próprio tempo.

SHist > Por que deveríamos dar valor à He-Yin Zhen na atualidade?

RK < Deveríamos dar a devida importância a ela hoje porque muitas de suas críticas ainda são muito latentes. Ela era uma crítica estridente da produção industrial, que estava apenas começando na época. Ela foi uma crítica da prostituição, que se tornou bastante potencializada novamente entre alguns homens de negócio de Hong Kong e Taiwan que vem para a China e procuram por 二太太 (segunda esposa). Apesar das questões as quais as mulheres chinesas enfrentam na atualidade não serem exatamente as mesmas, ainda assim são suficientemente similares estruturalmente, permanecendo os escritos de He-Yin Zhens relevantes e surpreendentes.

SHist > Nós entrevistamos pessoas como Shaun Rein, que nos contaram que o capitalismo Chinês foi ótimo para igualdade de gênero. Qual sua opinião sobre isso?

RK < Em Maio dei uma oficina com as 12 principais pensadoras feministas sobre Marxismo e Feminismo na China, e essa foi a discussão que permeou o evento e sobre a qual não chegamos a nenhuma resolução. Esta é a grande questão, certo?

Não há dúvidas de que no período Maoísta, através do poder do Estado, foram suprimidas uma série de práticas consideradas “perversas”: prostituição, concubinagem e deformação dos pés. Desde os anos 80, nós temos visto muitas destas práticas – felizmente, não a deformação dos pés – que vem retornando com força, ao mesmo tempo em que instituições como a Federação das Mulheres vem perdendo sua credibilidade. Mas permita-me ser mais clara, isso não é sobre padrões absurdos de vida para mulheres, mas sobre a questão da igualdade relativa com os homens.

Finalmente, em função do recuo do Estado frente ao suporte do feminismo, percebemos o que acontece – uma regressão real nas relações de gênero, e uma verdadeira regressão no status da mulher na sociedade.

SHist > Casos de estupro e abuso sexual também têm crescido. Houve alguma mudança no modo em que este problema é percebido?

RK < Durante o período Maoísta, o estupro era tratado severamente, e punido também de modo severo, e não era compreendido como culpa da mulher. O que acontece nos dias de hoje, eu acho, é uma inversão para algum tipo de ideia conservadora que, de alguma forma, culpabiliza a mulher pelo estupro. Que ela se vestiu de maneira provocativa, que ela agiu de maneira provocante, que ela estimulou, ou coisa assim.

SHist > Em uma nota diferente, uma das figuras públicas mais conhecidas do feminismo Chinês é Ye Haiyan, que ficou famosa por proezas como se tornar uma prostituta por uma semana. Você acha que He-Yin Zhen e Ye Haiyan teriam sido amigas ou inimigas?

RK < Inimigas.

SHist > Inimigas? Por que? O que você acha dela?

RK < Sim, mas não estou preparada para nocautear Ye Haiyan.

SHist > Não?

RK < Quero dizer, eu acho Ye Haiyan esculpiu para si mesma uma posição e um fórum no qual ela pode levantar o que ela considera como questões essenciais do feminismo Chinês atual. Não seriam as minhas questões e não seriam as questões de He-Yin Zhen’s. O que você acha disso, enquanto uma crítica bastante moderada e amena?

O livro The Birth of Chinese Feminism (O Nascimento do Feminismo Chinês) pode ser comprado no site Amazon.com.

[Por Patrick Lozada e Yining Su]

Tradução > Malobeo

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