Após o golpe militar contra a Irmandade Muçulmana, o Egito continuou a ser um foco de protestos, especialmente pelas facções mais poderosas, disputando a hegemonia. No entanto, nas margens da batalha entre os generais e os islâmicos, muitos grupos laicos e de esquerda ainda estão fazendo trabalho de base tentando ganhar o seu lugar.
Mohammed Azz, estudante de ciências em Alexandria, milita no movimento anarquista. Acha que um dos maiores erros da esquerda é ter dado o espaço da rua, o trabalho nos bairros, para os islâmicos. Azz argumenta que o espírito revolucionário perdido pode ser recuperado a partir das bases.
Pergunta > Em que situação se encontram as ruas no Egito depois das últimas turbulências políticas?
Resposta < Nestes momentos há tanto manifestações em apoio à Irmandade Muçulmana quanto outras ao exército. Ainda que seja certo que as manifestações que apoiam a Mursi se produzam com mais frequência, quase diariamente. A Irmandade Muçulmana tem ganhado a batalha da rua. Quanto ao resto das forças políticas do país, não veem a utilidade de marchar nas ruas neste momento e preferem se reunir com o exército.
P. > Neste contexto, que papel exerce a esquerda e, de concreto, o movimento anarquista?
R. < Aqui há que fazer distinções: uma esquerda que apoia o regime e só busca cotas de poder e, por outro lado, outra que está nas ruas e trata de construir o poder popular. Quanto ao movimento em que milito, os anarquistas, seguimos o mesmo caminho, quer dizer, tentamos construir relações sociais entre os diferentes bairros para que atuem conjuntamente. Também desenvolvemos nossa atividade com os trabalhadores e os animamos a formar seus próprios sindicatos. O pior que a esquerda tem feito é deixar os bairros à Irmandade Muçulmana.
P. > Tem algum contato com outras organizações a nível internacional?
R. < Sim, intercambiamos pontos de vista com movimentos de outros países, falamos com eles do que ocorre no Egito, porque os meios de comunicação não falam desde uma visão anarquista. Nosso discurso não está representado neles. Quando fui detido com outros três companheiros recebemos o apoio de coletivos anarquistas na Colômbia, França e outros países. Ademais, tentamos criar redes de solidariedade e coordenação entre os anarquistas do mediterrâneo em geral.
P. > Dado que levar à prática políticas anarquistas nestes momentos parece totalmente inviável, qual é vossa estratégia?
R. < Atualmente nós não podemos esperar que se aplique um modelo anarquista, mas sim, tem se dado casos de autogestão em várias zonas. Quer dizer, ninguém os identifica como anarquismo, já que não sabem o que é este conceito. Em muitas zonas rurais e bairros populares, as pessoas tem construído estradas, e posto em marcha meios de transporte, convencidos de que seu trabalho é para a totalidade da população.
P. > E é viável conseguir um estado laico a curto prazo?
R. < É difícil que haja um sistema laico no Egito ainda que entre as classes média e a burguesia já haja uma cultura laica, inspirada pelo modelo europeu. Estas camadas da população sempre quiseram aplicar o que veem na Europa. Por outro lado, a Irmandade Muçulmana tem ganhado terreno e usado a religião para fazer política, por que até agora, cada vez mais, tornou-se o eixo na vida de muitas pessoas. A mesma constituição não permite um Estado laico, e muita gente se aproveita disto para manter distante a população laica.
P. > Como se posicionam frente ao golpe de Estado?
R. < Nunca apoiamos a nenhuma das forças políticas que estão se enfrentando atualmente. Para nós, não há diferença entre a Irmandade Muçulmana e o exercito. Estamos contra o golpe de Estado, mas ao mesmo tempo não consideramos legítimas as políticas da Irmandade Muçulmana. Não vamos estar felizes se Mohamed Mursi voltar, da mesma forma que não vamos ficar se o general Abdul Fatah Al-Sisi se converter em presidente. Nós trabalhamos com os de abaixo.
P. > Mas o exército tem levado a cabo uma dura repressão.
R. < Foi o exército quem facilitou que a Irmandade Muçulmana chegasse ao poder. O exército lhes permitiu usar slogans religiosos durante sua campanha eleitoral, apoiou seu programa para conseguir vitórias políticas e depois os dispensou. Não apoiamos a violência de nenhum dos bandos, a qual faz com que a juventude se esqueça de suas reivindicações políticas e sociais. A repressão no Cairo não se pode justificar. Por outro lado, a violência forma parte do conflito político. Quando se produz uma mudança na forma política, muitas vezes tem enfrentamentos e feridos. Nós queremos parar a violência, mas não temos forças para fazê-lo.
P. > Mubarak disse recentemente em uma gravação de áudio que o próximo presidente egípcio tem que ser do exército.
R. < Ainda que o presidente pertença ao exército ou a um partido civil, o exército sempre acaba controlando o poder. Nos tempos de Mubarak havia certo equilíbrio entre o exército e o estado. Cada um mantinha seus interesses. Não importa que o próximo presidente seja dos militares, já que todo o país está militarizado. A Al-Sisi não convém apresentar-se às eleições porque perderia a legitimidade e a inviolabilidade que lhe oferece o exército. É melhor seguir sendo do exército e controlar o governo que esteja no poder, da mesma forma que fizeram com Mursi.
P. > E no meio destas mudanças, qual é a situação da mulher nos movimentos de protesto?
R. < As mulheres estão presentes na política e nas mobilizações sociais, mas segue havendo uma desigualdade no tocante à participação. É uma tendência que encontramos, sobretudo em algumas agrupações islamitas conservadoras. Nossa sociedade segue sendo machista, e se assenta sobre a ideia de que a mulher tem dois lugares: a casa e o trabalho. Quer dizer, a mulher não é feita para a política. Cerca de 40% das famílias egípcias são mantidas pelo salário da mulher. Portanto, é certo que a mulher tem ganhado direitos laborais. O mal é que inclusive em alguns espaços laicos se segue tratando a mulher como uma propriedade. Depois da revolução, surgiram vários grupos feministas contra o assédio que se produzia publicamente, inclusive nas mobilizações. Chegaram a convocar uma manifestação de mulheres no Cairo, com facas em suas mãos, com as quais ameaçavam os perseguidores de maneira simbólica. Agora há grupos que enfrentam o assédio com participação masculina incluída.
P. > E chegado a este ponto, de onde vê a solução?
R. < Os problemas políticos que temos agora surgem de outros de tipo econômico e social. Na sociedade egípcia há violência, mas é normal em um país pobre. A solução é destruir todo o regime, as eleições que se celebrarão em breve não mudarão nada. Egito é um bolo e cada qual está pedindo sua parte. Os países do Golfo têm interesses no país. Qatar apoia à Irmandade Muçulmana, Arábia Saudita aos salafitas e a Mubarak. E os Estados Unidos apoiam aos militares, já que o exército é o único organismo que assegura a estabilidade do regime e a continuidade das intervenções americanas. Os sauditas rechaçam à Irmandade Muçulmana para evitar qualquer mudança em seu próprio país. Se no Egito governa a Irmandade Muçulmana, influenciará.
P. > Olhando pra trás, a revolução trouxe coisas boas?
R. < Não. Se pudéssemos voltar atrás no tempo, proporia ter um programa com objetivos claros e concretos, que hoje por hoje, sejamos sinceros, seguimos sem ter. Houve uma parte que aproveitou as mobilizações na rua para seus próprios interesses. Ao contrário de nós, a Irmandade Muçulmana ganhou força popular porque tinham um programa, e apelavam a mudanças concretas. Ademais, gente bem posicionada economicamente tem apoiado esses grupos para seguir mantendo seus interesses. Ao final, estas organizações grandes se apropriaram da revolução. Nós não tínhamos a maturidade necessária para propor um programa.
Fonte: lamarea.com
Tradução > Caróu
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