The New York Times
O soco que surpreendeu o nacionalista branco Richard Spencer no dia da posse do presidente Donald Trump inspirou gozação nas redes sociais. Mas teve uma forte repercussão no confronto crescente entre as extremidades do espectro político.
Com os grupos de extrema-direita aproximando-se da corrente dominante com a ascensão de Trump, autodenominados antifascistas e anarquistas estão prometendo confrontá-los sempre e por todos os meios necessários, incluindo a violência.
Em Berkeley, na Califórnia, na noite de quarta-feira (01), manifestantes mascarados provocaram incêndios, quebraram vitrines e invadiram prédios no campus da Universidade da Califórnia para interromper um discurso de Milo Yiannopoulos, um inflamado editor do site Breitbart News e um provocador de direita barrado no Twitter. Cinco pessoas ficaram feridas, os administradores cancelaram o evento e a polícia universitária isolou o campus durante horas.
Isso se seguiu a uma sangrenta confusão em Seattle no dia da posse, 20 de janeiro, quando manifestantes vestidos de preto, com os rostos ocultos para reduzir o risco de prisão, tentaram impedir um discurso de Yiannopoulos na Universidade de Washington e um antifascista de 34 anos foi gravemente ferido por tiros disparados por um seguidor de Yiannopoulos.
Os surtos de destruição e violência desde a posse de Trump foram recebidos com o desprezo de republicanos –incluindo apoiadores de Trump que dizem que foi exatamente por isso que votaram em suas promessas de lei e ordem– e a condenação de democratas como o prefeito de Berkeley, Jesse Arreguín. Ele chamou a demonstração de quarta-feira de “contrária aos valores progressistas” e disse que “oferecia à extrema-direita ultranacionalista exatamente as imagens que ela queria” para tentar desacreditar as manifestações pacíficas contra as políticas de Trump.
Mas anarquistas e antifascistas, que muitas vezes formam uma pequena parte dos protestos, mas chamam muita atenção, defendem o caos que criam como uma reação necessária a uma emergência.
“Sim, o que o bloco preto fez ontem à noite foi destruição de propriedade”, disse Eric Laursen, um escritor de Massachusetts que ajudou a divulgar os protestos anarquistas, usando outro nome para se referir aos manifestantes vestidos de preto. “Mas você vai deixar alguém como Milo ir aonde quiser e disseminar seu ódio? Esse tipo de argumento pode se transformar em ‘sente-se e espere a coisa passar’. E não passa.”
Os anarquistas também dizem que seus esforços recentes foram amplamente bem-sucedidos, tanto ao concentrar a atenção em seu argumento mais urgente –que Trump representa uma ameaça fascista– como ao instigar pessoas a unir-se ao movimento.
“O número de pessoas que tem aparecido nos encontros, o número de encontros e o número de planos em evolução para futuras ações está disparando”, disse em uma entrevista Legba Carrefour, que ajudou a organizar os protestos Disrupt J20 no dia da posse em Washington.
“Ganhamos mil seguidores na semana passada”, anunciou a conta antifascista @NYCAntifa no Twitter em Nova York, em 24 de janeiro. “Muito louco, porque estamos ativos há muitos anos, atraindo atenção mínima. ESMAGUEM O FASCISMO!”
O movimento ainda afirma estar encontrando adeptos longe dos grandes centros populacionais. Um participante de CrimeThinc, uma rede anarquista existente há décadas, apontou a crescente participação em suas reuniões e o surgimento de atividades em novos lugares, como Omaha, em Nebraska.
“A esquerda nos ignora. A direita nos demoniza”, gabou-se o site anarquista It’s Going Down no Twitter. “A cada dia ficamos mais fortes.”
Pouco conhecidos pelos praticantes da corrente dominante na política americana, os militantes antifascistas foram uma cultura secreta estreitamente associada aos anarquistas. Ambos rejeitam as hierarquias sociais como sendo antidemocráticas e rejeitam os partidos políticos como irremediavelmente corruptos, segundo entrevistas com uma dúzia de anarquistas de todo o país. Enquanto alguns deles defendem a não violência, outros consideram os danos à propriedade e até ataques físicos à extrema-direita como táticas importantes.
Enquanto grupos de extrema-direita foram defensores entusiásticos de Trump, os antifascistas manifestam profundo desprezo pelo Partido Democrata. E é recíproco, de modo geral: eles seriam o filho indesejado da esquerda revolucionária, deserdados por suas táticas e ideologias por todos, menos os políticos mais radicais.
Os anarquistas chegaram ao primeiro plano em 1999, quando montaram uma enorme manifestação em Seattle contra a Organização Mundial do Comércio, que eles denunciam, juntamente com o Nafta e outros pactos de livre comércio, como um grupo plutocrata que explora os pobres. O entusiasmo pelo movimento despencou depois da eleição de Barack Obama. Mas reviveu quando eles desempenharam um papel em alguns dos mais significativos protestos durante os dois mandatos de Obama, começando por Ocupem Wall Street, e servindo como soldados em demonstrações contra o oleoduto Dakota Access em Standing Rock, na Dako ta do Norte, e nos protestos Vidas Negras Importam em Ferguson, Missouri, e outros lugares.
“Tivemos um enorme impacto cultural e político”, disse David Graeber, um professor na Escola de Economia de Londres que ajudou a organizar os protestos do Ocupem e levou o crédito por cunhar seu slogan “Somos os 99%”. Ele disse que o movimento levou a desigualdade de renda ao topo da agenda política democrata, apesar de não eleger ninguém ou aprovar qualquer lei.
Mas ele disse que a vitória de Trump provou que o diagnóstico dos males da sociedade feito pelos anarquistas estava correto.
“Nós tentamos adverti-los com o Ocupem”, disse Graeber. “Compreendemos que as pessoas estavam enojadas com o sistema político, que é fundamentalmente corrupto. As pessoas querem algo radicalmente diferente.”
As tiradas de Trump contra os acordos comerciais, a globalização e a elite de Washington, que ele considera corrupta, refletem argumentos que os anarquistas defendem há décadas. Mas sua afirmação de que ele sozinho pode resolver os problemas dos EUA renega a convicção dos anarquistas de que só a ação direta de pessoas comuns pode produzir um sistema justo.
“O fascismo fetichiza ter um líder forte que é decidido e diz a todos o que devem fazer”, disse Laursen, o escritor. “É o que estamos vendo em Trump.”
Alimentados em parte pelo sucesso político de Trump, choques violentos entre a extrema-direita e a extrema-esquerda irromperam várias vezes durante a campanha presidencial. Em Anaheim, na Califórnia, em fevereiro do ano passado, três pessoas foram esfaqueadas em uma briga depois que antifascistas perturbaram uma reunião da Ku Klux Klan. E em Sacramento (Califórnia), em junho, pelo menos cinco pessoas foram esfaqueadas e oito feridas quando centenas de contramanifestantes, incluindo antifascistas, chocaram-se com skinheads em um comício.
Mas os confrontos pareceram adquirir um novo ritmo na véspera da posse de Trump. Em 19 de janeiro, antifascistas tentaram bloquear a entrada do “DeploraBall”, uma festa para seguidores de Trump. No dia seguinte, 230 pessoas foram detidas depois que anarquistas vestidos de preto quebraram as vitrines de um banco com tacos de beisebol e incendiaram uma limusine. (Spencer, o nacionalista branco, cujo atacante não foi preso, não foi a única pessoa agredida: um videografista foi atingido no peito com um mastro da bandeira –ele não se feriu– quando tentava entrevistar anarquistas na marcha sobre o que significa para eles a palavra “comunidade”.)
Um dos detidos, um autodenominado anarquista que insistiu em manter o anonimato para não ajudar sua acusação, disse que o objetivo dos manifestantes –fazer as redes de televisão se afastarem da posse, mesmo que por um momento– foi alcançado.
“Certamente, chamou mais atenção para as pessoas que eram contra Trump e o que ele representa”, disse o homem por telefone.
A questão agora é se os esforços dos anarquistas contra Trump –sejam meramente coloridos e espirituosos, ou ilegais e potencialmente letais– darão a seu movimento marginal uma presença maior na batalha de ideias nos próximos anos.
“É verdade que muita gente que se considera liberal ou progressista ainda pensa que é possível efetuar mudanças sociais e econômicas no contexto do Estado, por meio da política eleitoral”, disse Laursen. “Mas cada vez mais será necessário que as pessoas de esquerda pensem como anarquistas, se quiserem chegar a algum lugar.”
Tradução > Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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