>> Luta contra a obra de construção de uma linha ferroviária de alta velocidade entre Turim, na Itália, e Lyon, na França.
Um 8 de dezembro com ar limpo em Turim. O föhn, o vento quente que vem do Vale de Susa se afunilando pelo corredor do Corso Francia e dali se espalha para toda a cidade, varreu a capa de poluição que sitiava havia dias a capital piemontesa. Um vento que levou pra rua sessenta mil pessoas do vale e da cidade para afirmar que a luta contra a linha ferroviária TAV/TAC Turim-Lyon continua, apesar da manifestação do dia 10 de novembro a favor da realização da obra que, segundo alguns finos jornalistas, teria significado uma “revolução civil” que deslocaria o equilíbrio de forças a favor da construção da ferrovia.
A concentração na praça Statuto transbordou para a praça XVIII Dicembre, quase até a estação de Porta Susa. Quando a frente da manifestação e uma boa parte dela quase chegaram ao fim do percurso, na praça Castello, a parte detrás estava ainda diante da Porta Susa. A rua Cernaia e a rua Pietro Micca foram ocupadas por uma enxurrada de manifestantes. Algumas pessoas vieram de fora, muitíssimas são de Turim e do interior desse mesmo vale. Além de uma consistente delegação da região de Alexandria, dos comitês No Terzo Valico (contrários a outra linha ferroviária).
Cartazes, faixas e slogans denunciaram a redução dos serviços públicos essenciais, da saúde a dos transportes locais, enquanto os recursos econômicos são desviados para infraestruturas mastodônticas e inúteis como a nova ferrovia Turim-Lyon. É a lógica das grandes obras: drenagem dos caixas públicos a favor dos bolsos dos patrões, canteiros de obras intermináveis para garantir um constante fluxo de caixa a favor deles, gastos públicos e lucros privados. Enquanto isso, quem precisa viajar para trabalhar na cidade passa horas em infraestruturas decadentes, e tragicamente perigosas em certos casos, e o tráfego veicular aumenta junto com a poluição do ar.
Muito difundido também o tema anti-racista e contrário as fronteiras: enquanto os patrões soltam blá-blá-blás sobre um Trem a Alta Velocidade necessário à “integração europeia”, quem tenta passar a fronteira corre risco de morrer congelado nas montanhas por causa da militarização ou termina em verdadeiros campos de concentração, como o de Settimo Torinese, depósitos de humanos que são considerados excessos em relação às exigências do capital.
Uma manifestação inclusive com algumas vistosas contradições como querer reconhecer, da parte de alguns, como interlocutor confiável, ainda que fortemente criticado, o partido Movimento Cinco Stelle, que já deu amplas provas do que ele realmente é com a construção do governo dos lojistas e dos latifundiários junto com a Lega Nord, e a mudança de lado em relação ao TAP (Gasoduto Trans-Adriático) e à ILVA (fábrica de aço, altamente poluidora). O vice-prefeito de Turim, do Movimento Cinco Stelle, foi justamente contestado por um grupo de companheiros e companheiras, e o bloco organizado pelos companheiros e companheiras da Federação Anarquista de Turim (FAT) reiterou, com slogans, intervenções e com as próprias faixas, que a oposição não é apenas ao TAV, mas a todo o seu mundo: o mundo das fronteiras e dos portos fechados, dos mortos pelo trabalho, da devastação ambiental, da exploração. A oposição ao governo atual era transversal a muitos blocos da manifestação e era reiterada por milhares de faixas, cartazes, panfletos e slogans. Quem pensava que poderia aproveitar de um jeito filo-grillino (de Beppe Grillo), tanto na dialética interna ao governo quanto no eterno conflito com o Partido Democrático, certamente não teve vida fácil. O movimento mostrou, mais uma vez, que sabe caminhar com as próprias pernas.
O bloco, bem visível, organizado pela FAT teve a participação de cento e cinquenta companheiros e companheiras e soube reiterar constantemente sua autonomia da política politicante, das desorientações eleitoreiras e filo-industriais. Muitas intervenções feitas pelo bloco da FAT mencionaram a luta anti-racista, os ministros do Cinco Stelle foram apontados como voluntariosos cúmplices de Matteo Salvini e foi dado amplo espaço ao tema do contínuo massacre de trabalhadoras e trabalhadores.
Os jornais da frente Sì TAV estão em nítida dificuldade. Eles tinham lançado a aposta e perderam evidentemente. Aquela manifestação convocada pelos de cima, por empresários e industriais e pelos partidos que eles chamam em caso de emergência, uma manifestação corporativa da qual participou aquela burguesia meio alta que não larga o osso e se refugia na mítica idade do ouro, de Cavour até a família Agnelli, que semeou as sementes da sua própria crise, foi respondida por uma manifestação convocada pelo movimento No TAV e da qual participaram os comitês dos vilarejos do Vale de Susa, as organizações de classe, os sindicatos de base, quem luta todos os dias por um mundo sem fronteiras, sem servos nem patrões. Inclusive o jornal La Repubblica foi obrigado a admitir, na edição do dia 9 de dezembro, que a manifestação No TAV era mais numerosa em relação àquela do dia 10 de novembro. O jornal La Stampa, fiel ao seu histórico apelido de busiardo (“mentiroso”), primeiro deu números próximos à realidade e depois recuou dando uma cifra inclusive inferior à estimativa diminuidora da polícia. E no fim se contradisse declarando que de qualquer modo as duas manifestações não são comparáveis, em uma obra-prima sofística de nonsense lógico apresentado como um conceito sensato.
Uma manifestação heterogênea, com contradições como já mencionamos, mas dinâmica, capaz de se projetar na direção de algo radicalmente diferente do mundo que os senhores do Trem a Alta Velocidade gostariam de plasmar para o uso e o consumo deles.
Lorcon
Fonte: http://www.umanitanova.org/2018/12/09/il-vento-della-valle-arriva-in-citta/
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