por Angel Malatesta | 15/12/2018
Durante os passados dias de dezembro, entre a quinta-feira 6 e o domingo 9, aconteceu a XVI edição do Encontro do Livro Anarquista em Madrid, que esteve localizado no espaço anteriormente conhecido como CSO La 13-14, atualmente renomeado como Ateneu Libertário de Vallekas.
Já são dezesseis as edições que conseguiram manter continuidade este evento anual, e que se posicionou como referência e ponto de confluência do movimento libertário, não só madrilenho, mas de todo o Estado espanhol. Atividades variadas como rotas históricas, palestras-debate coletivas, comidas e ceias autogestionárias, editoras, livrarias e distribuidoras mostrando seus materiais, entrevistas radiofônicas, correspondência a presos/as… nutrem de dinâmicas sócio-políticas quatro dias intensos de encontros entre companheiras/os e discussão do pensamento libertário. A troca de experiências e a comunicação desenvolvidas em um ambiente onde se aposta por entender a realidade de uma maneira alternativa e desde a prática da desobediência.
Como integrante do movimento libertário estive ali esses dias para fazer um acompanhamento do evento, e trazer esta crônica que pode aproximá-los melhor do conteúdo das atividades que se desenvolveram nesta edição. Como ponto prévio, que me parece relevante e necessário comentar, é o fato de que o Encontro do Livro Anarquista se celebrou sob o posicionamento de vários coletivos e a realização de várias palestras de última hora, devido à gestão de atitudes e agressões sexistas no passado pelo entorno da assembleia do espaço onde se celebrava. Este posicionamento coletivo é um toque de atenção ao movimento libertário em seu conjunto que nos faz repensar a revisão dos espaços nos quais tratamos estas questões, e a necessidade de refletir sobre as atitudes na hora de trabalhar com as ferramentas que desenvolvemos, o que obviamos, no momento de levar à prática nossos princípios políticos. Esta menção prévia não pretende mais que assinalar uma realidade sob a qual se desenvolveu o evento, e colaborar com a visibilização de um posicionamento que teve umas consequências tanto coletivas como políticas.
Rota histórica pela frente de Villaverde na Guerra Civil espanhola.
Na manhã da quinta-feira 6 de dezembro se abriam as jornadas com uma rota histórica a cargo dos companheiros de ‘Contrahistoria’, atividade que já vem sendo habitual cada ano para iniciar o Encontro do Livro Anarquista. Pouco importava madrugar em um dia festivo para estar pontualmente às 10h na estação de renfe de Villaverde Bajo. Mais de uma centena de pessoas caminhamos durante várias horas em uma rota que se bem começou sendo urbana pisando asfalto, continuou discorrendo pelos caminhos do Parque Lineal.
Entre autopistas e vias ferroviárias, comprovamos que ficaram ameaçadas pelo avanço inevitável da cidade as marcas da Guerra Civil espanhola nos combates de novembro de 1936, quando as colunas fascistas atacaram Madrid, e a formação das linhas defensivas no entorno do rio Manzanares. Também descobrimos alguns vestígios arqueológicos, como um antigo povoado carpetano, encurralado e esquecido às margens de uma urbe que invisibiliza a história.
Palestras-debate sobre temáticas de discussão atual.
O ciclo de palestras neste Encontro do Livro Anarquista se iniciou na sexta-feira 7 na primeira hora da tarde com uma visão antiautoritária da novela romântica do século XIX a partir da obra ‘Frankenstein’ de Mary Shelley, relacionando a lenda popular com os contos de terror e seu potencial idealista. Esta obra recolhe uma tradição de experimentação científica superando os limites repressivos das religiões, e inicia ademais o imaginário romântico de criaturas não normativas em uma sociedade que lhes rechaça. Essa mesma tarde se desenvolveu a palestra que, provavelmente, derivou em um dos debates mais interessantes do fim de semana: as fissuras no anarquismo, ou as falhas na gestão da saúde mental dos/as companheiros/as; uma visão bem documentada desde a antipsiquiatria e que nos deixou uma leitura recomendada ‘Saldremos de esta’, obra de Javier Erro.
No sábado pela manhã se apresentaram alguns projetos de economias sociais que põem em marcha práticas libertárias em seu modo de fazer. A economia é um espaço do qual foge habitualmente o movimento libertário, mas é importante fazer florescer meios laborais que estejam impregnados de valores libertários; se recomenda a leitura de ‘Economía anarquista, una visión global’ da editora La Neurosis o Las Barricadas. Na hora do café pudemos escutar algumas/os companheiras/os da Grécia que nos trouxeram uma perspectiva sobre a resistência às políticas anti-imigratórias e a militarização das sociedades. Aprendemos, por exemplo, que na Grécia o serviço militar é obrigatório, e se te declaras insubmisso, cada vez que te chamem a filas e não atendas, te põem uma multa de 6 mil euros, que é acumulável indefinidamente quantas vezes queiram requerer tua presença no exército.
No domingo no meio da manhã fomos despertando ao ritmo da palestra ‘Aplicando la anarquía’ que descreveu as propostas anarquistas clássicas aproximando-as a nosso presente social, gerando uma autocrítica para nossas organizações no debate que aconteceu, para concluir na necessidade de aplicar os princípios libertários nas pequenas brechas cotidianas. Após a comida pudemos falar com companheiras de duas experiências de okupação do entorno rural, o povo de Fraguas na serra norte de Guadalajara, e que está okupado desde 2013, pesando atualmente sobre elas/os um futuro desalojo, multas escandalosas e penas de cárcere por reabilitar um povoado forçado a ser abandonado durante o Franquismo. Um caso similar é o de Sieso de Jaca, no Pirineo aragonês, onde umas vinte e cinco adultas e nove crianças vivem em comunidade, a 13 anos. Se dão as mãos nestas necessidades comunitárias os saberes extintos ou quase perdidos com as utopias que olham para o futuro, o debate em torno da convivência nestes espaços rurais e uma crítica à masculinização do rural esteve presente em todo momento.
Por outro lado, e como vem sendo habitual nas últimas edições, durante o desenvolvimento do Encontro a emissora Rádio Onda Expansiva, realizou entrevistas a diferentes coletivos, editoras, distribuidoras, livrarias e individualidades que participaram nesta edição. Ademais, se encarregarão de recuperar os áudios das palestras para que estejam disponíveis em separado na web dedicada à cobertura radiofônica do Encontro.
Editoras, distribuidoras e cartas a presos/as.
Obviamente que um dos pontos de maior interesse deste Encontro do Livro Anarquista radica nas editoras e distribuidoras que vem de muitas partes do Estado espanhol, e inclusive alguma internacional. Em seguida mencionarei algumas das que mais me chamaram a atenção, com as quais pude falar e comentar quais eram as obras que mais estavam vendendo neste Encontro.
Começo com Ediciones Marginales, que fundamentalmente editam panfletos ou fanzines de conteúdo primitivista e antitecnológico, recentemente editaram um novo texto que estão apresentando intitulado: ‘La Revolución na sociedad posmoderna’.
A editorial La Neurosis o Las Barricadas expôs no evento uma seleção dos três ramos de publicações que tem: fanzines, coleção geral de livros de temáticas políticas e sociais, e sua coleção de livros elementares, ou pequenas compilações de textos clássicos sobre o anarquismo.
A editora Ediciones Inestables nos visitou desde o México D.F. deixando-nos alguns de seus exemplares sobre pensamento crítico, arte social, e feminismo, principalmente uma compilação de textos de Yayo Herrero, ou alguns clássicos de Emma Goldman. Rojava Azadi nos apresentou um ano mais as coleções de livros relacionadas com o Curdistão e o confederalismo democrático que a comunidade de Rojava está levando à prática em uma revolução social, ecológica e de mulheres que está tendo um importante peso no Oriente Médio.
Libremanuals é una pequena distribuidora que nos aproxima questões informáticas ao movimento anarquista, pretende vincular o software livre ao mundo libertário. E em relação a este ponto, também destacou a presença da distribuidora Anarquismo en PDF, uma biblioteca de todo o movimento libertário na internet, e que também distribuem em papel.
Claro, não poderiam faltar neste Encontro duas editoras clássicas do anarquismo, uma delas é a Fundación Anselmo Lorenzo, e a outra a Fundación Salvador Seguí. Os interessantes livros da memória do anarcossindicalismo e do movimento libertário no Estado espanhol são um bom tesouro para encontrar as raízes comunitárias em nossos territórios. Comprovar quem nos precedeu na luta sempre nos oferece uma perspectiva irrenunciável.
O Grupo Surrealista de Madrid, um ano mais acompanhou este Encontro para trazer-nos propostas ligadas ao situacionismo e o surrealismo como via para imaginar outras revoluções possíveis. Concretamente teve bastante seguimento um livro que editaram recentemente intitulado ‘Pensar, experimentar exterioridad’, volume coletivo que recolhe as palestras que realizaram na livraria Traficantes de Sueños em novembro de 2017.
Desde a província limítrofe, Guadalajara, chegaram nossos/as companheiros/as de Volapük, que nos resgatam temáticas e autores ligados aos movimentos sociais atuais, e que estão longe do interesse oficial ou acadêmico. Na mesma linha de encontrar a crítica radical e social sincera caminham edições Pepitas de Calabaza, que desde Logroño nos vem oferecendo interessantes questões de debate político atual no seio do anarquismo social.
Contra Toda Nocividad nos mostrou suas simples auto edições a preço livre, assim como por exemplo, Sons of Proudhon junto a Ediciones Irrecuperables tinham uma seleção de livros sobre contrapsicologia crítica. Por último ressaltar a presença de editoras de Euskal Herria, que ademais, tinham espaço anticarcerário de apoio a presos e presas, assim como camisetas em solidariedade com Altsasu. ZAP Ateneo desde Gasteiz, DDT Ediciones desde Bilbo e Subetz Banaketak desde Iruñea.
Em geral, as editoras comentaram que as obras mais vendidas ou procuradas neste Encontro foram as relacionadas com feminismos, concretamente sobre prostituição, animalismo e ecologismo. Obras de movimentos sociais atuais, assim como a temática antifascista. Também uma especial menção a livros de poesia e arte crítica, que são sempre bastante valorizados para fazer uma imersão na cultura crítica libertária.
Ademais das duas plantas completas onde podíamos encontrar a estas e mais editoras e distribuidoras, se habilitou um espaço de cartas a presos/as tanto do Estado espanhol como de outros países do mundo. Podias tomar livremente uma folha, caneta e envelope para dedicar-lhe umas palavras a algum preso ou presa, sabendo que é fundamental que sintam apoio desde fora e desde qualquer parte. Após anotar o endereços dos manuais de endereços de dezenas de presos/as, se podiam colocar as cartas a uma caixa de correio do Encontro, que posteriormente se encarrega de enviar as cartas a seus destinatários/as.
Espero que esta crônica ajude a repensar, potencializar e difundir o pensamento libertário, e que futuras edições do Encontro do Livro Anarquista conservem os acertos e se trabalhe arduamente sobre as falhas cometidas, pois disso se trata o caminho dos ideais libertários. Até mais, nos vemos nas ruas.
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
Sobre o mar do Anil
Despedida de andorinhas —
O céu escurece.
Benedita Silva de Azevedo
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!