[EUA] Por que Anthony Rayson, vovô anarquista, envia zines para a prisão

Por anos, as publicações self-made (feito por si mesmo) têm sido relegadas aos círculos da arte. Mas Rayson, em colaboração com DePaul, encontrou um novo uso para o meio retrô.

por Phoebe Mogharei| 31/12/2018

Normalmente você pode encontrar Anthony Rayson, 64 anos, no brilhante solário de madeira na parte de trás de sua casa no sul do subúrbio de Monee. Através da janela, há uma caixa de areia e brinquedos infantis para o neto de Rayson, quando ele o visita. Em uma pequena mesa, ele coloca fatias de maçã para os convidados.

A sala está cheia de estantes de livros, e as estantes estão cheias de folhas dobradas de papel A4 branco, formando milhares de zines caseiros. Rayson puxa alguns títulos: Abolish All Prisons (Abolir todas as prisões), Free the Slaves! (Liberte os escravos!), e finalmente, The Most Virtuous Vagina in the United States of America (A vagina mais virtuosa dos Estados Unidos da América), sorrindo.

Zines, ou literatura de baixo orçamento self-made – muitas vezes, livretos – já foram um marco da publicação clandestina. Mas na era da internet, como a autopublicação se torna mais rápida, barata e ilimitada, eles caíram em desuso. Atualmente, os zines são em grande parte relegados a círculos artísticos.

Rayson, no entanto, encontrou um uso prático para o meio: nos últimos 20 anos, ele dirige o South Chicago ABC Zine Distro, um serviço que envia cópias de zines de sua extensa coleção para pessoas encarceradas. Ele também cataloga e envia zines feitos dentro das prisões, criando uma rede entre prisioneiros em todo o país.

O trabalho de Rayson, incluindo múltiplas colaborações com escritores encarcerados, é a inspiração para uma exposição atual, Incarceration: Art, Activism and Advocacy (Encarceramento: Arte, Ativismo e Advocacia), em exibição na biblioteca Richardson da Universidade DePaul na primeira semana de janeiro.

Rayson escreveu seu primeiro zine, The People’s Polar Express (O Expresso Polar das Pessoas), na década de 1970. Ele tinha acabado de abandonar o seu primeiro ano no Grinnell College em protesto contra a ação militar dos EUA no Camboja – ou melhor, em protesto a um protesto. “Os estudantes do Grinnell só atacaram por um dia”, diz Rayson. “Então eu disse: ‘Não, estou em greve'”.

Ele viajou de carona pelo país por dois anos, depois voltou para a casa de seus pais em Tinley Park, onde registrou mais de cem páginas de escrita criativa. (Desde então ele voltou para a escola, graduando-se como orador pela Prairie State College em 1995).

Não foi até a década de 1990 que Rayson construiu a biblioteca de zines que ele usaria posteriormente como um centro de distribuição. Na época, ele era membro de um grupo ativista anti-racista. Em um de seus encontros regionais, ele teve a ideia de organizar várias literaturas de cada capítulo em uma antologia. “Eu percebi que, se fosse acontecer, eu teria que ser a pessoa a fazer isso”, diz Rayson.

Tudo o que você precisa para distribuir zines é uma biblioteca de originais. A partir daí, você pode digitalizar, dobrar e grampear cópias em minutos. Não demorou muito para Rayson acumular uma enorme coleção e, em breve, queria compartilhá-la. Ele postou anúncios em outros zines e escreveu cartas para o editor de publicações esquerdistas como The Progressive e Mother Jones. Mas eles ficaram em grande parte sem respostas.

“Parecia tão esperançoso no início dos anos 70”, diz Rayson. “Todo mundo estava chateado, sabe? ‘Vamos acabar com essa merda!’. Mas então todo mundo decidiu: ‘Ah, apenas vou para a discoteca'”.

Mas Rayson persistiu e logo encontrou um número improvável de leitores – em prisões estaduais.

Rayson começou a escrever para as pessoas em estabelecimentos prisionais a pedido de Sean Lambert, um autor de zines e ativista dos direitos da prisão que orientou Rayson nos anos 90. No início, Rayson procurava correspondentes que pudessem lhe dar histórias em primeira mão da prisão para usar em seu próprio trabalho.

Mas logo, ele descobriu que prisioneiros em todo o país queriam os zines que ele tinha, que eram muitas vezes políticos ou instrucionais por natureza (digamos, um manual sobre o Partido dos Panteras Negras ou um guia para se manter saudável enquanto encarcerado). Nas cartas que ele recebeu de volta das prisões, ele encontrou o mesmo fogo e urgência que ele sentia falta em seus próprios colegas ex-hippies. No final da década de 1990, Rayson havia colaborado em seu primeiro zine com um prisioneiro, Frank Atwood, chamado Decidedly Radical (Decididamente Radical).

Vinte anos depois, Rayson recebe cerca de 80 a 100 novos pedidos de zines de prisões a cada semana. Algumas pessoas querem um único título, outras tantos quanto Rayson puder enviar. Ele e um único voluntário pretendem preencher cada pedido dentro de três semanas.

É um trabalho em tempo integral para Rayson, um atendente de cabine de pedágio aposentado e ativista. (Em 1998, ele fundou o Shut This Airport Nightmare Down, um grupo que protestou contra o aeroporto suburbano proposto em Peotone).

Antes de se aposentar, Rayson passou boa parte de seus turnos no pedágio escrevendo cartas aos prisioneiros e fazendo zines.

“Eu tinha que estar no trabalho por oito horas, poderia muito bem ver se eu conseguiria fazer isso por quatro delas”, diz Rayson. “É meio que um trabalho sem cérebro. Você usa 2% do seu cérebro e ainda resta 98%”.

Hoje, Rayson financia toda a sua distribuição de zines, que custa US$ 10 mil por ano para ser administrada, com sua pensão. Salvo pela doação dispersa ou um pacote de selos de um prisioneiro, ele não recebe nada.

O truque? “Eu não tenho TV a cabo. 40 anos de TV a cabo, são US$ 50.000 que eu nunca gastei. Eu não vou ao cinema”, diz Rayson. “Você vai gastar seu dinheiro em algo – por que não colocá-lo em uso?”

A julgar pelas cartas que Rayson recebe de volta da prisão, ele está realmente colocando isso em uso. “Irmão Rayson”, começa uma, que continua prometendo enviar US$ 15 mil a Rayson assim que o escritor puder. “Avançar sempre / Para trás nunca!”, termina outra, de um preso no corredor da morte em San Quentin, pedindo a Rayson por zines sobre a reforma educacional e anti-racismo.

Rayson estima que a maioria dos seus zines seja passada para 20 pessoas além do solicitante. Alguns prisioneiros, ele ouve, lerão seus zines em voz alta através das aberturas de ventilação. Outros fazem varais de roupas para passá-los entre as celas.

Ainda assim, nem sempre é um trabalho fácil. Rayson diz que ele recebeu cartas ameaçadoras visando seu ativismo anti-racista, e que as autoridades prisionais ameaçaram processos por incitar tumultos e greves. Não é incomum que os zines de Rayson sejam devolvidos sem entrega.

Mas Rayson tem seus meios.

“Vou colocar uma capa benigna e as primeiras páginas em algumas coisas que eu acho que eles podem banir, porque os guardas são muito preguiçosos e apenas folheiam”, ele diz. “Ou eu enviarei um zine realmente inofensivo, e se você não o adquirir, ameace a ação legal”. (As prisões têm permissão para censurar materiais de leitura, mas apenas até certo ponto – digamos, aqueles que são afiliados a gangues ou encorajam a violência).

Embora Rayson seja um anarquista autoproclamado, suas ações mostram uma crença em provocar a mudança dentro do sistema, afastando-se de seus limites apenas quando ele precisa. O ABC no nome da sua distribuidora representa o Anarchist Black Cross (Cruz Negra Anarquista), um ramo anarquista do grupo de serviços.

“Eu não sabia que era anarquista até os quarenta anos”, diz Rayson. “Eu finalmente encontrei algumas análises sérias com as quais eu poderia me relacionar. Agora eu quero usar a lucidez do anarquismo para ajudar a transformar a vida das pessoas”. (Rayson ganhou sua inclinação radical em tenra idade. Seu pai era o Representante do estado progressista (se idealista) Leland Rayson. Quando ele morreu em 2001, o Tribune chamou ele “um espinho nas laterais dos republicanos estaduais e, com maior frequência, na máquina democrata de Chicago”).

No fim das contas, Rayson decidiu que ele havia capturado algo especial em sua coleção. À medida que seu alcance às prisões cresceu, também aumentaram suas correspondências com os presos, muitas das quais se transformaram em novas publicações. “Você sabe”, ele escreveria aos prisioneiros, “Você faz vários bons pontos. Talvez devêssemos escrever um zine sobre a sua situação”. Depois de uma rodada de edições e alguns gráficos de recorte, essas histórias se tornaram uma parte permanente da coleção de Rayson

Então, em 2008, ele abordou a Universidade DePaul com uma oferta de doar toda a sua biblioteca para seus arquivos. Desde a aquisição dos materiais, a escola se tornou uma distribuidora paralela dos zines de Rayson, enviando materiais copiados para as prisões gratuitamente.

Embora DePaul seja mais limitada em seu anti-institucionalismo, a parceria tem suas vantagens. O papel timbrado oficial da faculdade, por exemplo, dá credibilidade à operação.

“Muitas vezes me pergunto se mais coisas nossas entram do que as de Anthony”, diz Derek Potts, o bibliotecário que gerencia a coleção.

Além disso, manter os zines na DePaul os abre para os estudantes e o público. Potts encoraja professores a trazer grupos de estudantes para trabalhar com a coleção; o ímpeto para a exposição, que apresenta trabalhos da biblioteca e da prisão de Rayson e materiais de protesto do arquivo de DePaul, foi para aumentar a conscientização sobre o recurso.

É um grande projeto, mas Rayson protesta a classificação do que ele faz como caridade. “As prisões são realmente onde há as pessoas mais brilhantes para colaborar”, ele diz.

Mark Neiweem, um colaborador de Rayson que modelou sua própria distribuidora de zines após a operação no sul de Chicago, oferece uma explicação diferente sobre por que a coleção pegou.

“A prisão é um lugar sem amor. Tudo é difícil. O amor precisa ser importado, e é isso que Anthony faz”.

Fonte: http://www.chicagomag.com/arts-culture/December-2018/Why-Anthony-Rayson-Anarchist-Grandpa-Sends-Zines-to-Prison/

Tradução > sapat@

agência de notícias anarquistas-ana

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Alexandre Brito