[Espanha] Com Pepita, miliciana de 17 anos, já são mais de 4.000: a enciclopédia das mulheres na Guerra Civil

O historiador Gonzalo Berger e a produtora Tània Balló trabalham em um projeto que pretende identificar todas as mulheres combatentes.

por David Barreira | 04/05/2019

Alguns dias depois do estouro da Guerra Civil, Pepita Laguarda Batet, uma jovem de 17 anos de L’Hospitalet de Llobregat, escutou a chamada da frente. Foi no bairro de Sarrià – onde trabalhava como ajudante nos hospitais locais – onde ficou sabendo que estavam recrutando milicianos para a frente à revolta no quartel de Pedralbes. Em uma demonstração absurda de ousadia para sua idade, decidiu alistar-se de forma voluntária. “Se você for, eu irei com você” lhe disse seu namorado, Juan Lopéz Carvajal, um militante anarcossindicalista do setor das artes gráficas de 22 anos ao saber de sua decisão. Ambos foram alocados no 5º esquadrão da Coluna Ascaso e enviados às trincheiras de Aragón.

Depois de repelir um ataque da artilharia franquista, o casal e o resto dos camaradas chegaram ao vilarejo de Vicén no final de agosto de 1936, onde as forças republicanas preparavam um ataque para tomar a cidade de Huesca, Pepita, que antes da guerra trabalhava em uma pescadaria especializada em bacalhau da rua Creu Coberta de Barcelona, empunhava um fuzil sem medo e sempre se mostrava disposta a estar na vanguarda dos ataques.

Com o passar do tempo, Juan ficou doente por conta de uma infecção intestinal, ficando indisposto para qualquer operação imediata. Pepita foi até a enfermaria na noite de 30 de agosto e lhe informou que planejava se juntar a um dos carros blindados que participariam no ataque sobre Huesca. A ofensiva não só se demonstrou infrutífera para as milícias anarquistas, como também mortal para muitos, incluindo a jovem de 17 anos: Pepita foi alvejada nas costas em torno das 5 horas da madrugada de 1º de setembro. Sua dor, no entanto, vinha do ventre.

Seus camaradas a levaram até o hospital de Grañén, a alguns quilômetros de Huesca, mas ao longo do trajeto, havia perdido muito sangue. Juan López foi informado de que sua companheira estava ferida e rapidamente se ofereceu para realizar uma transfusão. Já era tarde: Quando os médicos se propuseram a fazer transfusão, Pepita morreu. Como se referira um anúncio com sua fotografia postado pela CNT: “Caiu para sempre em defesa da liberdade e contra o fascismo, no dia 1º de setembro de 1936 às portas de Huesca”.

Alguns dias depois, o jornal anarcossindicalista Solidaridad Obrera fez de suas páginas grandes homenagens à morte de Pepita: “A garota que ofereceu generosamente sua juventude – e podemos dizer infância – à sagrada causa do proletariado”. Era um obituário com uma importante carga propagandista, na qual se aplaudia a determinação da menina de alistar-se nas milícias “Contra a vontade de sua família”. “Nossa camarada era uma garota de extremo valor. Empunhava o fuzil com a mesma garra e decisão que o mais bravo miliciano. Quando se dava a ordem para ir às linhas de fogo, sempre estava disposta e ocupava os lugares mais perigosos”, diziam dela.

Mais de 4.000 mulheres

A de Pepita Laguarda é mais uma das histórias de idealismo que ocorreram durante a Guerra Civil. Não chama atenção somente por sua pouca idade como também por essa ousadia de se lançar às trincheiras, à linha de frente da guerra, onde terminaria perdendo a vida rodeada de homens. Pouco se sabe das mulheres que combateram nas frentes de batalha, do total de mulheres que preferiram empunhar um fuzil e lutar pela Espanha que elas acreditavam a ficar na retaguarda.

Diante desse fato tão pouco estudado sobre a guerra, o historiador Gonzalo Berger e a produtora Tània Ballo lançaram o ambicioso projeto “Mulheres em Guerra”, que ainda está em fase inicial, mas que pretende, através de documentos recopilados de arquivos públicos e familiares e com a máxima precisão histórica, reconhecer e dar nome a todas as mulheres que combateram na guerra, fossem elas do bando republicano ou do rebelde – nesta fase inicial estavam juntos à primeira -; mas também a aquelas que não desempenharam um papel tão direto nos enfrentamentos e foram igualmente importantes; enfermeiras, voluntárias em serviços sociais, trabalhadoras das fábricas de munições, etc…

Isto é, desenvolver um tipo de enciclopédia na qual se possa consultar os dados biográficos recompilados sobre essas meninas e mulheres: anarquistas, operárias, burguesas… e também alguma intelectual. A Guerra Civil para além da Pasionaria, de Pilar Primo de Rivera, de María Zambrano… desses rostos femininos amplamente conhecidos.

“O objetivo é recriar e trazer a tona o discurso da mulher combatente na Guerra Civil”, explica Berger, doutor em história pela Universidade de Barcelona a este jornal. Até este momento, e depois de anos de trabalho, foram identificadas mais de 4.000, das quais, cerca de 60 faleceram nas linhas de frente. “O projeto tem duas fases: uma quantitativa, que consiste em registrar o maior número de combatentes; e outra qualitativa, que pretende reconstruir suas vidas e seu perfil sociológico: O que liam, quais eram suas afiliações políticas, estavam ou não casadas?…”, acrescenta o historiador.

Outro dos objetivos é romper com o silêncio que elas mesmas impuseram sobre seu papel na guerra. “A mulher combatente estava sendo mal vista”, acrescenta Berger, que está sendo ajudado por diferentes pesquisadores. “Suas famílias não lhes permitiam lutar; e enquanto o homem é vangloriado, a mulher se cala. Por isso é necessário um estudo a nível quantitativo que logo dá lugar a outras investigações. Foram mulheres que romperam com o marco social dos anos 30”. E cita, por exemplo, o caso de duas mulheres que chegaram a ser comandantes nas brigadas internacionais.

Mas qual é o grande problema do projeto, por enquanto? “Não tem financiamento”, Lamenta Berger. Ainda lhes falta a parte mais tecnológica, a de recorrer a uma base de dados, e a partir desse momento, elaborar uma página na internet, com toda a documentação sobre as mulheres combatentes para que todos aqueles que desejarem possam pesquisar suas biografias.

Fonte: https://www.elespanol.com/cultura/historia/20190504/pepita-miliciana-anos-enciclopedia-mujeres-guerra-civil/395711413_0.html?fbclid=IwAR0SKyDObMpUam-cm6rDgazjXsc0OvDDh9pe877YQ_xIx6PW1aAEwU9tXbE

Tradução > Daitoshi

agência de notícias anarquistas-ana

Limpo o rosto na camisa –
O vento começa a trazer
As primeiras gotas de chuva

Paulo Franchetti

One response to “[Espanha] Com Pepita, miliciana de 17 anos, já são mais de 4.000: a enciclopédia das mulheres na Guerra Civil”

  1. Peterson Silva

    Eu odeio

    O D E I O

    o que a mídia brasileira fez com o termo “milícia”

    Agora significa algo bem diferente. É difícil por exemplo postar isso nas redes sociais como difusão desse conhecimento sem poder ser mal interpretado por quem passa o olho na manchete.

    Que merda, viu.