No ano passado retiraram minuciosamente um mural realizado por Santiago e o colocaram na Faculdade de Belas Artes. Este 30 de julho na Estação Provincial desde as 18hs realizarão uma palestra sobre direitos humanos de ontem e de hoje. O Comitê de Solidariedade Santiago Maldonado explicou a Pulso Noticias o que significou o desaparecimento e morte do jovem anarquista, a dois anos do caso
Por Ramiro Laterza| 23/07/2019
Durante a primeira semana de agosto de 2017 um ar espesso percorria as ruas centrais de La Plata, os edifícios das faculdades, as avenidas e as praças tentavam contar algo, tornar visível o que estava acontecendo, algo grave que era preciso saber. Só as pessoas que ainda se detiveram a olhar os cartazes impressos em fotocópias preto e branco nos postes de luz começaram a sabê-lo; logo algumas publicações em redes sociais conseguiram romper o cerco midiático, até que finalmente se tornou público: um jovem militante estava desaparecido em circunstâncias violentas na Patagônia.
Logo se conheceu seu nome, seu rosto, se soube da repressão à comunidade mapuche, a responsabilidade da Gendarmeria e do governo nacional; chegaram as mobilizações, a reprodução massiva de seu rosto e a pergunta “Onde está Santiago Maldonado?”, conhecemos Sergio, as respostas vergonhosas do poder. Mas na cidade de La Plata a comoção foi particular: Santiago havia vivido um ano e meio na cidade, cursado algumas matérias na Faculdade de Belas Artes, vivido em pensões, pintado murais, participado de assembleias, militado em uma biblioteca anarquista.
Em setembro já tinham se organizado alguns Comitês em faculdades para visibilizar a luta, a busca, a responsabilidade do Estado. Assim, se formou um pouco mais adiante o Comitê de Solidariedade Santiago Maldonado, composto por diferentes ativistas, militantes, amigos e companheiros do jovem artesão.
Marcio Mancini é um dos participantes do espaço e explicou a Pulso Noticias esse processo e qual é a atividade que organizam para o segundo aniversário do desaparecimento (e posterior morte) de Santiago.
Uma atividade de luta e não necrológica
Para o 1° aniversário o Comitê realizou uma importante atividade a respeito do desaparecimento de seu companheiro: através de um minucioso trabalho retiraram um mural pintado por Santiago em uma biblioteca anarquista e o colocaram no pátio do Belas Artes.
“Depois da atividade do ano passado, que foi muito grande, levou quase três meses de trabalho e foi muito bem, agora era preciso responder a essa circunstância”, introduziu e contou: “decidimos fazer esta atividade focada em outras temáticas e tratando de não cair na mera homenagem, porque essas questões tendem a diluir com o tempo a participação… não fazer necrologia mas fazer destes temas jornadas de luta”, explicou Marcio.
Na terça-feira, 30 de julho, se realizará uma palestra onde participarão referências em direitos humanos, onde também haverá música ao vivo e mostra de fotos. Será desde as 18hs na Estação Provincial (17 e 71). “Não está focada em Santiago mas na repressão de ontem e hoje”, explicou o ativista.
Participará do painel Carlos “o sueco” Lordkipanidse, um ex-detido desaparecido da Esma e referência nos crimes da ditadura. Também Mónica Alegre, a mãe de Luciano Arruga, “nos fará uma reflexão a violência sobre os jovens pobres do subúrbio, para contar a forma como o Estado os assassina, os aprisiona ou os tortura”, acrescentou Marcio. Também Verónica Heredia, a advogada da causa de Santiago Maldonado, que atualizará as últimas questões do processo.
Mas não haverá apenas debate, mas também apresentação de fotos de uma referência da câmera a respeito dos direitos humanos: Juan Cicale. E cantarão os raperos de Pantera Records: “também queremos que haja arte porque é parte do que fazia Santiago: parte de sua militância estava focada na questão artística, na pintura, no mural etc… queremos dar-lhe também esse conteúdo porque inclusive foi parte do sentido de levar o mural à Belas Artes, levar uma mostra do que ele fazia, um tipo de arte um pouco mais refratária à forma mais institucionalizada da universidade, outra das expressividades possíveis do artístico”, acrescentou Mancini à questão.
O que gera a morte
“O peso do que aconteceu com Santiago para nós foi importante porque, a partir disso, espontaneamente, nos reunimos em assembleia de companheiros, vários que eram amigos de Santiago, pelo simples sentido de fazer algo com isso que está acontecendo… e depois se constituiu o Comitê, como um espaço mais estável, e instituído não só para manter e reivindicar a luta por Santiago mas também para outras lutas”, contou Marcio a Pulso Noticias em referência às atividades do Comitê, tais como realizar murais com reivindicações contra o gatilho fácil, os genocidas livres, a perseguição aos mapuches, entre outras.
O militante do Comitê opinou também: “Mortes há constantemente, assassinatos de militantes, de rapazes, de companheiras trans: o Estado mata, é uma de suas funções; em geral trata de utilizar outros mecanismo de controle mas quando esses mecanismos falham não tem problemas em assassinar”.
“Há algo positivo para tirar deste processo a respeito de Santiago? Perguntou Pulso: “é difícil quando tiraram a vida de um companheiro, é a última fronteira… mas o que é interessante é que em muitas circunstâncias emerge organização ante coisas que acontecem… se espera que não necessitem ser tão extremas como um assassinato, mas estas formas de resistência são as que dão um pouco de esperança a este mundo sinistro”, respondeu.
“Esperamos que estes pequenos exemplos sejam o germe de formas de organização maiores que permitam seriamente mudar coisas muito mais gerais, mas em princípio são as primeiras reações ante contextos tão dramáticos como a prepotência do Estado assassinando, torturando, encarcerando ou propiciando a fome… o Comitê pretende ser um desses espaços”, aprofundou o militante político.
Por isso, a atividade tem esse objetivo de fundo: “pretende ser uma jornada militante, não só de homenagem”. O fato dos dois anos do desaparecimento e assassinato de Santiago, é um motivo para juntar-se e refletir, “mas sobretudo para falar sobre a continuidade do processo repressivo e refletir e organizar-se a partir dessas questões. A qualidade repressiva do Estado não é uma qualidade marginal, não é um fato anedótico, não é um excesso, mas que é a essência mesma do Estado moderno”.
“O uso da força pública é uma violência que nenhum governo progressivo ou não progressivo, quer renunciar, sempre que é necessário o usa e o usa com frequência, é a própria organização estrutural dos Estados modernos a que leva a repressão em suas entranhas, e entre outras coisas a morte de um companheiro como Santiago”, finalizou.
Fonte: https://pulsonoticias.com.ar/47409/no-queremos-hacer-un-homenaje-sino-una-jornada-de-lucha/
Tradução > Sol de Abril
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