A secretária da mítica revista contracultural reivindica o “espírito do bairro chinês” e revela sua participação no histórico comício da CNT de 1977 junto a Federica Montseny.
Soa até mesmo irônico que uma revista antiautoritária e sexualmente explícita como El Víbora¹ tivesse como sua sede uma pracinha de Barcelona que levava o nome de “as Beatas”. Coincidindo com a exposição que o MNAC² lhe dedica sobre a mítica publicação contracultural, da qual foi secretária durante a década de 80, Luisa se anima a voltar ao lugar dos acontecimentos e, da sacada do Centre Artístic Sant Lluc com vista para a antiga redação, revive o impacto emocional e o potencial humanista daqueles anos de criatividade sem limites.
Eu sou do bairro chinês (sim, chinês, isso de “Raval” nos parece um pouco soberba) e ser do bairro chinês naquela época foi algo que nos marcou. A vida estava na rua e havia um espírito de companheirismo e afeição entre as pessoas, talvez porque fosse um momento muito difícil.
Eu era uma adolescente de ir à missa diariamente. Estudei para ser secretária, e meu plano era ter uma vida normal, me casar e ter filhos, mas grávida de oito meses sofremos um acidente de carro e meu marido morreu.
Comecei a ver o mundo de outra perspectiva. Quando voltei ao trabalho, entrei em uma célula comunista. Fui responsável pela organização do PSUC (Partido Socialista Unificado da Catalunha) em Barceloneta, mas não me sentia à vontade em uma organização tão hierárquica, onde nós, mulheres, não eramos tratadas como iguais, e entrei no coletivo Mujeres Libres (Mulheres Livres).
Uma associação de mulheres libertárias. Em 1975, nosso objetivo era nos conhecermos como mulheres. Nós fazíamos estudos sobre a vagina e tínhamos uma rede de contatos fora da Espanha para podermos fazer abortos. Lá voltei a encontrar o espírito humanista do bairro Chinês, embora mais tarde as estudantes universitárias tenham entrado e já não fosse mais a mesma coisa.
Eu li um manifesto do Mulheres Livres. Tinha pavor de palco, meus joelhos e minha voz tremiam. Havia um milhão de pessoas lá!
Naquela época vivia com meu primeiro filho em comunas bastantes anárquicas. Um povo de uma comuna fez uma revista chamada El Globo, a primeira publicação foi sobre drogas na Espanha, e eu fui a secretária. Lá conheci Onliyú [José Miguel González Marcén], que me disse que sentia falta de uma secretária na El Víbora. Entrei na revista em janeiro de 1981.
Trabalhar na El Víbora e conhecer Nazario, Mariscal, Farriol… foi um presente da vida. Me chamavam de Luisa Talões, porque era eu quem fazia os talões para cobranças, mas era mais uma da equipe e nunca me senti menosprezada por ser uma mulher. Eu os admirava como artistas e como pessoas. Tínhamos uma relação maravilhosa, contávamos e compartilhávamos absolutamente tudo. Foi algo que foi além da cumplicidade.
Sim, é algo que esteve presente em toda a minha vida, mesmo agora que estou nos Yayoflautas³. Para mim, essa relação tão bonita que tínhamos na El Víbora foi o motor que nos dava a ilusão para entregar as páginas cada mês e atirar as revista na rua.
>> Notas:
[1] El Víbora foi uma revista mensal de revistas em quadrinhos publicada em Barcelona, Espanha, entre 1979 e 2005.
[2] MNAC: Museu Nacional de Arte da Catalunha, mais sobre a exposição, disponível em:
https://www.lavanguardia.com/cultura/20190619/462997945321/el-vibora-mnac-underground-contracultura.html
[3] Coletivo espanhol que inclui manifestantes aposentados em defesa de pensões públicas e do estado de bem-estar social.
Tradução > Daitoshi
agência de notícias anarquistas-ana
No final da tarde
todos estão apressados —
Chuva se anuncia…
Fagner Roberto Sitta da Silva
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!