[Espanha] 100 razões pelas quais eu me oponho ao militarismo

Em 1982 declarei-me Objetor de Consciência e em agosto de 1983 escrevi duas cartas à capitania militar expondo as 100 razões pelas quais eu me opunha ao militarismo, aos exércitos e à defesa armada. Como consequência dessas cartas, em 22 de maio fui acusado de injúrias ao exército.

Desgraçadamente não tive a previsão histórica de fazer cópia dessas cartas e no auto do processo somente mencionam o meu desejo de desprender-me da cartilha militar. Mas agora, 36 anos depois daquele ato juvenil de consciente rebeldia, quero recuperar a memória de algumas dessas razões. Claro que a lista que se segue estará muito mais atualizada, com linguagem mais política e baseada em conhecimentos e experiências atuais que, há 36 anos, não tinha.

AS GUERRAS

1. Os exércitos preparam e executam guerras. A guerra é um crime contra a humanidade.

2. Nas guerras matam-se pessoas e como pessoa que sou não posso participar de uma instituição que ataca a minha própria identidade como pessoa.

3. Nas guerras destroem-se lares. Todas as pessoas têm direito a um lar.

4. Nas guerras destroem-se escolas. (Quando escrevi estas cartas estava a estudar no magistério).

5. Nas guerras destroem-se plantações. Sem plantações não há alimentos para ninguém.

6. Nas guerras destrói-se patrimônio artístico e arquitetônico.

7. Nas guerras, habitualmente, batem-se pessoas empobrecidas para defender os interesses econômicos das pessoas enriquecidas que nunca são atacadas.

VIOLÊNCIA

8. A violência só gera mais violência.

9. Nos exércitos ensina-se que a melhor forma de resolver conflitos é através do uso da violência.

10. A hierarquização militar é uma forma de exercer a violência.

11. A disciplina militar é uma forma de exercer a violência.

12. A obediência cega e acrítica é uma forma de aceitação da violência.

13. A uniformização militar é uma forma de exercer a violência.

14. A justiça militar é uma forma de exercer a violência.

HIERARQUIZAÇÃO

15. Todas as pessoas têm os mesmos direitos e obrigações.

16. Nenhuma pessoa tem o direito a considerar ou tratar como inferior as demais pessoas.

17. Nenhuma pessoa está obrigada a considerar e tratar como superiores, qualquer outra pessoa.

18. Quem se considera superior às demais pessoas é supremacista.

19. O supremacismo é um atentado contra os direitos humanos.

20. Quem considera as demais pessoas inferiores é escravagista.

21. A escravatura é um atentado contra os direitos humanos.

22. Uma instituição hierarquizada dificulta que se faça justiça contra abusos de poder.

DISCIPLINA MILITAR

24. A disciplina militar sustenta-se na hierarquização.

25. A disciplina militar sustenta-se no supremacismo e escravatura.

26. A disciplina militar sustenta-se no castigo, na represália e na vingança.

27. A disciplina militar sustenta-se na obediência cega e acrítica.

28. A disciplina militar dificulta que se faça justiça contra os abusos de poder.

29. Rejeito o militarismo porque prefiro uma disciplina sustentada no respeito mútuo.

30. Rejeito o militarismo porque prefiro uma disciplina sustentada na responsabilidade crítica.

OBEDIÊNCIA CEGA

31. A hierarquização e disciplina militar obrigam a aceitar, sob pena de castigo, a obediência cega a uma corrente de poder.

32. A obrigação de obedecer gera falta de consciência.

33. A obrigação de obedecer gera acriticismo.

34. A obrigação de obedecer sem consciência crítica, gera irresponsabilidade.

35. A obrigação de obedecer sem consciência crítica sustenta-se no supremacismo e na escravatura.

36. A obrigação de obedecer sem consciência crítica é um atentado contra a liberdade de pensamento e consciência.

37. A obrigação de obedecer sem consciência crítica dificulta que se faça justiça contra abusos de poder.

39. A desobediência é uma forma de empoderamento civil.

40. A desobediência é uma forma de exercer a liberdade.

41. A desobediência é um meio de defesa civil não violento.

UNIFORMISMO

42. A obrigação de vestir um uniforme militar gera despersonalização.

43. A obrigação de vestir um uniforme militar é uma forma de incutir um pensamento uniformizado.

44. A aceitação de vestir um uniforme militar implica a aceitação de um regime militarista.

45. A uniformização imposta é um atentado contra a liberdade.

46. A uniformização imposta é um atentado contra a consciência.

47. A uniformização imposta é um atentado contra os direitos civis.

48. A uniformização imposta é um atentado contra o direito à própria identidade.

JUSTIÇA MILITAR

49. O fato de que os exércitos se rejam por um código diferente do código civil é um atentado aos direitos civis.

50. A justiça militar sustenta-se no castigo, na represália e na vingança.

51. A justiça militar sustenta-se em princípios de injustiça como a hierarquização, a obediência cega à disciplina militar e à uniformização.

52. A justiça deveria sustentar-se em princípios justos como a igualdade, a fraternidade e a liberdade.

53. A pena de morte é um crime contra a humanidade. Até 1995 não se aboliu a pena de morte do código militar espanhol.

54. Ainda que abolida a pena de morte, as guerras consistem em matar, sem julgamento, qualquer pessoa que seja considerada do bando contrário.

PESQUISA MILITAR

55. A pesquisa militar tem como objetivo desenvolver estratégias e armamento militar cada vez mais efetivos e mortíferos.

56. A pesquisa militar desvia recursos econômicos que deveriam destinar-se à investigação e desenvolvimento.

57. A pesquisa militar utiliza recursos humanos e científicos cuja preparação e capacidade deveria ser utilizada para preparar uma ciência civil e da paz.

INDÚSTRIA MILITAR

58. A indústria militar tem como objetivo fabricar armamento cada vez mais mortífero.

59. A indústria militar utiliza recursos econômicos que deveriam destinar-se para a indústria civil.

60. A indústria militar utiliza recursos materiais que deveriam destinar-se a construir a indústria civil.

61. A indústria militar utiliza recursos humanos, cuja preparação e capacidade deveriam utilizar-se para a indústria civil.

62. A indústria militar fomenta a necessidade de consumir armamento, e encontrar compradores que utilizam esse armamento para matar pessoas.

63. Para que a indústria militar prospere, os exércitos necessitam desfazer-se de armamento obsoleto e vendem-no a exércitos de países empobrecidos que os utilizam para matar e reprimir pessoas.

MEMÓRIA HISTÓRICA

64. A história mostra que nenhum exército defende a paz.

65. A história mostra que, os exércitos, de todo o mundo, serviram não raras vezes para instaurar e manter, mediante golpes de estado, ditaduras militares.

66. A história mostra que os exércitos, de todo o mundo, serviram não raras vezes para colonizar outros povos e culturas.

67. A história mostra que os exércitos, de todo o mundo, serviram não raras vezes para reprimir movimentos sociais e políticos.

68. A história mostra que os exércitos, de todo o mundo, serviram não raras vezes para abolir direitos civis e conquistas sociais.

69. A história mostra que os exércitos utilizaram a violação sexual como arma de guerra, dominação e repressão.

ECOLOGIA

70. A contaminação acústica dos campos de tiro e treinamento militar alteram os habitats de muitas espécies animais e vegetais.

71. Muitos animais morrem como consequência da exposição a provas de armamento (disparos, bombardeamentos).

72. Muitos animais morrem como consequência da exposição a minas em terra e mar, durante ou depois de conflitos armados.

73. Os campos de batalha e as operações bélicas destroem ecossistemas.

74. Os resíduos radioativos da indústria de pesquisa militar contaminam rios e mares.

75. A defesa militar é um modelo de defesa especista. Os exércitos nunca defenderam os direitos de animais e humanos.

FAZER AMOR E NÃO À GUERRA

76. Nos quartéis militares está proibido praticar sexo. (Recordemos que há 36 anos não havia mulheres nos quartéis e sobre a homossexualidade falarei mais adiante).

77. Nos quartéis militares perpetuam-se violações. Principalmente contra pessoas LGTBIQ.

78. Nos quartéis militares perpetuam-se agressões físicas e verbais de caráter machista e LGTBIQfobo. (Recordemos que nesse tempo de conscrição eram habituais violações e agressões físicas e verbais e que a instituição as justificava como sendo “praxe”).

79. A hierarquização militar e a obediência cega dificultam que se faça justiça contra violações sexuais.

80. A hierarquização militar e a obediência cega dificultam que se faça justiça em casos de violência machista e LGTBIQfobas.

81. O lema “Não contes, Não perguntes” que se manteve durante séculos nas instituições militares de todo o mundo é um atentado à liberdade e identidade sexoafetiva.

82. O lema “Não contes, Não perguntes” pode levar a autorrepressão e autodestruição.

83. Nego o militarismo porque prefiro fazer amor e sexo e não guerra.

84. Nego-me a preparar-me para apoiar, ou fazer guerra, matando pessoas, porque estou convencido que muitos dos conflitos se poderiam resolver praticando sexo livremente consentido pelas pessoas rivais.

DEFESA VIOLENTA

85. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa não violenta.

86. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa inclusivo, não capacitista.

87. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa animalista, não especista.

88. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa sem discriminações, nem agressões contra a comunidade LGTBIQ.

89. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa inclusivo que assuma a diversidade sexoafetiva.

90. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa não supremacista nem escravagista.

91. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa feminista que defenda os direitos e assuma as liberdades das mulheres.

92. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa não hierarquizado nem uniformizado, mas sim assembleario.

93. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa sem discriminação de idade, porque a infância também tem direitos que defender.

94. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa que defenda os interesses, direitos e reivindicações da maioria da cidadania.

95. Rejeito o militarismo porque prefiro uma modelo de defesa que se sustente na liberdade de consciência.

96. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa que se sustente no respeito pelos direitos humanos e pelos direitos dos animais.

97. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa que não seja constritivo, mas sim livremente assumido.

98. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa sustentado na negociação, no diálogo e no acordo.

99. Rejeito o militarismo porque prefiro um modelo de defesa sustentando na cooperação intercultural e internacional.

A FORÇA DA RAZÃO

100. Porque não acredito na razão da força, mas sim na força da razão.

Não posso garantir que estas foram aquelas 100 razões que me levaram a enfrentar o militarismo. Conceitos como capacitismo, especismo, ou diversidade sexoafetiva não tinham ainda aparecido no ideário antimilitarista. Seguramente que estavam muito mais desordenadas. E seguramente faltavam algumas dessas razões e claro que se podem agregar muitas mais razões para rejeitar, no século XXI, o militarismo.

Pedro Polo

Agosto 2019.

Fonte: https://floredo3.home.blog/2019/08/17/100-razones-por-las-que-me-opongo-al-militarismo

Tradução > Ophelia

agência de notícias anarquistas-ana

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Alonso Alvarez