[Espanha] CGT celebra o 25º aniversário da rodagem de ‘Tierra y Libertad’ junto a seu diretor Ken Loach

O filme atravessou o anarcossindicalismo espanhol por mostrar fielmente a dupla luta das milícias contra o fascismo dos golpistas e o autoritarismo de Stalin em plena Guerra Civil

Durante este fim de semana se celebraram em Valência umas jornadas comemorativas do 25º aniversário do filme ‘Tierra y Libertad’ de Ken Loach. Os atos e atividades se desenvolveram na Universidade de Valência e no povoado aragonês de Mirabel, local escolhido pelos produtores do filme em 1994 para a rodagem de algumas cenas do mesmo.

Desde a Federação Local de Valência da CGT e por causa da visita de Ken Loach, se projetou o último trabalho cinematográfico do diretor e de recente estreia no Estado espanhol, “Sorry, we missed you“, uma história que trata a precariedade e a exploração laboral da classe trabalhadora na atualidade.

Estas atividades serviram também como apresentação das XXI Jornadas Libertárias que começam oficialmente no próximo 9 de dezembro, e que este ano tem como eixo central o debate e a reflexão sobre o papel do anarcossindicalismo no futuro.

Neste sentido, a CGT esteve presente tanto na coletiva de imprensa celebrada em La Nau da Universidade de Valência em 29 de novembro como na posterior palestra-debate com o diretor, a produtora do filme, Rebecca O’Brien e Rosana Pastor, a atriz que deu vida à personagem de Blanca em ‘Tierra y Libetad’. Devido à grande afluência de público, os organizadores deste ato tiveram que dispor um espaço para que as centenas de pessoas que não puderam entrar na sala principal puderam seguir, através de uma telão, a palestra do diretor britânico.

Durante a coletiva de imprensa, que durou cerca de uma hora, Loach respondeu as perguntas da mídia e de jornalistas, realizando uma dura crítica ao sistema capitalista e mostrando sua preocupação pelo avanço da extrema direita em muitos países da União Europeia. Loach manifestou ter a sensação de estar assistindo a uma nova reorganização da extrema direita, como se está podendo comprovar em países como o nosso, onde conseguiu entrar com uma considerável representação em parlamentos e municípios.

A CGT, em relação a esta questão, quis saber na coletiva de imprensa que papel jogavam os grandes meios de comunicação, e consequentemente seus jornalistas, neste auge dos discursos racistas e xenófobos que estão dando lugar a que a população opte por apoiar formações de extrema direita. O diretor britânico considerou esta uma questão fundamental e recordou que 80% dos meios de comunicação que possam estar operando neste momento no Estado espanhol, por exemplo, tem donos muito ricos aos quais lhes vem bem o trabalho que – salvo honrosas exceções – se realiza desde os mesmos.

Durante a jornada de sábado em Mirambel (Teruel), se organizaram várias visitas guiadas pelo município cuja história remonta a tempos dos templários. Mirambel já foi o lugar escolhido para realizar algumas cenas da série “Clase Media”, em 1986. Mas sua verdadeira fama chega em 1994, com a rodagem de ‘Tierra y Libertad’.

Um importante grupo de companheiros e companheiras da CGT receberam Ken Loach, Rebecca O’Brian e Rosana Pastor com uma enorme bandeira vermelho e negra que estenderam em umas das ruas do município enfeitadas para a ocasião com bandeiras anarcossindicalistas nos balcões de algumas casas e do P.O.U.M., a outra organização de trabalhadores protagonista de ‘Tierra y Libertad’.

Pela tarde se realizou uma rota guiada pelos lugares do povoado nos quais se rodaram algumas das cenas do filme em 1994. Neste passeio, que contou com a presença de numerosos meios de comunicação, se explicaram detalhes e histórias daquelas cenas através de pessoas que participaram como atores no filme. Finalmente, no espaço do poliesportivo de Mirambel, que estreava para dita ocasião um enorme mural dedicado ao filme de Loach, se projetou ‘Tierra y Libertad’.

Para a CGT, ‘Tierra y Libertad’ marcou o anarcossindicalismo espanhol porque pela primeira vez em muitíssimos anos se mostrava fielmente o vivido na frente pelos milicianos e as milicianas que lutaram contra o avanço fascista do bando sublevado, mas também contra o autoritarismo que desde a Rússia impunha o comunismo de Stalin, que inclusive chegou a perseguir os membros do P.O.U.M. para conseguir o controle das operações do grupo republicano por parte dos comunistas durante a Guerra Civil. Ainda que o P.O.U.M. fosse uma organização de viés marxista revolucionária, próxima ao comunismo de esquerda, se opunha ao stalinismo e eram seguidores das ideias de Trotsky, perseguidas por todo o mundo. Os stalinistas buscaram antes de tudo a eliminação de todas as forças revolucionárias espanholas, tanto as do P.O.U.M como as da CNT, encarcerando e assassinando em pleno conflito armado a militantes de ambas as organizações, a quem acusavam de ser aliados fascistas.

A história que nos é contada em ‘Tierra y Libertad’ “bebeu” de uma zona em que as experiências anarquistas haviam tido um forte enraizamento entre a população. De fato, que o filme fosse gravado em Mirambel, e também em outros lugares desta zona de Aragão conhecida como a comarca do Maestrazgo, se deveu principalmente a que nela aconteceram os enfrentamentos mais duros entre fascistas e antifascistas durante o conflito.

Como histórias do filme, convêm recordar que para sua gravação e durante muitas semanas, os atores e as atrizes estiveram convivendo em Mirambel e o fizeram como se guerrilheiros antifascistas fossem. Vestiam com as roupas de milicianos e milicianas, e tentavam passar o maior tempo possível juntos, para criar um ambiente de camaradagem que logo pudesse transladar-se às cenas que se gravavam. Nunca sabiam por completo o texto dos roteiros, inclusive às vezes só dispunham de algumas horas para poder estudá-los, devido aos giros “surpresa” que Loach decidia para plasmar sobretudo a espontaneidade dos sentimentos, como ocorreu com a cena na qual falece após ser ferido de bala o companheiro de Blanca, Coogan.

‘Tierra y Libertad’ expressa perfeitamente a história dos fatos tal e como os entende o anarcossindicalismo. Sem dúvida, a luta por obter uma nova forma de organizar a sociedade de maneira transversal, onde todas as pessoas realmente tomaram as rédeas de suas próprias vidas, onde mulheres e homens tiveram as mesmas responsabilidades e os mesmos direitos, foi sufocada tanto pelo fascismo como pelo comunismo de Stalin.

Aquela revolução é um dos poucos momentos da história da humanidade nos quais as pessoas tomam o controle de suas próprias vidas. Para mim era muito importante compartilhar essa sensação de conquista e também entender por que saiu mal“. (Ken Loach no livro “Bienvenido, Míster Loah” de Mario Ornat).

Macarena Amores

agência de notícias anarquistas-ana

Choveu há pouco –
O sol baixa das nuvens
Finas cortinas de névoa.

Paulo Franchetti