[Irã] Prisioneiro anarquista Soheil Arabi: “Viva a resistência!”

Somente aquelxs que perderam o medo da morte estão verdadeiramente apaixonadxs… O meu coração anseia por camaradas que possam ouvir a minha voz, mesmo que uma prisão mais terrível e torturante me aguarde pelo crime de querer ser uma voz para xs oprimidxs e para xs companheirxs de prisão. No entanto, ser humano é suportar as dificuldades de aceitar responsabilidades, e não há maior responsabilidade para x rebelde do que ficar com xs oprimidxs. Devo ser a voz de pessoas como Meysam, e assim recusar a temer Two Alef, 209, One Alef e outras prisões horríveis do regime.

Meysam é umx jovem de 18 anos do distrito de Parand que foi preso por agentes da base militar do IRGC Tharallah por se juntar aos protestos contra o aumento do preço da gasolina que varreu o país em novembro. Diante das acusações de se reunir e conspirar contra o Estado, está atualmente presx no 5º bloco da Prisão Central da Grande Teerã. Apesar da sua juventude, as mãos de Meysam estão cobertas de calos por ser obrigadx a ser x únicx ganha-pão de que sua mãe e irmã dependiam, depois de perder o pai num acidente de automóvel. Trabalhava desde o amanhecer até a meia-noite no frio congelante do inverno e no calor abrasador do verão, entregando comida numa moto e prosseguindo os seus estudos à noite. Após o repentino aumento dos preços da gasolina, Meysam foi às ruas para fazer a sua voz ser ouvida.

Elx diz: “Mesmo antes do aumento de preços, eu mal conseguia ganhar o suficiente para atender às necessidades mais básicas da minha família. Para mim e para outras pessoas como eu, viajar e lazer sempre estiveram fora de alcance como uma miragem, mas após o aumento dos preços, não posso sequer pagar o custo de aluguel, alimentação, assistência médica e serviços básicos. Quem responderá aos nossos gritos de agonia com ajuda?

Não só não havia ajuda para ser encontrada, mas os seus protestos foram respondidos com golpes de aguilhões elétricos e cassetetes. Ele foi repreendido e torturado várias vezes enquanto o seu interrogador estava acima dele com um bastão e um aguilhão elétrico e o coagia a confessar que estava a receber ordens dos Estados Unidos e de Israel e era membro de um grupo dedicado a derrubar o regime. Masyam pergunta “onde diabos estão os Estados Unidos e Israel? Eu nunca sequer viajei para além do santuário do xá Abdol-Azim! Eu só quero ganhar o suficiente para viver e uma economia que não seja corrupta. Como é que isso me faz um insurrecionista?

Um interrogador com ameaças e tortura e outro com falsas promessas e mentiras, dizem-lhe para confessar porque eles só querem ajudá-lo. Ele não tem nada a dizer e pergunta: “porque é que devo confessar um crime que não cometi? Eu não sei nada das vossas políticas e alegações, apenas sei como entregar uma pizza intacta a um cliente. Sei quando elxs querem que eu a entregue no quarto andar e tenho de aceitar a subida da escada sem queixas e entregar a comida com um sorriso. Faço isso para ter a chance de receber gorjetas de 200, 500 ou, às vezes, 1.000 tomans (quantias relativamente pequenas em moeda iraniana), para que este ano eu possa economizar o suficiente para dar à minha irmã uma festa de aniversário com um bolo modesto. Para que então, pela primeira vez, ela não precisasse de olhar melancolicamente para as fotos das festas dos e das suas amigas. Senhor, sabe, o aniversário da minha irmã é no final do mês. Por favor, não faça com que eu fique ainda mais endividadx. Se eu estiver trancadx na prisão, quem pagará o aluguel e a comida da minha mãe e da minha irmã?”

Mas o interrogador não faz nenhum esforço para entendê-lx. O interrogador preocupa-se apenas em construir um grande processo contra a pessoa que ele está a tentar apresentar às autoridades judiciais como um criminoso e uma ameaça à segurança nacional. Só para que consiga obter um grande bônus por capturar a perigosa ameaça criminosa, insurrecionista maldoso, enganador de duas caras, herege, agitador, agente de Mousad e da CIA e milhares de outras acusações ridículas.

Estas acusações contra um jovem torturado que não conhece nada da vida além de trabalho, trabalho e ainda mais dívidas, não colarão além da base militar de Tharallah. Xs humildes Meysam, Milad Arsanjani, Abolfalz Karimi e dezenas de outrxs jovens, que foram presxs nos protestos de novembro de 2019 e definham hoje na Prisão Central da Grande Teerão, são todos de territórios pobres que estão sob o governo da República Islâmica do Irã. Jovens a quem, diante das sanções dos EUA e da má administração e corrupção do estado, foram negadas até mesmo as suas necessidades mais básicas. Elxs têm todo o direito de protestar. Como desejo que as vozes dessxs jovens sejam ouvidas e que os seus pedidos de ajuda sejam respondidos.

O interrogador do 209 diz que escrever estes artigos terá consequências duras para mim e que eles têm prisões muito mais duras para onde me enviar. Eu respondo-lhes que a recusa deles em ouvir as nossas vozes terá consequências ainda mais duras para eles. Então prenderam os Soheils, Arashes, Atenas e Golrokhs e até mataram os Pourias, mas o que é que farão com os rebentos inevitáveis que são os Meysams e Milads por aí? Se, tendo as prisões de Evin, Grande Teerão, Qarchak e Gohardasht se constroem mais mil, ainda assim não se pode sufocar o anseio humano por justiça, liberdade e igualdade.

Em vez de brutalizar as pessoas oprimidas, ouçam as suas vozes ou enfrentem a derrocada garantida e inerente do vosso regime de tirania e corrupção. Queremos construir um local onde possamos buscar justiça pelos crimes e atrocidades cometidos contra nós. Exigimos justiça, liberdade, igualdade e segurança. Lutaremos contra a opressão, corrupção, desigualdade, repressão e caos até que sejamos vitoriosxs.

Aquelxs que estão verdadeiramente apaixonadxs, não temem mais a morte. Amantes não temem o encarceramento e a prisão.

Alguns dias antes de ser condenadx, um interrogador da ala 209 disse que se eu continuar a escrever artigos e declarações, enfrentarei graves consequências: condenação, restrições adicionais e opressões. Um dos agentes, um dos promotores, também disse implicitamente que eles realmente odeiam pessoas que não conhecem o seu lugar e que, pelo bem da minha filha, deveria ter cuidado com as palavras para que possa manter a minha cabeça. No entanto, na minha opinião, estes guardas levaram o filme Papillon muito a sério. A prisão é um lugar horrível. E o deslocamento, a transferência e a sentença são piores. Estas coisas tornam a tortura e o sofrimento de umx prisioneirx mais graves. É verdade. Para ser ainda mais preciso, um telefonema, ouvir boas notícias, sorrisos sádicos ou caras feias vigilantes, um guarda, um advogado, os menores detalhes das pessoas e tudo aquilo que as pessoas não familiarizadas com o mundo dxs prisioneirxs consideram marginais ou triviais, é significativo e muito importante nas nossas vidas. Mas o mais importante é que a prisão, apesar de má e destrutiva, não é o pior. Pelo menos para umx lutadorx, não é o pior lugar. A prisão não é capaz de destruir umx lutadorx e ainda x torna mais forte e mais determinadx. E umx anarquista não apenas erradica a opressão e a corrupção, mas destrói fronteiras e muros. Assim, os poderosos são os reais perdedores e as ferramentas que eles usam para nos torturar serão os instrumentos da sua própria destruição. Eles condenaram-me a ficar aqui com a intenção de me punir. Eles não sabiam que eu queria estar com estxs jovens que buscam a liberdade e compartilhar as minhas experiências com elxs. Aprecio que esta hostilidade tenha resultado numa boa causa. Viva a resistência!

Soheil Arabi

Penitenciária da Grande Teerã, Janeiro de 2020

Fonte: https://asranarshism.com/1398/11/10/anarchist-prisoner-soheil-arabi-2/

Tradução > Ananás

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 José Santos