Quinta-feira, 19 de março de 2020
Para aqueles de uma certa idade, as ruas vazias da cidade que caracterizam a pandemia do vírus corona tendem a suscitar uma pergunta simples: ‘Você acha que somos os sobreviventes?’
Essa não é uma pergunta direta, mas uma referência à série de televisão da BBC de 1970, chamada The Survivors (Os Sobreviventes), que mostrou Lucy Fleming e Ian McCulloch lutando semanalmente para lidar com uma Grã-Bretanha pós-apocalíptica na qual menos de 0,02% da população havia sobrevivido a um surto viral inesperado e mortal.
Na série de televisão, o patógeno é liberado acidentalmente por um cientista chinês depois que ele desajeitadamente deixa cair um frasco cheio do vírus no chão do laboratório e depois embarca no que parece ser um cruzeiro mundial, infectando todos os países que visita.
É difícil não fazer comparações com a pandemia de coronavírus, embora seja amplamente aceito pelos cientistas que o covid-19 não é um vírus produzido pelo homem, mas pulou espécies, possivelmente de morcegos para humanos, em algum lugar perto de Wuhan, na China. Não desejo contradizer essa sugestão. Parece desnecessário procurar fontes humanas para o vírus quando, como Shi Zhengli, da Academia Chinesa de Ciências, que ajudou a identificar o covid-19, disse que existem muitas fontes naturais, principalmente em morcegos.
Mas a pandemia do vírus covid-19 não foi um desastre natural. Foi um fenômeno natural, mas o desastre foi causado pelo homem.
Agora está bem estabelecido que, para a maioria das pessoas, o covid-19 é uma doença a que se pode sobreviver sem intervenção médica. Esse fato foi divulgado ao público por meio de numerosos briefings da mídia, frequentemente acompanhados da frase não comprometedora ‘sintomas leves’. Raramente ficou claro se ‘leve’ significa nariz escorrendo e dor de garganta, ou uma semana de cama sentindo o peito pesado, articulações rígidas e dor de cabeça muito forte. No entanto, a resposta ao vírus de efetivamente desligar o mundo e expulsar centenas de milhares de pessoas do trabalho para a potencial pobreza a longo prazo sempre sugeriu que é algo mais sério. Os eventos na Itália foram os primeiros a mostrar o que é essa coisa terrível. Não é o fenômeno natural da doença em si, mas a preparação governamental inadequada para tudo isso.
Para cerca de vinte por cento da população, o covid-19 é uma doença perigosa, embora em tempos normais as chances de morte por ela, mesmo para esse grupo infeliz, ainda devam ser muito baixas. O problema é que não vivemos em tempos normais.
É fácil para os governos apresentarem a narrativa do covid-19 como um evento anormal, que surgiu do nada e que eles não podiam prever. O problema com essa narrativa é que ela é uma mentira. É verdade que ninguém poderia saber que a próxima pandemia global seria um vírus corona originário do leste da China. Mas os governos sabem há muito tempo que uma pandemia global e potencialmente mortal estava a caminho. Nós até tivemos presságios disso com os surtos de SARS e MERS, como se a própria natureza estivesse tentando nos alertar. Mas não precisamos confiar na natureza para isso. Os cientistas também afirmaram consistentemente que era inevitável um equivalente à mortal epidemia de gripe espanhola de 1918, que matou pelo menos um décimo da população mundial. Se esses avisos tivessem sido ouvidos, é claro que não teríamos uma vacina para o covid-19, mas poderíamos pelo menos ter leitos hospitalares, ventiladores e suprimentos de oxigênio suficientes em reservas de emergência para salvar mais vidas. Em vez disso, os avisos foram ignorados.
Por décadas, os governos que afirmam que seu principal objetivo é proteger seus cidadãos têm permitido que um pequeno número de indivíduos e empresas cresça inimaginavelmente rico, em vez de concentrar os preciosos recursos de nosso planeta em cuidados de saúde adequados para todos. Esse tem sido um problema em todo o mundo, mas na Grã-Bretanha temos plena consciência de que, longe de fornecer recursos para o NHS para emergências inevitáveis, o sistema é executado anualmente com base apenas na administração. Todos os anos, os trabalhadores ficam aterrorizados com a possibilidade de a temperatura do inverno cair um ou dois graus abaixo do normal e, assim, ficarem sobrecarregados com apenas algumas centenas de casos extras de gripe sazonal. É impossível imaginar como um sistema operado assim poderia lidar com a pandemia global prevista da gripe, sem falar no corona que veio em seu lugar. É uma verdade sombria que, se a pandemia global da gripe da qual fomos avisados se materializasse, em vez do covid-19, ainda estaríamos vendo o NHS ficar sem respiradores e o governo pedindo aos fabricantes de automóveis que comecem a produzi-los com urgência.
É difícil não concluir, a partir deste episódio horrível, que em todo o mundo nossos governos falharam conosco. É verdade que o covid-19 foi um patógeno inesperado que emergiu da natureza, mas a pandemia global a que levou foi qualquer coisa menos inesperada. Nossos governos foram instruídos a esperar uma pandemia por décadas. É a falta de preparação para o que era esperado que transformou a chegada do covid-19 de um problema sério em um desastre. Não há nada inevitável ou natural nisso.
Michael Paraskos
Michael Paraskos é romancista, palestrante e escritor sobre arte. Ele é conhecido por suas teorias conectando anarquismo e arte moderna
Fonte: https://freedomnews.org.uk/coronavirus-is-not-a-natural-disaster/
Tradução > abobrinha
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!