[Chile] Coronavírus: Relatório do Chile

Companheires:

Depois de 5 meses de avanços e resistência, nossa comunidade de luta enfrenta hoje um novo desafio. A chegada da pandemia global ao território chileno anuncia o fim de uma etapa e o início de outra para a insurreição em curso.

A crise mundial se agudiza, e junto a ela emergem as possibilidades de nos desfazermos de uma vez por todas dos entraves que nos arrastaram a este abismo. Sabemos que a solidariedade reencontrada no calor da insurreição oferecerá seus frutos novamente.

Nós voltaremos a nos dissolver na massa insurreta da qual brotamos e voltaremos a brotar.

Até então: Amor e luta!

EVADE CHILE 2020 #

CORONAVÍRUS: Relatório do Chile

A pandemia não deterá a rebelião: será a rebelião a que termine com a pandemia que os Estados do mundo administram.

Essa pandemia tem vários nomes: patriarcado, capitalismo, dinheiro, trabalho assalariado, inclusive poder, economia política, ilustração, religião, praga emocional, estupidez, etc. É a enfermidade que divide e separa a humanidade em classes, raças, nações, extratos, privilegiados e desafortunados, nobres ricos e pobres diabos, esquerdas e direitas, etc.

Os Estados, que nas últimas décadas haviam passado de moda, hoje fazem uma reaparição triunfal. São suas estruturas políticas e militares as únicas que podem garantir que as perdas não sejam totais para os funcionários do capital. Mas a bolha desta vez lhes estourou na cara.

De um momento a outro, como por ato de magia, os governos do primeiro mundo nacionalizam empresas, suspendem o pagamento de contas de serviços básicos, asseguram um rendimento universal mínimo aos proletários, todos são liberados do aquartelamento escolar ou laboral, etc. No terceiro mundo são os grandes chefões dos bancos os que saem a perdoar dívidas, enquanto que alguns sindicatos presenteiam com um corte de 50% do salário de seus filiados e os gerentes sacrificam 25% do seu. Seja tudo para superar esta crise.

As medidas parecem coincidir com o nível de terrorismo midiático e político que apresenta esta como a pior catástrofe dos últimos séculos apesar de que o mundo viu situações muito piores, como a morte de 50 milhões de pessoas de “gripe espanhola” no final e após a primeira guerra mundial ou os 20 milhões de yemens que atualmente morrem de fome. Temerá perder sua hegemonia no Ocidente?

A unidade à qual chamam, como sempre, é falsa. Funciona só enquanto gestionam o “isolamento social” que tantos custos lhes traz mas que é tão conveniente, ao mesmo tempo, frente a uma população fundamentalmente indefesa após séculos de precarização e empobrecimento.

Dado que as necessidades da produção de mercadorias nos forçam a nos reunirmos, ainda que por mandato nos chamam ao isolamento, os políticos se esforçam em que agora, e de uma vez por todas, se instaure a mediação definitiva da abstração via internet: teletrabalho, teleducação, teles sociabilidade. A pandemia capitalista, hoje disfarçada de “crise sanitária”, abre a possibilidade de correr o cerco do domínio da vida cotidiana tornando-a inclusive mais estreita e confinando-a ao campo do digital.

Mas esta crise mundial não pegou de joelhos nem desprevenido ao povo que habita o território ocupado pelo Estado chileno. O pegou em pé: sabemos perfeitamente que esta crise não é produto de um novo tipo de gripe, mas sim que o novo tipo de gripe é resultado de suas indústrias produtoras de morte.

Os experts apressam seus julgamentos e culpam pela propagação do vírus a globalização, os hospitais públicos sem orçamento, a um “rastro de selvageria” dos chineses que comem “coisas estranhas” e traficam espécies exóticas, ao aumento da população que supostamente demanda a destruição dos ecossistemas globais, o que por sua vez empurra os animais, vetores de vírus que podem nos matar, a estar mais próximo dos humanos, etc. O neurótico é cego ao óbvio.

As condições materiais que geram a produção industrial, e que tornam todo mundo vulnerável à catástrofe, estão na origem desta crise. Nestas latitudes exploram glaciares e desertificam regiões completas; vendem a água e transformam a moradia em um problema existencial; aniquilam toda a vida do fundo do mar e gestionam a saúde como um Cartel; fazem da educação um humor negro; saqueiam o território inteiro e enchem os olhos, matam ou encarceram os que querem se rebelar contra esta miséria. Todo o território é uma “zona de sacrifício”, incluídos seus supostos setores privilegiados que vivem fascinados pelo dinheiro.

A trama se torna ainda mais espessa. O Poder deve impedir que a pandemia faça explodir sua infraestrutura e, ao mesmo tempo, deve aproveitar o tempo fora para montar seu show da normalidade novamente. Mas desta vez não há nenhuma garantia de que poderá consegui-lo: a situação global impede qualquer certeza a respeito do estado de saúde da besta moribunda. Estamos sendo testemunhas de uma de suas últimas sacudidas, e com ela toda nossa vida está mudando mais rápido que nunca. Parece que tudo o que se necessita é uma grande gargalhada para abatê-la.

Assim, enquanto as bolsas do mundo caem e os grandes empresários correm para saquear o Estado para que mantenha a tona seus capitais paralisados pela redução dos atos de compra e venda, esta crise realizou algo que jamais poderia haver conseguido todo o lobby político: a dramática redução, aqui e agora, das emissões de gases de efeito estufa. Só na China, o freio da atividade econômica dos últimos meses levou a uma diminuição equivalente a 6% das emissões mundiais. Os experts, moralmente confundidos, afirmam: “parece que esta crise sanitária a longo prazo conseguirá salvar mais vidas do que as que está tirando”.

Querem nos fazer engolir a pílula da emergência — que para nós é a norma —, tentam nos separar, injetar-nos o medo do individualista que preferia afogar as tristezas em ofertas. Serão as redes de apoio mútuo as que poderão responder a esta crise de uma forma que erradique para sempre o poder e a legitimidade dos administradores políticos e econômicos do mercado, acabando com o modo de reprodução social que os faz necessários.

Agora que os escombros da economia e a política crescem frente a nossos olhos até o céu, agora que caiu a decoração da vida cotidiana e aterrizamos forçosamente em nossa existência para contemplar, já sem possibilidades de distração, o estado ao qual nos jogou a inércia do dinheiro, nos é apresentada uma oportunidade única: ou nos deixamos esmagar pelo lixo de uma civilização arruinada ou nos deixamos levar pela vida que brota gratuita e profusamente ali onde se desnaturaliza, nos atos, nas condições existenciais do empobrecimento suportado em silêncio.

A luta pela liberação tira sua força não da visão do futuro, mas da visão do passado. E esse passado que temos frente a nós fede. Sua pestilência insensibilizou nossos sentidos durante muito tempo. Não seria absurdo esperar que os zumbis que nos jogaram a este estado de putrefação nos lancem um salva vidas?

Tudo está por fazer. Podemos construir no reverso das ruínas uma vida guiada pela satisfação imediata das necessidades humanas e, ao fazê-lo, recriar nossos entornos sacrificados à acumulação cega de riqueza abstrata.

O despertar de outubro foi a luta de um povo reavivada a cada dia para sair deste transe, do pesadelo do que acontece e aconteceu:

Não voltaremos à normalidade, porque a normalidade era o problema.

EVADE CHILE,

19 de março de 2020

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

silenciosamente
uma aragem enfuna
as cortinas enluaradas

Rogério Martins