[Reino Unido] Não desesperes, organiza-te!: uma introdução à Bentley Urban Farm

 

Bentley é uma antiga cidade mineira no norte de Doncaster, South Yorkshire. Desde que a mina fechou, em 1993, tem estado constantemente entre os 10% das zonas mais pobres do Reino Unido. A expectativa de vida está bem abaixo da média nacional, havendo muitos problemas de saúde diretamente ligados à alimentação e nutrição. Taxas elevadas de obesidade infantil, doenças cardíacas, diabetes e cancro podem todas estar diretamente ligadas à pobreza alimentar. Na verdade, Bentley recebe o maior número de doações de bancos alimentares de todas as antigas cidades mineiras de Doncaster. Um impressionante 94% dos residentes vive a uma curta distância de um estabelecimento de fast-food, mas não há uma única mercearia para servir cerca de 21.000 pessoas. Bentley é um típico deserto de comida, um lugar onde é literalmente mais fácil comprar kebabs do que couve.

Ironicamente, Bentley é cercada por terras agrícolas aráveis, a população tem um rico patrimônio de engenharia, e a Associação de Solos diz-nos que temos um dos solos mais ricos e diversos do país. O conselho pode ser pobre em dinheiro, mas eles são ricos em terrenos e edifícios (embora às vezes pareçam um pouco ansiosos demais para vender o que deveriam ser bens comunitários). Como comunidade, temos tudo o que precisamos para prosperar, mas o sistema econômico dominante e a história que nos vendem convence-nos de que não temos nada. Tenho experiência direta de pobreza e lutaria até o meu último suspiro para nivelar o campo socioeconômico, mas acredito firmemente que se as pessoas começarem a praticar apoio mútuo na vida cotidiana, logo descobriremos que, enquanto comunidade, já temos tudo o que precisamos para construir um futuro mais positivo, mais corajoso e mais bonito para todos.

Membros da nossa cooperativa há já muito tempo que estavam envolvidos em projetos de jardinagem de guerrilha e de cultivo de alimentos comunitários e pedimos várias vezes permissão para ocupar um centro de treino hortícola abandonado em Bentley para benefício da comunidade local, mas sem sucesso. Só quando o presidente do conselho começou a assinar a Doncopolitan, uma revista de artes e cultura que criamos para provar que não existia um “deserto cultural” (um insulto frequentemente apontado a Doncaster), é que fomos capazes de lançar as nossas ideias às pessoas em cargos superiores e nasceu a Bentley Urban Farm.

A Bentley Urban Farm (BUF) é um “jardim de mercado” que usa materiais recuperados para reparar e manter o centro de treino hortícola acima mencionado para que possamos ensinar as pessoas a poupar dinheiro cultivando alguns dos seus próprios alimentos. Usamos materiais recuperados porque queremos provar, como já foi mencionado, que os recursos já existem — muitas vezes em formas geralmente consideradas “lixo” — para mudar o destino das comunidades empobrecidas, precisamos apenas mudar as nossas práticas e atitudes.

Para mostrar isso, criamos a nossa campanha SEED & SAVE (Semear e Poupar). Deixamos que as pessoas assumam uma área do sítio e mostramos-lhes como construir um canteiro levantado a partir de materiais recuperados. Em seguida, usamos o canteiro para lhes ensinar a cultivar alimentos. Se elas ficarem realmente boas nisso, nós até compramos produtos delas para o nosso sistema de caixas vegetais. Nós não temos a área suficiente para cultivar tudo para as nossas caixas de vegetais (tentamos obter os três hectares adjacentes para este propósito, mas o conselho vendeu-os assim que pedimos que fossem listados como um bem da comunidade!), então compramos produtos de uma fazenda orgânica próxima e adicionamos alguns dos nossos próprios produtos. Nós tendemos a cultivar espécies incomuns, como yacon ou tomates de bolso (um tipo de tomate ameixa que se funde e se parece com um cérebro antes de amadurecer). Cultivamos estas espécies incomuns porque gostamos de mostrar às pessoas o quão limitada a seleção nos supermercados realmente é, e as pessoas tendem a gostar de frutos com histórias interessantes. Também estamos interessados em incentivar o uso de sementes “polinizadas abertamente” (cuja polinização ocorre por meio de insetos, pássaros, vento, humanos ou outros mecanismos naturais).

A BUF pode ter começado como uma campanha contra a pobreza alimentar, mas ao trabalhar com escolas locais logo descobrimos que havia crianças de áreas mais ricas que também tinham má nutrição porque ambos os pais estavam trabalhando e eles rotineiramente aqueciam refeições congeladas no micro-ondas. Começamos a perceber que não é apenas o acesso aos alimentos, mas a relação da nossa sociedade com os alimentos que está no centro da nossa crise de saúde alimentar.

Felizmente, a resposta é simples (embora o governo e os burocratas pareçam determinados a fazer com que seja o mais complicado e caro possível). A resposta está nas nossas próprias mãos.

Na BUF trabalhamos com uma faixa incrivelmente diversificada de pessoas, com várias habilidades e necessidades, mas a sua reação quando começam a passar mais tempo ao ar livre cultivando a sua própria comida é tão universal quanto possível – uma calma focada e, depois da sua primeira colheita, uma sensação real de concretização. Reconectar com as estações significa que já não se pode tomar as coisas como garantidas. A maioria das pessoas não percebe que são necessários onze meses para um alho-francês crescer, mais do que é preciso para um bebê se desenvolver.

A BUF tem sido uma luta difícil — trabalho duro, longas horas, quebras, discussões, etc. — mas as recompensas são verdadeiramente inestimáveis. Trabalhamos com um projeto chamado Centro de Aprendizagem Primária, com crianças de 8 a 12 anos que tinham sido excluídas da escola (como é que isso é sequer permitido!). Da primeira vez que era para elas virem visitar apenas uma foi permitida vir porque o resto não parava de fazer asneiras. Quando ele voltou para a aula e lhes contou o que tinha feito (cavar uma lagoa) o resto assegurou-se que eram autorizados a vir na semana seguinte. Estas crianças eram consideradas ‘problemáticas’ pela sociedade em geral, mas colocá-las ao ar livre com algumas ferramentas para fazer trabalho físico fez com que esses problemas se dissipassem — na verdade, coisas que são perturbadoras nas salas de aula, como ter muita energia, tornam-se vantagens num ambiente ao ar livre. Uma criança de 12 anos construiu um trilho sozinha numa tarde e teria continuado se não lhe disséssemos para ir embora.

As crianças começaram a visitar-nos regularmente e também fizeram trabalho voluntário num parque próximo. No parque elas trabalharam com um jardineiro que tinha crescido em circunstâncias semelhantes e elas, e ele tornou-se uma espécie de modelo para as crianças. Não estando confinado aos rigores de Ofsted e pelo preconceito da formação feita por professores, ele foi capaz de se comunicar com elas e inspirá-las de maneira que a educação formal tinha falhado em fazer. O processo não aconteceu sem contratempos, mas, eventualmente, ele tinha todas as crianças sob o seu feitiço e os professores relataram que elas estavam agindo melhor no ambiente de sala de aula para o caso de não poderem visitar a BUF ou o parque. Elas foram incríveis, até organizaram o seu próprio desconto de 20% com o centro de jardinagem local. Uma verdadeira história de sucesso, ou, pelo menos, assim pensávamos.

Tínhamos testemunhado um verdadeiro crescimento e desenvolvimento, e sabemos que as vidas dos jovens foram mudadas para melhor. Mas isso não conta para nada se o projeto não satisfizer objetivos burocráticos suficientes ou gerar dados estatísticos suficientes. Decidiram fechar o Centro de Aprendizagem Primária e substituí-lo por algo chamado Serviço de Apoio ao Comportamento (BOSS, em inglês).

Pior ainda, o superior do jardineiro perguntou por que é que ele tinha perdido tempo com crianças e afastou-o do parque, apesar do fato de que o seu trabalho tinha feito o parque conquistar uma muito célebre Bandeira Verde. Infelizmente, os burocratas tendem a ver apenas cargos em vez de pessoas que fazem o trabalho.

Nós testemunhamos muitos momentos especiais na Bentley Urban Farm, mas o que nós fazemos não é realmente assim tão especial. Todas as comunidades têm espaço que pode ser dedicado ao cultivo. Todas as comunidades têm as habilidades e recursos para começar. É verdadeiramente apoio mútuo em ação. Um par de ativistas comprometidos pode criar uma mudança real e duradoura. Na verdade, imagina o que umas centenas ou uns milhares poderiam fazer? E se, da próxima vez que dezenas de milhares de pessoas se reunirem para um comício político em Londres, elas construírem uma horta comunitária em vez de faze uma marcha do local A ao local B?

Warren Draper

bentleyurbanfarm.wordpress.com

Fonte: https://freedomnews.org.uk/dont-despair-organise-introduction-to-bentley-urban-farm/

Tradução > Ananás

Conteúdo relacionado:

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/04/24/reino-unido-fazenda-anarquista-um-festim-revolucionario/

agência de notícias anarquistas-ana

No final da tarde
Vejo o céu avermelhado
Folhas a cair!

Samara Alves Subirá – 10 anos