Por Íñigo González | 25/05/2020
Poderia resumir-se nestas duas palavras o que está acontecendo estes dias com os panelaços de pessoas cuja principal característica é exibir a bandeira monárquica.
A questão é: O que pedem? Por que protestam? Pelo que parece, pedem liberdade e que abram El Corte Inglés [famosa rede de lojas de departamento]. Vamos nos centrar na liberdade, o do El Corte Inglés é mais complicado, talvez outro dia. É chamativo o conceito de liberdade em algumas pessoas, geralmente se referem a SUA liberdade, passando pelo arco do triunfo a liberdade dos demais, inclusive recorrendo à exploração (a nova forma de escravidão) de seus semelhantes para conseguir SUA liberdade.
Sim, parece incrível, mas neste planeta há pessoas que se consideram com mais direito que as demais por múltiplas razões: seus sobrenomes, suas posses, seus estudos, seus títulos nobiliários, seu lugar de nascimento, sua cor de pele, sua bandeira, seu gênero e um montão de outras estupidezes, cada qual mais insensata, ilógica, fictícia e absurda.
Levamos muito tempo jogando com isto. Geralmente, estes tipos de argumentos foram expostos pelos setores privilegiados para exercer o controle sobre os despossuídos para não perder esses privilégios. Sempre souberam jogar bem suas cartas, não vamos negar, e souberam convencer a pessoas que não pertencem a seu círculo com a vã esperança de entrar nele. Já sabeis, os pobres não seremos perigosos enquanto abrigarmos a esperança de sermos ricos.
Outros temos claro que a liberdade, ou é para todos, ou não é para ninguém. Eu não posso ser livre se minha liberdade depende da submissão de outros porque então, tenho que me ocupar de manter submetidas a essas pessoas. Nós pensamos que, para sermos livres, temos de ser todos, sem exceção. Mas para isso faz falta EDUCAÇÃO e, nestes tempos, a educação brilha por sua ausência.
Há todo tipo de teorias sobre esta pandemia, os governos dos diferentes estados estão enfrentando-a de diferentes formas. Geralmente os governos de ideologia conservadora, sob a premissa da liberdade (a liberdade de seguir ganhando dinheiro) estão priorizando a atividade econômica frente a saúde da população com terríveis consequências.
Nesta época da desinformação, há que pôr tudo em dúvida. Não saberia dizer se as medidas que estão tomando no estado espanhol são as adequadas, não sou epidemiologista nem nada parecido, mas sim tenho uma coisa clara, se me dizem que não cumprir a certas normas pode matar alguém, posso crer ou não, mas não sou tão estúpido nem tão pouco solidário a ponto de me arriscar a comprová-lo as custas da vida de meus semelhantes. Já haverá tempo depois de tomar as medidas necessárias, para saber se fomos manipulados com algum outro fim (como defendem muitas teorias da conspiração). Agora é o momento de observar, analisar, comprovar, em uma palavra, aprender. E desaprender talvez. Ir sentando as bases que nos permitam conviver em harmonia sem dominação, sem governo, em paz.
É difícil pedir isto a coletivos que se caracterizam por sua falta de solidariedade, que só pensam em seu bem-estar, que pensam que pertencem a um grupo privilegiado, acostumados a reclamar seus direitos e não cumprir com suas obrigações, a lei de dois pesos e duas medidas.
Sim, também sou às vezes levado pela ira, pelo desejo de por-me frente a eles e gritar que não merecem o ar que respiram e contaminam com suas vergonhosas manifestações em carro. Sei que são os mesmos que jogam no chão suas máscaras e luvas (mais de uma vez tive que ouvir que assim dão trabalho aos garis, este é o nível) sei que são os mesmos que armam escândalos quando demoram para atendê-los no ambulatório ou no hospital, os mesmos que protestam porque os colocam em lista de espera para uma operação, os mesmos que votam em partidos que destroem a saúde pública.
Sei quem são, sei como pensam, convivo com eles. Sei que é inútil explicar-lhes as coisas, que não evoluem, que o único que lhes importa é manter (tristemente em alguns casos, conseguir) seu status. Não lhes fales de mudança climática, implicaria ir andando para comprar o pão em vez de ir de carro, não lhes fales de gente que passa fome ou sem-teto, eles já dão seu donativo na igreja, não lhes fales de trabalho precário, eles são empreendedores (a maioria das vezes com o respaldo do capital acumulado por seus pais e avós) e nós, simples trabalhadores, não podemos nem imaginar as dificuldades que tem um empresário, não lhes fales de maltrato animal, os animais estão para servir-nos (assim opinam algumas pessoas), não lhes fales de apoio mútuo, eles valorizam a pessoa que se faz por si mesma, ainda que geralmente contêm com todo tipo de pessoas a seu serviço. Poderíamos seguir com um longo etc, mas nós já o sabemos.
Dizia antes que sim, que as vezes sou levado pela ira, mas tenho claro que a violência começa onde acaba a inteligência, por isso eles sempre começam antes. Não baixemos a seu nível.
O mais doloroso de tudo isso é ver como pessoas de classe humilde se unem a seus amos, dói. Não me surpreendeu nada ver os ‘cayetanos’ [patriota endinheirado] do bairro de Salamanca com panela na mão, achei graça, se retratavam sós. O doloroso foi ver pessoas com poucos recursos seguir seu exemplo, como cães agradecidos a seu amo, esperando as migalhas de sua comilança pelo bom trabalho que realizaram em defesa de seus interesses. Não consigo entendê-lo. É medo? É ignorância? É lavagem cerebral?
O grande trabalho do fascismo na guerra civil foi acabar com toda a intelectualidade de nosso país, tinham claro, se queres submeter a população, não deve haver pensadores. Ainda hoje estamos pagando as consequências desta limpeza, pessoas que defendem a quem as explora, rouba e utiliza com um só argumento, difuso, indeterminado, vazio de conteúdo, irracional: ser espanhol.
Assim que não nos dirigimos a ti, que tens uma renda de mais de 100.000€, nos dirigimos a ti, que chegas com dificuldade ao fim do mês. Quem crês que vai te ajudar quando o necessites?
Fonte: https://www.cnt.es/noticias/patriotico-egoismo/
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!